Imprimir

Opinião

Dou-lhe um TAC

Gryone Marana

Recentemente foi noticiado pela impressa que uma Promotora de Justiça está sendo denunciada pelo Procurador-Geral de Justiça de Mato Grosso em razão de desvio de recursos oriundos de Termos de Ajustamento de Condutas (TACs). No entanto, ela não anda sozinha nessa vereda, no que concerne a desacato da norma relativa à gestão de dinheiro oriundo de TAC ou de condenação em Ação Civil Pública. Vejamos!
 
A chamada Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985) foi concebida para disciplinar, basicamente, a Ação Civil Pública como mecanismo processual de responsabilização cível por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor e a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Esse mecanismo legal/processual é de caráter eminentemente cível, pois em caso de omissões aplica-se subsidiariamente o Código de Processo Civil.
 
A referida Lei foi sancionada e promulgada antes da CF de 1988, e, de lá para cá muitas alterações vieram, ampliando sobremaneira o rol de bens jurídicos protegidos por danos, inclusive os morais, tais como: a defesa a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, por infração da ordem econômica, por ofensa à ordem urbanística, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos, e por fim, é Ação Civil Pública o mecanismo processual hábil à responsabilização cível por danos morais e/ou patrimoniais causados ao Patrimônio Público e Social.
 
Notem bem que o derradeiro objeto jurídico protegido pela lei da ação civil pública é genérico, pois a proteção desse bem jurídico, Patrimônio Público e Social é fruto de alteração legislativa trazida pela Lei nº 13.004, de 2014.
 
Segundo o site institucional do Ministério Público Federal, a sua missão, no que tange a Patrimônio Público e Social, consiste na fiscalização dos recursos públicos, verificando, pois, se estão sendo usados de acordo com os princípios da Administração Pública, como legalidade, impessoalidade, proporcionalidade, razoabilidade, moralidade, publicidade e eficiência. Atua, o MPF, em se tratando de patrimônio público e social em casos como ausência ou atraso no repasse de verbas para saúde, educação e segurança pública, e irregularidades em obras de duplicação, manutenção, recuperação e construção de rodovias federais.
 
Ou seja, muito genérica essa definição de patrimônio Público e Social; – enfim, é legitimado para atuar em quase tudo que é público o MPF, interpretando-se desta forma o inciso VIII do art. 1º da Lei de Ação Civil Pública (Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/mt/atuacao/patrimonio-publico-e-social>).
 
Porém, antes disso tudo, foi inserida no ordenamento jurídico brasileiro uma novidade, qual seja: um instrumento jurídico de transação cível denominado Compromisso de Ajustamento de Conduta, também conhecido como Termo de Ajuste de Conduta (TAC), primeiramente criado pelo art. 211 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei n. 8.069/90), e, depois, pelo art. 113 do Código de Defesa do Consumidor - CDC (Lei n. 8.078/90), que acrescentou o § 6º ao art. 5º da Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85).
 
A transação doravante se torna possível porque a ação civil pública visa à condenação criando, pois, o dever de indenização em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, bem como, a cessação da atividade nociva, sob pena de cominação de multa diária.
 
De forma que, havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado deverá ser aplicada para sua reversão in locu, todavia, se não for possível reversão do dano ou da coisa ao status quo ante, em tese, o dinheiro fruto da indenização será revertido a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão, necessariamente, o Ministério Público e os representantes da comunidade lesada (art. 13 da Lei n. 7.347/85).
 
Assim, a possibilidade de transações entre os transgressores dos direitos e bens tutelados pela Lei da Ação Civil Pública com as entidades públicas legitimadas, faz nascer o compromisso de ajustamento de conduta que, quando é reduzido a termo pelo órgão legitimado, se transforma no altamente eficaz e igualmente controverso TAC – Termo de Ajustamento de Conduta.
 
Altamente eficaz porque o TAC evita a judicialização de várias demandas sociais, facilita a aplicação da lei e a reparação do bem jurídico que porventura tenha sido lesado pelos administrados, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, auxiliando o Poder Público na incansável missão de pacificação social.
 
Controverso, porque a utilização do TAC na defesa de bem público propriamente dito desvirtua-o da missão pela qual foi criado pelo legislador, uma vez que a lei da Ação Civil Pública pode ser usada para a defesa do patrimônio publico e social, de forma genérica, ampliando por demais o objeto de TAC, que assim passaria a tratar de patrimônio púbico ou bem(s) público(s) que, em teoria, não admite(m) transação.
 
O TAC, ao contrario do que muitos imaginam, não é exclusividade dos Ministérios Públicos Estaduais e/ou Federal, podendo ser esse instrumento jurídico utilizado por vários órgãos públicos que possuam autoridade para o exercício da atribuição da defesa de algum dos bens jurídicos tutelados, podemos citar como exemplo as Secretarias de Estado de Meio Ambiente, o Procon nos Estados e nos Municípios, os conselhos tutelares e do idoso, e assim por diante.
 
Uma vez celebrado o TAC, o “infrator” causador da lesão se compromete a não mais praticar atos que causem dano ao bem jurídico tutelado e ainda se compromete a reparar os danos causados até o momento em que a sua conduta lesiva cessou, sendo obrigado também, conforme o caso, a pagar uma multa que é acordada dentro do próprio termo, e que será aplicada caso não cesse de praticar os atos lesivos ou deixe de reparar os danos que porventura tenham causado (uma forma de cláusula penal contratual). Até aí tudo bem, não há conflito normativo ou de interpretação.
 
