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Opinião

Vinhos e tributos

Victor Humberto Maizman

É certo que juntamente com a evolução tecnológica, houve mudança também em conceitos sobre o consumo, vindo a gerar na necessidade de que haja uma adequação na legislação que trate de regular as respectivas atividades.

Lembro que há 30 anos, houve a febre das videolocadoras, alterando sobremaneira o costume dos consumidores que, por sua vez, deixaram de ficar aprisionados às poucas opções filmes inseridas nas grades de programação das hoje denominadas de TVs abertas. 

De fato, com o crescente mercado em questão, não demorou muito para que a legislação municipal fosse alterada para que tal atividade fosse considerada fato gerador do Imposto sobre Serviços – ISS, vindo posteriormente tal exigência ser suspensa judicialmente sob o fundamento de que a locação não é juridicamente considerada como um serviço.

Hodiernamente o conflito está quando a atividade denominada de "streaming", tal qual os canais como Netflix e outros da mesma natureza.

Recentemente foi aprovada uma alteração na legislação nacional e incluiu tal atividade como serviço, vindo a ser fato gerador do respectivo imposto exigido pelos Municípios.

Todavia, há questionamento por parte dos Estados e das próprias empresas contribuintes de que tal atividade não se trata de serviço, mas sim de venda de um produto virtual, passível portanto de imposto sobre a venda de mercadorias, o ICMS.

Realmente no direito tributário está em vigor a regra geral de que a lei fiscal não pode alterar a natureza da atividade com fins apenas fiscais, ou seja, resta defeso a legislação rotular uma atividade de serviço, referente a uma atividade que não seja serviço, sob pena de violar a regra normativa geral que veda tal pretensão.

Aliás, tal questão já foi amplamente analisada pelos Tribunais Superiores, à exemplo de que a Receita Federal ficou impedida de exigir Imposto sobre a Renda de quantia recebida pelo contribuinte por qualquer forma de indenização, uma vez que esta não se confunde com o conceito de renda, a qual resulta do aumento do patrimônio e não na sua reparação.

De todo exposto, deve ser interpretado com ressalvas o festejado dogma jurídico no sentido de que o Direito cria suas próprias realidades, devendo portanto, concluir de que ainda não foi dado ao legislador o mesmo poder de transformar água em vinho.
 
 
 

Victor Humberto Maizman
Advogado e Consultor Jurídico Tributário, Professor em Direito Tributário, ex-Membro do Conselho de Contribuintes do Estado de Mato Grosso e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais da Receita Federal/CARF.
 
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