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Opinião

Os peixes estão em “desova”

Gisele Nascimento

Por lidar constantemente com pescadores, e como cidadã preocupada com a natureza e com a preservação dos peixes, me sinto no dever de repostar neste texto o que tenho escutado dos pescadores acerca da mudança do período de defeso.

Como é sabido, o Estado de Mato Grosso, por intermédio do Conselho Estadual da Pesca – Cepesca, foi o primeiro a definir a alteração do período da piracema que passou a ser de 1° de outubro a 31 janeiro.  Antes era de novembro a fevereiro.

Piracema é o período em que fica proibida a pesca, pois, os peixes nadam rio acima para se reproduzirem. É um dos mecanismos de gestão utilizados pelo Estado como forma de manutenção dos estoques dos peixes, para a preservação das presentes e futuras gerações.

Nesse lapso temporal, fica vedada tanto a pesca amadora como a profissional, com exceção da pesca desembarcada, que é aquela praticada artesanalmente por populações ribeirinhas, ou em outras palavras, à pesca de subsistência, de natureza alimentar, sem qualquer fomento comercial.  

Segundo dizem os representantes da Cepesca, essa antecipação foi fundamentada por estudos técnicos científicos, que demostraram que o período de comportamento reprodutivo dos peixes tinham sido alterado, de forma que tal antecipação não traria prejuízos à reprodução.  

Outro fundamento, é que segundo eles, nesse período, pela antecipação do ciclo das chuvas já existiria quantidade de água nos rios, suficiente para amparar o trabalho de reprodução dos peixes.  

Cabe lembrar, que a quantidade de água disponível nos rios é a força motriz para início do fenômeno natural de reprodução das  referidas espécies.   

Todavia, parece que não é bem isso o que está acontecendo na prática. Esse ano por exemplo, demorou para chover, de forma que os rios não dispunham de quantidade de água o bastante entre os meses de outubro e janeiro para auxiliar o sistema natural de reprodução.

Tem sido quase uníssono a fala dos pescadores artesanais profissionais, ribeirinhos, com os quais constantemente mantenho contato, que a antecipação da piracema foi muito prejudicial à preservação das espécies, pois, segundo, afirmam eles, “é dar dó, de cortar o coração, pegar o peixe agora nos meses de janeiro/fevereiro e perceber que ele está cheio de ovos, prontos para a desova, uma judiação”. Eles dizem que “é agora que os rios estão enchendo”, ou seja, a natureza está entendendo que somente agora os peixes podem reproduzir.

Penso, que os representantes do povo, governantes públicos, assim como o Conselho Estadual de Pesca – Cepesca, por intermédio de todo o sistema de Monitoramento Reprodutivo dos Peixes de Interesse Pesqueiro do Estado de Mato Grosso, deveriam reavaliar os estudos que embasaram a mudança, vez que aos pescar seja o pacu, a piranha, o pintado, etc, todos ainda estão em processo de maturação, nos dizeres afirmativos dos pecadores, que, a meu ver, têm grande propriedade para relatar o que de fato está acontecendo às margens dos rios, em relação a esse evento.  

De certa maneira, isso coloca em xeque o resultado da pesquisa cientifica que colocou a probabilidade de que 80% dos peixes estivessem em processo de reprodução já entre os meses de outubro a dezembro.  Me parece mais acertado, de acordo com os ditames da natureza que as chuvas se concentram com mais assiduidade entre os meses de janeiro a março. É bem verdade que a natureza está mudando, mas, quase sempre as chuvas não tardam nos referidos meses, e como os peixes dependem de água para viver, sobrevier e reproduzir, parece então mais acertado e prudente manter a piracema no período como era antes.


Gisele Nascimento é advogada em Mato Grosso
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