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Opinião

Crise financeira ou má gestão dos recursos públicos?

Emerson Soares

Nesse momento de crise financeira que passam os estados, inclusive o de Mato Grosso, buscam-se responsáveis, acusam má gestão e conivência do Poder Legislativo em aprovar leis que impactaram nos gastos com pessoal.

O estado de Mato Grosso declarou a situação de calamidade financeira por meio do Decreto Estadual nº 07/2019, com vigência inicial de 180 dias, posteriormente prorrogado por igual período pelo Decreto Estadual nº 176/2019. Ambos os decretos descrevem os motivos da crise, dentre os quais é evidenciado, especialmente, o aumento dos gastos com pessoal, ignorando o impacto do não recebimento das receitas do FEX dos anos de 2018 e 2019.

Os relatórios de gestão fiscal – RGF – publicados pelo estado demonstram os gastos com pessoal acima dos limites determinados pela Lei de responsabilidade Fiscal – LRF – em seu artigo 20, II, “c”. Evidente que a ausência do recebimento de receitas pelo estado, cuja classificação econômica são de receitas correntes, como as originárias do FEX, prejudicaram esses resultados fiscais.

Discutiu-se sobre os incentivos fiscais, reformulou-se a Lei. Discutiu-se sobre os gastos com pessoal, estabeleceu-se condicionantes para o pagamento da Revisão Geral Anual – RGA aos servidores. Revisa-se os créditos escriturados em dívida ativa com objetivo de recuperá-los por meio da atuação do Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativo – CIRA, o que tem gerado bons resultados. Medidas foram adotadas, resultados estão sendo comprovados. Mas seriam apenas essas ações necessárias para reequilibrar as contas do estado? Certamente que não, e além das ações citadas, o estado deve incrementar ações de gestão que cotidianamente irão conter “goteiras” que possam dar vazão a somas expressivas de recursos públicos, especialmente em um contexto nacional de estagnação econômica. 

Evidente que se deve discutir a realização de outras despesas, e no gancho da crise financeira, estados estão questionando os vultosos repasses de duodécimos que estão obrigados a repassar aos poderes. Esses poderes não vivenciam a crise administrada pelo Poder Executivo. Essa questão está sendo apreciada pelo Supremo Tribunal Federal – STF, estando o placar em 5 x 5, restando o voto do ministro Celso de Mello (ADI 2238) para resolver a causa.

As Leis de Diretrizes Orçamentárias – LDO – dos anos de 2016 e 2017 (Leis Estaduais nº 10.311/2015 e 10.490/2016, respectivamente) estabeleceram limites globais de repasses para os duodécimos dos poderes e órgãos autônomos com base nos percentuais de participação das Receitas Correntes Líquidas – RCL, sendo: i) 7,70% (sete vírgula setenta por cento) para o Judiciário; ii) 3,50% (três vírgula cinquenta por cento) para a Assembleia Legislativa; iii) 3,11% (três vírgula onze por cento) para a Procuradoria-Geral de Justiça; iv) 2,71% (dois vírgula setenta e um por cento) para o Tribunal de Contas do Estado. Na LDO/2017 consta previsto no artigo 18, § único, que os duodécimos serão repassados com recursos da fonte ordinária do Tesouro e do Fundo de Transporte e Habitação (Fonte 100). Eis aqui uma das respostas à falta de recursos financeiros, pois as participações dos duodécimos são calculadas com base na RCL, já os repasses dos recursos oneram somente os recursos do tesouro e do FETHAB fonte 100.

Melhor explicando, a LRF determina que: i) a RCL é somatório das receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas também correntes, subtraídas das deduções descritas no artigo 2º, IV; ii) a RCL será apurada somando-se as receitas arrecadadas no mês em referência e nos onze anteriores, excluídas as duplicidades, artigo 2º, § 3º. Entretanto, compõe a RCL as receitas classificadas economicamente como transferências correntes, onde se evidencia pela execução orçamentária os ingressos de recursos transferidos pela União destinados a: i) saúde, nos termos da Lei Federal nº 8.080/90, LC 141/2012, regulamentadas por portarias ministeriais; ii) assistência social, conforme Lei Federal nº 8.742/93 e outras, regulamentadas por decretos, resoluções e portarias ministeriais; iii) Convênios com aplicações em despesas correntes; iv) recursos recebidos do FUNDEB conforme Lei Federal nº 11.494/2007; v) outras receitas correntes instituídas por leis estaduais e vinculadas a aplicações determinadas.

