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Opinião

Procura-se

Caio Ribeiro e Eduardo Mahon

A capital acordou diferente. Pelos muros da cidade, estão pregados panfletos nos quais escritores são procurados. Por quê? Trata-se de uma provocação estética e semântica, além de se configurar uma intervenção na dura linguagem urbana. Se, de um lado, vivemos sob a égide da perseguição ao humanismo como expressão livre, por outro, escritores são procurados para nos salvar desse opaco período cultural. Procura-se porque os intelectuais estão sendo caçados. Procura-se porque se deseja encontrar.

Procura-se também porque se quer conhecer. Esse triplo significado está na nossa
paródia das antigas recompensas que se ofereciam pela cabeça dos fora-da-lei. Nós,
escritores, estamos nos sentindo perseguidos nesse sentido polifônico: repressão e
desejo. Desde quando esses sentimentos deixaram de andar juntos?
Procura-se. Querem nos conhecer. Há gente fazendo literatura de qualidade. O que falta é espaço, circulação, oportunidade. Até mesmo nos ambientes em que seria previsível

valorizar escritores, estamos nós arrostados por outras letras. Procura-se. Do poder
público, as verbas minguadas formam uma colcha de retalhos tão curta quanto inútil. Incentivos episódicos e politiqueiros, ausência de uma estratégia coordenada com
setores da educação. Somos caçados há anos, procurados como baderneiros. Estamos foragidos dos gestores insensíveis e não pretendemos nos entregar sem resistência.

A despeito de todo o descaso com a literatura produzida em Mato Grosso, somos
desejados. A Unemat adota escritores mato-grossenses no exame vestibular, uma vitória para a categoria e uma distinção para ela mesma. As escolas particulares fazem
encomendas às editoras e agendam visitas de escritores a turmas interessadas em
conversar sobre literatura. Editoras nunca tiveram tanta demanda, escritores iniciantes e veteranos, unidos no fazer literário. Procura-se. Procuram-nos. Recentemente, o
município de Juína abriu procedimento para a aquisição de obras literárias para
abastecer a biblioteca municipal que recebeu premiação internacional. Tangará e
Cáceres, Sinop e Barra do Bugres, Santo Antônio do Leverger e Lucas do Rio Verde,
são cidades onde o público lota os auditórios quando há lançamento de livros.

É na capital que devemos anunciar essa procura, onde está mais próximo o poder que
nos procura para limitar não nos procura para conhecer. Como criar uma sensação no
universo simbólico da cidade? Essa é uma das provocações do trabalho Procura-se. A
repetição é uma ferramenta eficaz. Milhares de lambe-lambes com rostos de mais vários escritores de Mato Grosso tomaram o espaço púbico. A grande escala repete estes rostos com a mesma frase. Rostos com a mesma frase. Mesma frase. Estamos todos foragidos.

O muro vai ser página. A cidade vai ser livro. Procura-se. Busca-se conhecer. Quem
somos nós? Somos escritores. Fazemos literatura. Queremos espaço. O espaço que é
furtado aos escritores dentro de muitos espaços criamos fora. Viramos do avesso,
expomos as entranhas. O que não se quer noticiar vira manifesto.

Literatura é mais do que o receituário do médico, a sentença do juiz, a reportagem do
jornalista. É mais do que o manual de autoajuda, mais do que teses de doutorado e
enciclopédias. Literatura é sonho em prosa ou poesia, é invenção e reflexão, é retrato e criação. Literatura é arte. É a arte que constrói a nossa identidade e não nos deixa
esquecer de que somos humanos. Reduzir literatura ao utilitarismo é uma violência. É
dizer: a poesia e a ficção não prestam para nada. As mentes mais obtusas interpretam a autonomia da arte como falta de serventia. Quanta pobreza intelectual, quanta aridez
estamos vivenciando atualmente, uma mentalidade típica de fanáticos e ditadores.

Procura-se. Procuram-nos. Procuramos também. Pretendemos que nos procurem, que
nos interpelem, que nos avaliem, que nos provoquem, mas que nos leiam principalmente. Sejamos nós procurados nas livrarias, nas bibliotecas, nas salas de aula, nos debates e nos lançamentos. Procurados nos jornais, nas revistas, nos sites e nos livros. Procurando bem, estamos formando uma nova tradição literária em Mato Grosso.

Queremos ser encontrados por todo o povo mato-grossense. Mas tem gente que prefere não ver. E não ler. Esses não nos encontrarão, ainda que nos procurem para sempre. Para eles, ficaremos foragidos.

Caio Ribeiro, escritor, é um dos fundadores do Grupo Coma A Fronteira.
Eduardo Mahon, escritor, é editor-geral da Revista Literária Pixé.
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