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Quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Opinião

Invisíveis aos Olhos do Mundo

Em uma experiência recente nos Estados Unidos, tive a oportunidade de participar de um programa que me proporcionou contato direto com essa realidade que é invisível aos nossos olhos. Foi nesse contexto que conheci um jovem curdo que, apesar de sua formação e habilidades, enfrenta diariamente os obstáculos impostos pela ausência de nacionalidade. Assim como muitos curdos, ele não é reconhecido como cidadão por nenhum país e vive sob uma constante incerteza quanto ao futuro. Sua história de luta por um lugar no mundo, mesmo sendo apátrida, reflete a resiliência daqueles que, mesmo marginalizados, continuam buscando oportunidades para construir uma vida melhor. Esse encontro me fez perceber, de forma ainda mais profunda, a urgência de abordar a apatridia como uma questão global de direitos humanos e que necessita do mesmo enfoque que são dadas às questões de direitos humanos.

Em um mundo onde a identidade e a cidadania são frequentemente tomadas como garantidas, milhões de pessoas vivem sem nacionalidade, os chamados apátridas. Sem o vínculo legal com qualquer país, elas são privadas de direitos fundamentais como acesso à educação, trabalho formal, assistência à saúde e até ao casamento. A situação das pessoas apátridas representa um dos maiores desafios aos direitos humanos, sendo um problema invisível para grande parte da sociedade, mas com consequências devastadoras para quem o vive.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) estima que existam pelo menos 4,4 milhões de apátridas no mundo, mas esse número pode ser significativamente maior, pois muitos países não relatam dados sobre apatridia. Essas pessoas podem ser encontradas em praticamente todos os países e regiões do mundo, e a maioria vive no próprio país em que nasceu, sem nunca ter tido a chance de obter uma nacionalidade. Isso as coloca em um estado de “invisibilidade legal” e, ao mesmo tempo, as expõe a riscos elevados de exploração e abuso. Sem cidadania, muitas são impedidas de frequentar a escola, encontrar trabalho formal, acessar cuidados de saúde e realizar tarefas cotidianas como abrir contas bancárias ou registrar certidões de nascimento e casamento.

A condição de apátrida geralmente é resultado de lacunas e divergências nos sistemas legais de cidadania. Em alguns casos, legislações de nacionalidade baseadas no local de nascimento ou na descendência falham em proteger indivíduos em situações vulneráveis. Outros casos são agravados por conflitos armados, deslocamentos forçados e políticas discriminatórias que excluem minorias étnicas e religiosas, como ocorre com os rohingyas em Mianmar. Essas barreiras jurídicas, políticas e sociais dificultam, e até impedem, que milhões de apátridas regularizem sua situação.

O impacto da apatridia vai além da simples ausência de documentos; ele priva as pessoas do direito a uma vida digna e segura. Sem uma identidade nacional, os apátridas são limitados no acesso a serviços públicos essenciais, perpetuando ciclos de pobreza, violência e exclusão social. Eles também ficam sujeitos a condições de exploração e abuso, dada a vulnerabilidade de sua condição e a falta de proteção por parte de qualquer Estado. A ausência de direitos fundamentais, como educação e saúde, não apenas priva esses indivíduos de oportunidades, mas também prejudica o desenvolvimento das sociedades onde vivem.

Apesar do alcance global do problema, as respostas ainda são insuficientes. Desde 2014, o ACNUR conseguiu ajudar mais de 550 mil pessoas a garantirem o direito à nacionalidade. Com a campanha #IBelong, a ONU busca erradicar a apatridia, promovendo a conscientização e pressionando os Estados a adotarem políticas mais inclusivas. No entanto, para que a erradicação se torne uma realidade, é necessário que os governos implementem políticas efetivas, que incluam o registro de nascimento universal, revisem as leis de cidadania e desenvolvam iniciativas que protejam minorias étnicas e religiosas contra exclusões arbitrárias.

A erradicação da apatridia é, sem dúvida, um desafio complexo e que demanda esforços conjuntos. É fundamental que governos, organizações internacionais e a sociedade civil trabalhem juntos para remover as barreiras que limitam o acesso à cidadania e para garantir que os direitos humanos sejam, de fato, universais. Pessoas apátridas são parte das comunidades em que vivem e precisam de apoio para conquistar o direito de existir, prosperar e contribuir de maneira significativa para suas sociedades. A apatridia é uma questão de dignidade, justiça e inclusão, e enfrentá-la é essencial para um mundo mais igualitário e respeitoso.
Mas, ao pensarmos na condição de apátrida, fica uma pergunta: quantas fronteiras invisíveis ainda precisam ser apagadas para que todos encontrem, finalmente, um lar?
 
Yuri Omar Apolinario Silveira é Fundador da Ress, acadêmico bolsista integral de Direito na Universidade de Cuiabá.
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