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Opinião

Uma vaca incomoda muita gente

Thiago Itacaramby

Esse ano não foi nada fácil para a agenda ambiental no país. Francamente há tempos vivenciamos um cenário bastante temeroso. Os desafios e ataques vieram todos os dias, de vários lugares, até mesmo daqueles que obrigatoriamente deveriam se dedicar à defesa do meio ambiente. A cada instante o Brasil sofre com graves tragédias, crimes ambientais e tentativas de calar a sociedade civil. 

Para piorar de vez o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem defendido a criação de boi em terra indígena, que, na sua visão, contribuirá para redução do preço da carne. Ele pretende incluir a regulamentação da agricultura e pecuária comerciais em terras indígenas na proposta de liberação da atividade de mineração. A proposta inicial era que fosse enviada ao Poder Legislativo em setembro, mas acabou sendo adiada para o próximo ano.

"O preço da carne subiu. Nós temos de criar mais bois aqui, para diminuir o preço da carne e eles podem criar boi", considerou o presidente sem nenhum critério técnico que justificasse tal medida. Em tese, a legislação vigente permite ao índio usufruir da terra para a sua sobrevivência. Sabemos que o avanço das áreas de pecuária e de agricultura no Centro-Oeste e no Norte tem contribuído com o desmatamento na floresta amazônica.

Os ambientalistas acreditam que a alta do preço da carne no mercado internacional pode contribuir com o desmatamento  da Amazônia. Estudos revelam que a subida no preço em um ano tende a ser seguido de crescimento no desmatamento no ano seguinte. O fato é que sem fiscalização dos órgãos reguladores as taxas de destruição tendem a piorar cada vez mais. A razão é óbvia já que a atividade fica mais atrativa, abrindo-se novas áreas.

De agosto de 2017 a julho de 2018, o desmatamento mapeado no Cerrado brasileiro pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) foi de 6.657 km², uma área equivalente a quatro vezes a cidade de São Paulo. Mato Grosso foi o terceiro estado que mais desmatou o bioma, foram 998 km², respondendo por 15% de todo o Cerrado perdido no Brasil em um ano. 

Segundo pesquisa do Instituto Centro de Vida (ICV), cerca de um terço de todo desmatamento no Cerrado mato-grossense ocorreu em imóveis rurais cadastrados e em áreas contínuas de mais de 50 hectares, ou seja, facilmente detectáveis via imagens de satélite.

Precisamos conter essa atrocidade contra floresta. Por ora, há uma voz sensata que ecoa no Congresso Nacional, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, já criticou a ideia do presidente de permitir o garimpo em terras indígenas.

Façamos votos que esse alinhamento seja estendido à agricultura e pecuária. Uma coisa eu asseguro: fome os chineses não irão passar. Em suma, é preciso de políticas ambientais para conter a exploração dos recursos e manter um nível econômico socialmente justo e igualitário. É cada coisa já não bastasse ter de engolir mais essa. 


Thiago Itacaramby é jornalista e gestor ambiental
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