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Opinião

300 anos de Cuiabá – nada a comemorar e o culpado é você

Eustáquio Rodrigues Filho

Foi isso mesmo que você leu. O culpado de Cuiabá nada ter para comemorar é culpa sua, culpa minha, culpa nossa. Mas para entender melhor, vamos começar do "início".

Uma determinada cidade completa esse ano 185 anos de fundação e há cinco anos está entre as 3 melhores do mundo para se viver, segundo a revista The Economist. A cidade possui 100% de rede de esgoto tratado, 100% de água encanada, possui um rio totalmente limpo cortando o seu centro e possui uma rede de transporte público com ônibus, VLT, trem e bonde, atendendo todos os cantos com pontualidade e dignidade. Possui mais de uma dezena de parques públicos, vida cultural intensa e seus índices educacionais e de saúde são impressionantes. Consegue misturar perfeitamente modernidade e história em suas ruas e bairros. Isso com apenas 185 anos!

Uma outra cidade possui mais de 2.000 anos de fundação e é uma das mais visitadas do mundo. Mais de 10 milhões de turistas percorrem suas ruas todo ano, aproveitando seu acervo cultural, sua gastronomia, seus ícones turísticos (todos construídos pelo ser humano). Sua rede de transporte metroviária é a terceira maior do mundo e ainda conta com ônibus modernos com wifi, sinalização vertical intensa e de fácil visualização. Seu conjunto arquitetônico histórico é um dos mais bonitos e bem conservados do mundo. Também possui um rio (limpo) que percorre sua área central e essa é sua única atração natural num raio de 100km. Mais de 2.000 anos de idade, mas com um frescor de 18.

Toda essa narrativa é para mostrar que não é a idade de uma cidade que determina seu nível de organização e qualidade de vida da população. É o seu povo, seu nível de determinação e suas escolhas. Em relação a esse último item, a população da cidade de Cuiabá tem falhado. E muito, e há décadas. E não me refiro apenas às escolhas políticas, embora essas sejam as mais perniciosas para uma sociedade que queira evoluir, mas às escolhas pessoais de cada um.

A cidade não ficou com praticamente todas as ruas esburacadas de um dia para outro. Nem possui uma rede de saúde falida e sucateada por desvios que começaram mês passado. A população não sofre com ônibus velhos, quentes, impontuais e desconfortáveis apenas em 2019. Tampouco tem seu patrimônio histórico desabando com qualquer temporal recente. Não ficou inundada com uma chuva um pouco mais forte somente essa semana. E também não está com suas creches e escolas municipais parecendo pardieiros, com goteiras, salas fedendo a mijo e com banheiros sujos e alimentação deficiente (quando tem) a partir deste ano letivo. Não estragamos o Rio Cuiabá em 2018 e nem assoreamos suas praias em 2017, com suas dragas indecorosas singrando suas águas com a conivência das Secretarias Estadual e Municipal de Meio Ambiente. Não! Isso não começou agora!

Todos esses descalabros fazem parte de um processo de destruição lento, gradativo e constante da nossa cidade que começou há décadas, senão séculos (fato que se repete em muitas outras cidades do país). Fruto de nossas escolhas. Péssimas escolhas. Não só escolhemos mal nossos governantes, como fazemos escolhas ruins para nós mesmos. Não é só esse péssimo prefeito que está aí que destrói nossa cidade com sua incompetência e omissão.

Também destruíram a cidade o prefeito anterior e o anterior e o anterior e o anterior e o anterior até chegarmos em meados de 1900. Também são responsáveis todo o entorno do prefeito que escolhemos. Esses péssimos vereadores e os anteriores e os anteriores e os anteriores e assim vai, os quais não caíram de paraquedas nas salas de poder. Chegaram lá com nossa aquiescência.

Colocamos corruptos ali com base em nossa corrupção – aqui vale a máxima "cada povo tem o governo que merece". Não há como negar a nossa corrupção em nosso dia a dia: no trânsito, na meia-entrada, nos auxílios imorais, nas filas, no troco, na sonegação, no massacre da ética, no lixo que jogamos no chão, nas bitucas de cigarro largadas ao léu, ao bebermos e dirigirmos loucamente, nas decisões judiciais que afrontam a óbvia moralidade em nome de um tecnicismo hipócrita, na aprovação de leis pornográficas que fazem o bolso dos legisladores terem verdadeiros orgasmos, no desejo incontrolável e diabólico de tentar levar vantagem em tudo e sobre todos. Escolhemos mal durante décadas e continuamos escolhendo ainda pior. Some-se a isso o fato de que nossas opções variam entre o ruim, o péssimo e o menos pior, entre o "coisa ruim" e o "capiroto" – vide os supostos candidatos a prefeito no próximo ano.

É triste chegar à conclusão de que a cada chuva, a cada estação, a cada ano, a cada 8 de abril, nossa cidade está ficando pior, mais degradada e sem perspectiva. A transformação de mente, de comportamento, o afloramento da ética e da moral são acontecimentos que, se vierem, virão somente no próximo século – isso se o próximo século chegar. Pois o egoísmo, a corrupção e a ausência de educação que sorrateiramente corroem as estruturas da sociedade cuiabana têm bases sólidas, quase que uma fortaleza. Tirar uma pedra dessa fortaleza – a fim de destruí-la – é uma tarefa de cada um de nós, muito embora não tenhamos ânimo para isso pois essa geração (a minha e a sua que lê esse texto) não verá uma Cuiabá melhor. Nem a geração seguinte.

Quem sabe se começarmos agora, os netos e netas de nossos netos poderão desfrutar de uma cidade melhor e uma sociedade mais decente. E aí sim, poderão realmente comemorar os 400 anos de nossa capital. A propósito, as duas cidades do início do texto são Melbourne (Austrália) e Paris respectivamente.
 

Eustáquio Rodrigues Filho é Cristão, Servidor Público e Escritor. Autor do livro "Um instante para sempre". Instagram: @eustaquiojrf.
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