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Opinião

É fake news

Jean Carlos Palma de Arruda

As fake news se originaram nos meios tradicionais de comunicação – jornal impresso, televisão e rádio –, mas, atualmente, são mais encontradas nas mídias sociais. Justificam alguns que isso tem ocorrido em razão do fácil acesso à internet e do aumento da polarização política.

Muito já se discutiu sobre a influência das fakes news na 58ª eleição presidencial dos Estados Unidos, ocorrida em 8 de novembro de 2016, já que um em cada quatro norte-americanos visitou algum site de notícias falsas durante a campanha eleitoral que elegeu o seu 45º presidente (Donald Trump).

Não precisamos ir longe para observar o quanto essas mensagens podem alterar a direção que segue uma sociedade. Vejamos um exemplo.

Entre 1º/05/2020 e 02/05/2020, o Ceará registrou 99 mortes causadas pela Covid-19. O número é maior do que o divulgado no balanço do Ministério da Saúde em relação ao Estado de São Paulo, com 75 mortes.

Por essa e outras razões, as autoridades de saúde passaram, recentemente, a distribuir máscaras de pano à população cearense, as quais foram produzidas em Fortaleza por 1,6 mil costureiras autônomas que se inscreveram num programa de geração de renda da Prefeitura.

Concomitantemente a isso, algumas notícias foram veiculadas pelas mídias sociais da população local.

"As máscaras que vêm da China, estão todas contaminadas. São os mesmos lotes que foram para os Estados Unidos. E lá, quando colocou no pessoal, matou um bocado de gente", dizia uma das mensagens falsas.

Isso deixou a população com receio em utilizá-las, o que atrapalha a contenção do coronavírus, uma vez que a recomendação dos especialistas é no sentido de todos usarem máscaras, pois o risco de transmissão é muito alto quando duas pessoas conversam sem e uma delas está doente.

Percebe-se, portanto, que um simples compartilhamento é capaz de gerar grande desinformação em um período tão crítico.

Tentando combater isso, o governador do Ceará sancionou a Lei nº 17.207, de 30 de abril de 2020.

“Fica sujeito à aplicação de multa de 50 (cinquenta) a 500 (quinhentas) Unidades Fiscais de Referência – UFIRCEs – quem dolosamente divulgar, por meio eletrônico ou similar, notícia falsa sobre epidemias, endemias e pandemias no Estado do Ceará”, prescreve o art. 1º.

Além disso, o governo também criou uma agência de checagem das fake news, a qual receberá as informações por meio do site oficial do ente público e autuará e multará os infratores.

Há quem questione se é legitima a criação de uma lei nesse sentido.

Para se chegar a uma resposta, algumas considerações devem ser feitas.

Não é desconhecido o fato de que o poder público deve atuar à sombra do princípio da supremacia do interesse público. Significa dizer que o interesse particular há de se curvar diante do interesse coletivo. É fácil imaginar que, não fosse assim, se implantaria o caos na sociedade.

Por outro lado, importa relembrar que apenas as leis, organicamente consideradas, podem delinear o perfil dos direitos, elastecendo ou reduzindo o seu conteúdo. É princípio constitucional o de que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (CF, art. 5º, II).

Com base nisso, as autoridades constituídas se valem do poder de polícia para intervir no exercício de atividades individuais, a fim de fazer prevalecer os interesses gerais.

Pela lição do jurista brasileiro José dos Santos Carvalho Filho:

“A expressão poder de polícia comporta dois sentidos, um amplo e um estrito. Em sentido amplo, poder de polícia significa toda e qualquer ação restritiva do Estado em relação aos direitos individuais. (...) Em sentido estrito, o poder de polícia se configura como atividade administrativa, que consubstancia, como vimos, verdadeira prerrogativa conferida aos agentes da Administração, consistente no poder de restringir e condicionar a liberdade e a propriedade”.

Trata-se, por conseguinte, de um direito-dever do poder público de intervir nas ações e omissões dos particulares em prol da coletividade, o que, consequentemente, limitará o exercício de direitos e garantias individuais, como, por exemplo, aplicar multa ao particular que divulgar mensagens falsas que afetem o interesse público.

Quanto à legitimidade, a pessoa federativa a qual a Constituição Federal conferiu o poder de regular a matéria é quem, em princípio, tem a competência para exercer o poder de polícia.

É importante destacar que as hipóteses de poder concorrente ensejarão o exercício conjunto do poder de polícia por pessoas de níveis federativos diversos. Tal conclusão se extrai do disposto nos artigos 22, parágrafo único, 23 e 24 da CF.

Resumidamente, os temas de interesse nacional ficam sujeitos ao poder de polícia da União, os de interesse regional subordinam-se ao ente estadual e os assuntos locais incumbem ao município.

Sendo assim, é legítimo o exercício da atividade administrativa configuradora do poder de polícia quando a lei que se fundar a conduta da Administração possuir lastro constitucional.

Se a lei foi inconstitucional, ilegítimos serão os atos administrativos que, com fundamento nela, se voltarem a uma pretensa tutela do interesse público, materializada no exercício do poder de polícia.

Conclui-se, portanto, que leis estaduais que visam punir fake news, principalmente as que podem representar prejuízos à saúde pública, a exemplo da Lei nº 17.207 do Estado do Ceará, possuem fundamento constitucional, pois, à luz da CRFB/88, compete “à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) proteção e defesa da saúde” (art. 24, XII).



Jean Carlos Palma de Arruda Faz parte da equipe do Zoroastro C. Teixeira Advogados Associados. Bacharel em direito pela Universidade de Cuiabá (Campus Pantanal). Aprovado no XXVIII Exame Unificado da Ordem dos Advogados do Brasil
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