Percebe-se que a base de verificação dos direitos de duodécimos pelos poderes e órgãos autônomos, ao considerar a RCL, passa a ser majorada. Não houve repasse pelo Poder Executivo dos percentuais de participação incidentes nas receitas vinculadas à saúde, assistência social, convênios, recursos recebidos do FUNDEB e outros recursos vinculados. Os repasses financeiros ocorreram com base nas arrecadações do tesouro, originárias dos impostos, da dívida ativa, FPE, FEX, ICMS Exportação, outros não vinculados. É uma conta difícil de fechar, base ampla para constituir direitos e fonte reduzida para financiamento.

Destaca-se também que os repasses fixados aos Poderes e órgãos autônomos pela LDO/2016 são os que serviram de base individual para aplicação das regras determinadas pela Emenda à Constituição do Estado nº 81/2016 – EC 81/2016. Conforme redação dada ao artigo 51, § 1º, I e II do ADCT da Constituição Estadual, para o ano 2018 o orçamento será fixado tendo por base o crédito autorizado no ano de 2016 corrigido em 7,5%. Os demais orçamentos corresponderão ao do ano imediatamente anterior corrigidos pelo IPCA.

O parlamento cuidou para assegurar aos Poderes e órgãos autônomos repasses de duodécimos suficientes aos seus custos. Mesmo que a base de cálculo tenha sido majorada, ao Poder Executivo cumpre repassar os valores devidos conforme determinado pelo artigo 168 da Constituição Federal.

Na mesma linha está a Emenda à Constituição do Estado nº 82/2018, em que se impôs ao Poder Executivo a execução das emendas parlamentares no limite de 1,0% da RCL realizada no exercício anterior. Mais uma vez a conta será paga pelos recursos ordinários do tesouro.

Soma-se ainda o custeio atribuído ao Poder Executivo dos inativos e pensionistas da Assembleia Legislativa e do Tribunal de Contas, que tornam-se repasses indiretos de duodécimos. O RGF do 1º quadrimestre/2019, Anexo I – Demonstrativo da despesa com pessoal – informa os seguintes valores desembolsados pelo poder Executivo: i) em favor do TCE/MT, R$ 101.375.803,96; ii) em favor da Assembleia Legislativa, R$ 67.340.213,93. A publicação do RGF do 2º quadrimestre/2019 deixou de informar esses custos.

Se somados esses valores desembolsados ao longo dos anos pelo Poder Executivo, seriam quantificados vários hospitais e escolas públicas que deixaram de ser construídos, bem como outras prioridades que poderiam ter sido executadas em prol da sociedade coletiva, e não restrita.

Não estão identificadas todas as possíveis causas da crise financeira de Mato Grosso, mas se evidencia que não são somente as descritas nos Decretos Estaduais nº 07 e 176/2019.

O estado deve rever seus custos, é uma necessidade. Mas também deve convidar os Poderes a rever e também adequar os seus. 

Nessa premissa, retornamos as determinações da EC nº 81/2016 que instituiu o Regime de Recuperação Fiscal e da Seguridade Social do Estado de Mato Grosso – RRF – que vigi desde o ano de 2018 até 2022 (Art. 50 do ADCT/CE). A regra principal determina que até o último exercício da vigência do RRF, as despesas primárias correntes do Estado deverão representar, no máximo, 80% (oitenta por cento) das receitas primárias correntes realizadas. Estão descritas no artigo 56 do ADCT/CE as vedações nesse período, todas no sentido de impedir o aumento de gastos com pessoal originárias de aumentos, revisões de carreiras, contratações, criações e majorações de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza em favor de servidores e empregados públicos civis e militares, dentre outras. Há exceções, e estas regras devem ser aplicadas por todos os poderes e órgãos autônomos.

Além do cumprimento das metas fixadas pelo RRF – impostas pela EC 81/2016 – o estado deve cumprir as metas fixadas pela Lei Complementar Federal nº 156/2016, que estabeleceu o Plano de Auxílio aos Estados e ao Distrito Federal, bem como as metas do Programa de Reestruturação e Ajuste Fiscal – PAF pactuados entre a União e o Estado de Mato Grosso. Estes índices devem ser acompanhados e divulgados pelos órgãos de controle.

No mais, resta o voto do ministro do STF Celso de Mello, que se favorável a tese divergente a do relator da ADI 2238, proporcionará ao Poder Executivo meios de dividir a conta da crise com os Poderes e órgãos autônomos.

De qualquer forma, deve ser continuada e melhorada a gestão dos recursos públicos, estancando os “vazamentos” e possibilitando melhorias dos serviços finalísticos prestados ao cidadão.



Emerson Soares é Auditor do Estado, graduado em Ciências Contábeis e especialista em contabilidade pública; auditoria governamental; e em administração contábil, financeira e auditoria no setor público. 
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