Porém, como já dissemos, houve a inserção do termo genérico na Lei: “Patrimônio Público e Social”, razão pela qual há conflito entre o que preconiza a Lei da Ação Civil Pública no cotejo com a Lei de Improbidade Pública; porquanto em tese Patrimônio Público propriamente dito é bem público cuja malversação é perseguida por esta Lei, ao passo que naquela não existe uma definição clara do que é “Patrimônio Publico e Social”, tampouco, é delineado em lei quais são os limites da atuação por intermédio da Ação Civil Pública para a defesa do “Patrimônio Público e Social”.
 
O TAC desde então virou panaceia jurídica para solução de conflitos de toda ordem, indo desde o direito de acesso viável não previsto em projetos arquitetônico de prédios e/ou repartições públicas para os portadores de necessidades especiais até a imposição de realização de concursos publico e/ou licitações por parte da administração pública.
 
No que diz respeito aos direitos dos portadores de necessidades especiais é possível identificar qual é o dano e mensurá-lo, assim como a sua extensão e quem são os detentores do direito lesado, bem como, verificar nitidamente como pode ser a reparação deste bem jurídico.
 
Mas e nos outros dois casos: licitação e concurso? Cujo fazer ou não fazer embora não seja ato discricionário, pede a conveniência e oportunidade, de forma que ninguém pode impor a qualquer um dos Poderes uma obrigação dessa ordem, sob ameaça de multa já liquidada por TAC. Não é possível, por exemplo, que um dos Legitimados (Leia-se Ministério Público), possa exigir a realização de concurso Público, por exemplo?
 
Haja vista que é impossível mensurar o dano que a falta de um concurso público pode causar ao patrimônio? Quem são os detentores dos direitos lesados? E o mais importante: como será realizada a reparação do bem jurídico ao status quo ante? São questionamentos singelos, cujas respostas aparentemente simples estão envoltas em uma serie de aspectos técnicos e jurídicos que inviabilizam a celebração de TAC dentro deste guarda-chuvas jurídico chamado “Patrimônio Público e Social” que é por demasiado largo e incerto, gerando insegurança jurídica a qualquer gestor público.
 
O mesmo argumento vale para a licitação, porque ela é um procedimento meio e não um fim em si mesmo. E, o lançamento de Edital de licitação tal qual o de um concurso exigem previsão orçamentária e financeira para tanto.
 
Ademais, todo ato ou fato que redundem em dano ao erário, sendo este praticado por administrados, agentes públicos ou gestores são atos de improbidade administrativa não importando a modalidade culposa ou dolosa. Assim sendo, por força da Lei de improbidade, não existe a mínima possibilidade de haver transação via TAC onde o objeto jurídico é protegido por lei de improbidade, o que fulmina por si só todos os assuntos “Patrimônio Público Social” da possibilidade de lavratura de TAC.
 
Nesse ponto fica claro que para maioria dos assuntos de Estado, talvez todos, é ilógica e contraproducente a manufatura de TAC. Não é incomum vermos multas milionárias sendo revertidas a diversos “fundos” cuja destinação é diversa da Lei de Ação Civil Pública, e que, na maioria das vezes não guardam relação com o objeto transacionado.
 
Em Mato Grosso diferentemente do que preconiza o artigo 13 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, havendo condenação em dinheiro em Ação Civil Pública ou de execução de título extrajudicial oriundo de TAC, o dinheiro fruto de indenização por dano causado deverá ser depositado no FUNAMP!
 
FUNAMP é o Fundo de Apoio do Ministério Público do Estado de Mato Grosso, instituído pela Lei Estadual 7.167/1999 que tem por finalidade, entre outras tantas, custear as despesas necessárias para a realização de perícias, em geral, nos procedimentos administrativos e inquéritos civis, instaurados pelos órgãos do Ministério Público, financiar estudos e pesquisas de natureza jurídica, que interessem ao Ministério Público, incluindo a realização de cursos, seminários, conferências, bem como aquisição e publicação de livros, revistas, informativos ou qualquer documento que possa contribuir para o aperfeiçoamento técnico e/ou estimular a produção científica dos membros do Ministério Público e dos servidores da Instituição, custear as despesas necessárias para a realização de diligências, compra de equipamentos e veículos, visando ao combate do crime organizado, de forma geral, e ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica.
 
Na Secretaria Estadual de Meio-Ambiente o TAC virou forma de custeio da máquina pública, não raro o causador do dano ambiental firma termo de ajustamento de conduta se comprometendo a comprar, para o Estado, veículos, computadores e até fardo de papel higiênico! A coisa está indo é de qualquer jeito mesmo.
 
Assim, não surpreende a notícia de que o coordenador da Lava-Jato, Procurador Federal Deltan Dallagnol, negociou com a Caixa Econômica Federal, alternativas de investimento, antes do início dos procedimentos legais para organizar e criar uma fundação com objetivo de administrar um fundo de R$ 2,5 bilhões que seria formado com dinheiro da Petrobrás repatriado por acordos de leniência ou recuperados no exterior.
 

GRYONE MARANA CARDOSO BRAGA – ADVOGADO.
 
Imprimir