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Opinião

O abuso na cobrança de 90% de tarifa de esgoto: lei federal nº 6.528/78 x código de defesa do consumidor

Isaque Levi Batista dos Santos

Inicialmente, importante destacar que a tarifa de esgoto atualmente cobrada pela concessionária dos serviços de água e esgoto da Capital, empresa Águas Cuiabá, em tese, encontra amparo no Contrato de Concessão (ANEXO II DO EDITAL – TERMO DE REFERÊNCIA), ainda, na Lei Federal nº 6.528, de 11 de maio de 1978. Na qual autoriza a cobrança da tarifa de esgoto correspondente em até 100% da tarifa de água, “a fim de atender aos custos de operação e tratamento do esgoto”.

Por outro lado, está em tramitação na Câmara de Deputados, o Projeto de Lei nº 3.596/2015, de autoria do deputado federal César Halum, na qual disciplina a cobrança da tarifa de esgoto, vedando sua cobrança em imóveis não ligados ao sistema de esgotamento sanitário, bem como limitando a cobrança ao limite de 60% do valor da tarifa de água do imóvel, inclusive, já contando com a aprovação das Comissões de Constituição e Justiça, e, de Defesa do Consumidor.

Nesta seara, a Constituição Federal de 1988 consagrou a defesa do consumidor como princípio fundamental da atividade econômica, preparando o terreno para a criação do Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, objetivando o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a dignidade, saúde e segurança do consumidor, bem como a proteção de seus interesses econômicos, a transparência e harmonia das relações de consumo, garantindo direitos básicos do consumidor.
 
Pois bem, as concessionárias de serviços de água e esgoto estão sujeitas ao Código de Defesa do Consumidor e são obrigadas a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros, contínuos e sem vícios; desta feita, temos que o Código de Defesa do Consumidor revogou, mesmo que implicitamente, a autorização da cobrança da tarifa de esgoto no valor proporcional à tarifa de água, estipulado pela Lei Federal 6.528, visando assim, que a cobrança do valor do consumo deve ser processada sempre da real e efetiva medição prévia e regular, sendo que o não atendimento a tal preceito configura-se um vício, e deve ser cobrado pelo preço mínimo.
 
Visa salientar que a concessionária de Cuiabá não realiza a medição da quantidade de esgoto coletado, presumindo que todo o volume de água consumido por um imóvel necessariamente é devolvido à rede de esgotos, logo, cobrando a tarifa pelo serviço de coleta de esgoto sanitário o valor correspondente em 90% do cobrado pelo serviço de fornecimento de água, na maioria das vezes sem a efetiva prestação do serviço.
 
Ressalta-se que Tarifa é uma contraprestação a um serviço efetivamente prestado, destarte, não há de se falar em cobrança onde não possui o serviço de rede de esgoto, sendo ilegal sua cobrança, pois o ordenamento jurídico brasileiro veda o enriquecimento sem causa, consequentemente, não se pode cobrar por um serviço que não é prestado.  Entendemos assim, que se o serviço é realizado, mas não existe quantificação real e efetiva, por medição prévia e regular, deve ser cobrado o preço mínimo, sob pena de enriquecimento ilícito, sem causa.
 
 Por conseguinte, insta ponderar que o serviço público de esgoto não tem natureza compulsória, ou seja, obrigatória, assim os usuários possuem a escolha de aderir ou não ao acesso à rede pública de esgoto, podendo, fazer uso de fossas assépticas, não se sujeitandoao pagamento da tarifa.
 
Ainda, relevante apurar também se esta estimativa corresponde ao custo do uso do sistema de esgoto, já que a cobrança atual da tarifa não é feita com base no custo da prestação desse serviço, mas sim com base no custo do serviço de água.

No mais, ter-se-ia em seguida que considerar também a quantidade estimada de metros cúbicos vazados da rede de esgoto, estimativa esta que deveria ser fixada levando-se em conta que nem tudo o que entra de água em uma casa sai pela rede de esgoto (parte se evapora na feitura de alimentos, é absorvidapelo organismo humano, entra pelos ralos dos quintais, que em geral desembocam nas galerias de águas pluviais, etc), beneficiando, desta forma, o consumidor – munícipe cuiabano.

Noutro norte, é tecnicamente possível se proceder à medição do uso individual do sistema de esgoto, por meio de aparelhos próprios, os quais, inclusive, estão até mesmo disponíveis no mercado nacional.

No mais, não há óbice para a aprovação de uma lei regulamentando a cobrança de esgoto em nossa Cidade, uma vez que não estaria interferindo no contrato de concessão ou modificando suas cláusulas, mas sim, regulamentando e adequando os serviços de prestação e cobrança da tarifa de esgoto ao Código de Defesa do Consumidor, fazendo uso da competência residual e supressiva do ente municipal, em defesa de nossa querida população de Cuiabá, hipossuficiente e a mais prejudicada nos abusos feitos pela absurda cobrança de 90% de tarifa de esgoto sobre o consumo de água, sem qualquer medição ou aferimento do real consumo pelo munícipe.


Isaque Levi Batista dos Santos é advogado e taquigrafo legislativo na Câmara Municipal de Cuiabá.
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