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Opinião

Desafios de ser escritora em Mato Grosso

Larissa Campos


Escrever, ter uma mente criativa e organizada não são os principais desafios de um escritor ou uma escritora em Mato Grosso. O maior obstáculo sem dúvida é estar fora do cenário brasileiro de divulgação e vendas (eixo Rio-São Paulo), onde são realizados os principais eventos e atividades literárias do Brasil.
 
Conseguir ser "percebida" fora da nossa localidade é uma tarefa exigente, já que os escritores locais não contam com festivais literários em Cuiabá ou em outras regiões de Mato Grosso. Esse tipo de evento facilitaria a divulgação das obras produzidas e ainda traria escritores e leitores de outros estados, permitindo a circulação de conhecimento e despertando o interesse de editoras nacionais.
 
Apesar de uma parcela de escritores ter dificuldade em perceber a literatura como um "negócio", o mercado editorial tem que vender para se manter vivo! Portanto, é necessário empreender esforços, seja por parte dos próprios profissionais, para se colocarem como "agentes de cultura", seja dos governos, para que fomentem ações voltadas à leitura e à escrita para a população.
 
Cá entre nós, não adianta ter mais livros publicados, se não tiver leitores. Nesse sentido, sou totalmente favorável à quebra de paradigma da literatura tradicional, que ainda tem muita força no país e coloca escritores em um local de genialidade e inacessibilidade. Pelo contrário, precisamos cada vez mais estar a serviço da sociedade nas ruas, feiras, bares, redes sociais, praças, escolas, shoppings e periferias das cidades.
 
Os números são preocupantes em vários aspectos. Somos um país que lê pouco e que lê cada vez menos: dentre os 203,1 milhões de habitantes, conforme Censo do IBGE, apenas 16% das pessoas acima de 18 anos compraram livros nos últimos 12 meses (isso em 2022). Imagina ser um escritor em um país em que 44% da população não lê e que 30% nunca comprou um livro? Então, a resposta seria desistir de escrever?
 
Penso que precisamos continuar buscando mudanças do ponto de vista pessoal, comunitário ou no nível de gestão pública. Desde 2019, participo de um clube de leitura gratuito voltado a disseminar a prática de leitura entre mulheres e com ênfase em escritoras. O Lendo Mulheres Cuiabá funciona on-line e poderia ser replicado para inúmeros espaços e diversos tipos de públicos. Também existem outras iniciativas que poderiam ser estimuladas.
 
Apesar das adversidades, nunca ponderei, como outros autores que conheço, em me mudar para São Paulo ou Rio de Janeiro, referências em promover eventos literários disponíveis a qualquer dia da semana. Há oportunidades em livrarias maiores, de rede, e nas menores, que geralmente têm um trabalho de curadoria formidável. Além disso, as cidades dispõem de acesso a escolas com cursos de capacitação para autores e autoras, algo que ajuda muito a aperfeiçoar e desenvolver a escrita.  
 
É importante destacar que os editais de fomento são fundamentais, porque ajudam escritores e escritoras, como eu, a materializar projetos incríveis, porém, são iniciativas que não dão conta de deixar as obras ao alcance de todos. Para driblar essa questão, tenho viajado para participar de feiras e eventos regionais e nacionais, mas venho assumindo esse custo sozinha (e não é barato).
 
Também promovo ações de incentivo à leitura, como oficinas de escrita criativa, lives, rodas de conversa e o próprio clube de leitura. Tudo isso buscando fortalecer as parcerias na formação de novos leitores, o que inclui divulgar o trabalho de escritores e escritoras mato-grossenses, já que temos obras incríveis que precisam ser lidas e divulgadas, como Paty Wolf, Divanize Carbonieri, Lucinda Persona, Luciene Carvalho, Marli Walker, Marta Cocco e Stéfanie Sande!
 
Não importa como (se por meio de livro físico ou digital), é importante utilizar todos os espaços para ampliar o acesso à leitura e ao universo maravilhoso que os livros nos proporcionam, com seus diversos estilos, recursos narrativos, cenários e personagens que nos provocam experiências únicas. Ler permite expandir a imaginação, melhorar o vocabulário, desenvolver pensamento crítico e, de brinde, ainda ajuda a combater o estresse do cotidiano.
 
Sim, sou uma defensora do livro, pois acredito na transformação da sociedade a partir do desenvolvimento de cidadãos capazes de fazer melhores escolhas para si mesmos, para a própria comunidade e o mundo. Esse processo começo na infância, passa pela juventude e não pode parar nunca. Como bem destacou a ativista Malala Yousafzai, "um livro, uma caneta, uma criança e um professor podem mudar o mundo". Vamos seguir apostando nesse sonho!


Larissa Campos é funcionária pública com graduação em Jornalismo e Direito na UFMT e escritora de A Casa do Posto e Tempos Íntimos
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