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Opinião

Quer acabar com o capitalismo? simples, extingua definitivamente a liberdade individual

Julio Cezar Rodrigues

Ouvindo um analista político cuiabano em um programa de rádio matinal em dias recentes (interessa aqui a mensagem e não o mensageiro) pus-me a refletir sobre sua fala. Respondia a um ouvinte sobre a questão do comunismo. Segundo ele o Brasil não tem nada que leve a supor a existência do modo de organização social conhecido por comunismo. Que essa retórica veio à baila novamente no último pleito presidencial e foi eficaz para a vitória do candidato e atual presidente Bolsonaro. Em síntese, o comentário do analista estava nesse contexto.

Dizem que uma das estratégias do diabo e fazer com que todos pensem que ele não existe. É óbvio que o Brasil não vive o modo de produção comunista, tal como consta na teoria do “socialismo científico” (Marx). Os meios de produção não estão totalmente estatizados (felizmente). É fato que nossa Repúblicafoi refundada a partir de 1988 com uma Constituição inspiradaem ideais socialistas (direitos máximos, deveres mínimos) e caracterizada por uma forte intervenção do Estado na economia (à qual os intelectuais de esquerda, erroneamente, quando aplicadas no mundo fático,rotulam de “neo-liberalismo”).

A esquerda nacional clama por liberdade individual (liberdade política). Acredita e defende que os indivíduos devem ser livres para votarem, utilizarem seus corpos como lhes aprouverem (leia-se uso de drogas, aborto etc), falarem o que bem entenderem (liberdade de expressão), frequentarem o ambiente que quiserem, formarem “famílias” da forma que reputarem mais convenientes ou estabelecer formatos de relacionamento humano de todas as matizes, enfim, definirem-se sexualmente e por aí vai (embora também defendam que as consequências nefastas sejam arcadas pelo Estado).

Paradoxalmente, tais pessoas e partidos atacam a liberdade econômica. Argumentam que o Estado deve intervir cada vez mais na ordem econômica do país, seja regulamentando, disciplinando, rotulando, estatizando e controlando. Liberdade para mudar de sexo e abortar? Claro! Empreender livremente, enriquecer pelo trabalho honesto e desfrutar de conforto material? Nunca! Isso é exploração capitalista do trabalho do proletariado, estes, seres oprimidos e expoliados pela ideologia burguesa, cujo pensamento é o pensamento da classe dominante...

Sobre esse tema, o economista Milton Friedman escreveu um livro inteiro: “Capitalismo e Liberdade”. Friedman vai discorrer com muita sagacidade e inteligência no sentido de que a organização econômica de uma nação possui um papel duplo na promoção de uma sociedade livre. Por um lado, acrescenta o autor, a “liberdade econômica é parte da liberdade entendida em sentido mais amplo”, sendo, portanto, um fim em si mesma (atentem para esse detalhe). De outro, a liberdade econômica é um instrumento indispensável para a “obtenção da liberdade política”.

Perceba, prezado leitor, a coerência da tese de Friedman e seu total amparo na realidade dos fatos.  Destarte, sociedades e nações com grande liberdade política organizam a ordem econômica sob o arranjo de livre-mercado. Assim, há uma reciprocidade positiva nessa relação. A liberdade política esteve sempre ao lado do livre-mercado e do modo de produção capitalista. Contrário senso, a diminuição da liberdade econômica implicará, indubitavelmente, na mitigação da liberdade política.

Apesar de ser um economista de matriz “liberal”, Friedman não é um anarquista. Entende que deva existir um “governo” mesmo em um arranjo de livre mercado. Contudo, o papel desse governo será bem mais reduzido quando comparado aos sociais-democratas. Cabe ao governo determinar as “regras do jogo” e não “jogar”. Ou seja, maior participação do governo na atividade produtiva, implica, por definição, concentração de poder estatal, o que se traduz, inexoravelmente, na mitigação da liberdade individual e política. É fácil constatar o fenômeno na prática. Naúltima eleição presidencial, o candidato de esquerda (Haddad) teve expressivo número de votos junto ao eleitorado beneficiário de programas sociais. O cidadão vota “coagido”, com receio de “perder” o assistencialismo caso seu candidato não seja eleito. Perceba que um eleitor com autonomia não se deixaria influenciar apenas sob tal situação. Assim, para Friedman, “removendo a organização da atividade econômica do controle da autoridade política, o mercado elimina essa fonte de poder coercitivo”, permitindo assim, que a “força econômica se constitua num controle do poder político, então num reforço”.

O poder político no Brasil já é extremamente concentrado, conforme se depreende do “pacto federativo” arquitetado na Constituição de 1988. À União cabe a maioria dos recursos tributários, além do monopólio para legislar em inúmeras áreas estratégicas. O adicionamento de poder econômico a este poder político já concentrado torna o Estado perigosamente instável e sujeito aos mais variados desvios. Uma das causas da corrupção endêmica existente está, justamente, nessa concentração de poder. A separação do poder econômico do político é um “remédio” para controle e defesa dos arbítrios do Estado conta o cidadão e sua liberdade.

Voltando ao início do artigo, onde está o “perigo comunista” nessa história? Parte significativa dos intelectuais de esquerda ainda “bebem” na cartilha marxista. Insistem na defesa do paradoxal “socialismo-democrático”. Algo sem sentido por definição. Por óbvio que não defendem abertamente a transformação da sociedade atual pelo “comunismo” (seja cubano, norte-coreano no venezuelano), no entanto, não o abominam como deveria se esperar de pessoas honestas intelectualmente. Demagogicamente, postulam um modelo de sociedade com pouca ou nenhuma liberdade política e econômica, ao tempo que o fazem somente porque esta sociedade que criticam ainda possui liberdade política suficiente para tal. Com efeito,“liberdade” para essa gente tem natureza instrumental, isto é, não passa de “meio” para a remodelação e transformação da ordem social vigente.

Ora, onde está o equívoco dessa visão de mundo? Está no fato de que, ao não abandonarem Marx, ainda acreditam na “essência” de sua doutrina. Procuram salvá-la dos fatos e da realidade. Sabem que o comunismo é empiricamente impossível, contudo, conforme o próprio Marx e Engels deixaram muito claro na obra “A Ideologia Alemã” (publicado em 1926), o comunismo “não é um estado que deve ser criado, ou um ideal pelo qual a realidade terá de ser conduzida. Consideramos comunismo o movimento real que supera o atual status quo”.

Ou seja, o comunismo é o “fim da história”. Seremos conduzidos a ele de um jeito ou de outro. Mas não é tão simples assim. No livro “O Manifesto Comunista” (publicado em 1848) os dois pensadores profetizam que o “proletariado funda o seu domínio com a derrubada violenta da burguesia”. Em que pese já estarmos longe do século XIX, as ideias marxistas foram amplamente testadas durante o século XX (milhões de pessoas jazem sob seus efeitos), permanecendo vivas ainda hoje, embora fragmentadas em diversas correntes. Chegam até nós, muitas vezes, dissimuladas sob narrativas que atraem e “fisgam” incautos sob o signo da “justiça social”, “igualdade”, “politicamente correto” e outras “palavras de poder” desprovidas de conteúdo, mas de forte apelo emocional.

Lutemos pela garantia da liberdade econômica e propriedade privada, pressupostos básicos de uma ordem política livre.
 

Julio Cezar Rodrigues é Oficial da Reserva do Corpo de Bombeiros Militar de Mato Grosso, economista e advogado (rodriguesadv193@gmail.com)
 
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