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Opinião

Constituição Federal: uma balzaquiana triste e insatisfeita

Jean Lucas Teixeira de Carvalho

O controverso poeta-cantor Cazuza em seus versos já previa:

"Pode seguir a tua estrela / O teu brinquedo de star / Fantasiando em segredo / O ponto aonde quer chegar. / O teu futuro é duvidoso / Eu vejo grana, eu vejo dor / No paraíso perigoso / Que a palma da tua mão mostrou".

Aproximando o contexto de produção daquela música, o momento presente é mais de preocupação do que de festejos.

Abordo essa questão, pois a nossa constituição neste dia 5 de outubro completa 30 anos de promulgação, e, diferente da maturidade e jovialidade que se espera de alguém que atinge três décadas de existência, o que se observa, na verdade, é um corpo decrépito diante de mais de 100 remendos estéticos realizados (emendas constitucionais), na maioria das vezes, mais para saciar a sagacidade do cirurgião do que efetivamente necessária sua intervenção.

Há quem possa afirmar que, na verdade, as emendas (remendos) no texto Constitucional visam justificar a existência de um Congresso Nacional desacreditado além de qualquer outra coisa e que visa somente os interesses (im)próprios.

Mas - assim como a balzaquiana insatisfeita com o corpo refletido no espelho, depois de anos de uma dieta desregrada à base de álcool, gordura e fumo, cuja culpa é exclusivamente sua - nossa Constituição, certamente, é a responsável pelo triste momento que hoje se encontra.

Seu texto é permissível e não fixou requisitos mínimos (ou o fez de forma irracional), talvez de propósito, pois quem poderia fazer as alterações legislativas mais significantes, restringiu-se apenas aquelas cláusulas contidas do art. 60, § 4º, CF/88.

Infelizmente, a qualidade dos congressistas brasileiros não é das melhores. E isso vai da análise da integridade moral ao currículo escolar deles. Ali tem de tudo, de jogador de futebol, palhaços à doutores.

A democracia permite tudo isso, cabem aos nacionais a escolha e pelas próprias razões são estes a sofrerem as consequências de suas escolhas. Nada mais democrático, pois para se habilitar a fazer alterações na constituição brasileira, as únicas exigências legais é saber ler e escrever, mesmo que de forma limitada, e ser eleito por quantidades mínimas de eleitores (para alguns mais que outros, a depender da coligação pertencente). Além de tudo isso, existe até a possibilidade de ser congressista sem ter sido eleito, a exemplo dos suplentes de senadores que podem assumir a vaga do titular (esse sim, escolhido pelo voto direto). Enfim, qualquer um, cumprido os requisitos acima, está qualificado para alterar a lei mais importante do nosso País, sem mesmo conhecer daquilo que se propõe fazer.

Seria o mesmo que uma balzaquiana (mulher de 30 anos), entregar seu lindo corpo para um açougueiro ou mecânico para que eles realizem uma cirurgia plástica. Todos sabemos que a possibilidade de dar errado é maior do que se entregasse a um cirurgião com habilitação para tanto.

Como em toda ópera, quanto pior for a dramaticidade do intérprete, melhor será o sofrimento do telespectador. No caso em discussão, o mais paradoxal, e seria engraçado se não fosse trágico, é a composição do órgão encarregado de fazer a interpretação do texto constitucional: o nosso tão honrado STF.

Não seria exagero afirmar que para ingressar naquele órgão, que é responsável pela interpretação de nossa lei maior, basta ser amigo do "Rei". Aliás, sequer precisa ter formação jurídica (Art. 101, § único c/c Art. 12, § 3º, CF/88) para ser juiz do mais alto tribunal do País.

Contrariando o próprio texto que exige concurso para ser servidor público, ao ministro do STF é dispensável tal exigência, mesmo sendo ele usado como paradigma para remunerar todos os outros servidores da União, e por via de consequência dos demais ente federados.

Como já mencionado por mim em artigos pretéritos, todo "puxadinho" tende ruir a obra principal. A exemplo de que falo, hoje vemos o resultado: no STF julgam-se interesses escusos à toque de caixa, travestidos de nobreza, como o caso da prisão após decisão do segundo grau de jurisdição, que sabemos já decidido pela própria corte em ato anterior e aplicáveis a todos desde então, exceto ao próprio rei.

Vemos os conflitos de ego dos ministros, como no caso mais recente da semana passada, em que um ministro concede uma liminar e outro no mesmo dia caça a decisão proferida (será que se fosse outra pessoa, a decisão seria a mesma?), deixando perplexos todos aqueles que na corte depositam confiança, causando ruído não somente na credibilidade da corte maior, mas em todo sistema de justiça brasileiro.

Para quem cometeu excessos na juventude o resultado no corpo só poderia ser este!


Jean Lucas Teixeira de Carvalho é Advogado brasileiro residente em Lima no Peru. Especialista em Direito Processual Civil. Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito Previdenciário. Direito Eleitoral e Improbidade Administrativa, pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de Mato Grosso.  
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