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Opinião

Guarda compartilhada e COVID-19

Gisele Nascimento

O noticiário mundial atualmente é do coronavírus. Esse vírus chegou repentinamente e mudou vários cenários que em tese caminham bem. Há cerca de dois meses muitas mudanças foram impostas no dia a dia da família brasileira, e infelizmente, muitos não estão sabendo lidar com essas situações, estabelecendo no seio do grupo familiar, ainda mais incertezas, desespero e angústias, sentimentos tais, que ganharam força em nossos pensamentos, ações e emoções, em decorrência dos efeitos desse contexto atípico da pandemia.

Todos os dias têm sido divulgado o aumento expressivo de casos de agressões, mortes, violências domésticas, acusações das mais variadas ordens, tudo porque as pessoas, estão com o nível máximo de estresse circulando na corrente sanguínea, e muitos agindo por impulso, sob o efeito do calor da discussão.

Nesse panorama de “guerra”, tem muitos acordos judiciais relacionados à guarda compartilhada, que está enfrentando uma verdadeira crise de identidade em decorrência do isolamento social, pois, muitos pais separados/divorciados, por causa das pendengas não resolvidos provocados pelo fim do relacionamento, ainda não entenderam que não é o momento de brigar, de disputar, de castigar, de maltratar, etc.

Não é hora de medir forças, não é hora de prejudicar à criança, não é hora de praticar alienação parental, não é hora de usar o pequeno para obter vantagens, não é hora de afastar do filho do pai ou da mãe.

Eles já estão sofrendo com os impactos da doença, pois, já não vão mais à escola, ao futebol, ao balé, ao shopping, à casa dos amiguinhos, nem às festas de aniversário, etc. É dever dos pais aproveitarem o momento para educá-los, ensiná-los, amá-los, respeitá-los, etc, vez que, o que está acontecendo, muitas dessas alterações, são um caminho sem volta. O momento é histórico!

Muitas dessas crianças ainda são bebês, outras de colo, e outras já maiores, que entendem tudo o que está acontecendo, e muitos deles estão fragilizados e certamente, se não observadas, podem desenvolver problemas psicológicos. Nesse momento, os pais não podem de maneira alguma alimentar o seu ego, em detrimento da saúde física e mental desse ser, que está em processo de desenvolvimento e formação. Com isso, respeite o direito e a vez de cada um!

Se não der para fazer a visita física, estimule e não dificulte a convivência virtual. Cabe a você papai, mamãe, nessa quadra, encontrar o melhor jeito de exercer o seu dever de paternidade/maternidade, pois, não existe nenhum manual do passo a passo disponibilizado pelo Poder Judiciário, no sentido de ensiná-lo o modus operandi a agir nesse momento, até porque, o que está acontecendo é novo para todos.

Nem os países de primeiro mundo estão sabendo lidar com esse horizonte de mudanças. Tudo está sendo adiado, postergado, tentativas têm sido lançadas, não deu certo, o recuo é obrigatório. Todos estão buscando uma saída, mas, por hora, à resenha é de escuridão no fim do túnel.

Porém, mesmo em dias de crise é possível viver em paz, nas relações, mesmo, já não existindo mais a intimidade dos casais, só que para isso, é preciso ter bom senso, sabedoria. É preciso deixar de lado, ao menos nesse período, o sentimento do ódio, da vingança, do egoísmo, orgulho e vaidade. Essas concepções são soberbas deletérias, fluídos maléficos, que destroem a saúde física e mental.

Todos os poderes, seja o legislativo, o executivo, o judiciário, tiveram que agir de supetão, à frente de combater às necessidades da população, e não tem sido fácil. Mais um motivo, para que dentro da particularidade de cada família, que é um instituto privado, seja ministrado por educadores sensatos, prudentes, conscientes, respeitosos, etc, até porque, se assim não for, terão mais adiante que responder por seus atos, em razão das consequências da sua conduta inconsequente, se causou algum dano ao menor.

Os prazos judiciais estão suspensos, as audiências de conciliação, instrução, foram canceladas/adiadas, os fóruns e tribunais fechados, então, pais, “a vez de agir” em relação à manutenção da educação de vida do seu filho está em suas mãos. Busque o melhor!

Lógico, que não estou dizendo que há um desamparo do apoio da justiça, até porque a justiça não parou de trabalhar, os plantões judiciais continuam, os servidores públicos estão laborando normalmente, uns internamente, outros, teletrabalho, mas, como dito alhures, não se pode ter uma audiência de forma de resolver o conflito atual desses pais que não conseguem conversar/decidir, no sentido, por exemplo, se a criança no final de semana vai para à casa do pai ou da mãe, ou se deve ficar em isolamento com um apenas, um dos pais.

A presença dos pais é importante. O contato, o carinho, o abraço, a proteção, a demonstração de afeto. Senão físico, então virtual, ou por telefone, repito. A convivência familiar é de extrema importância e deve ser preservada. Mas, deve ocorrer de forma saudável, pacífica, garantindo à criança toda a proteção para o seu bem-estar, em todos os aspectos.

É preciso ter responsabilidade de forma a não colocar em risco à vida dessa criança. Se o pai/mãe não está em isolamento, por exemplo, ou trabalha com profissões de risco, ou é do grupo de risco, o ideal é que não pegue a criança. É preciso ter empatia, solidariedade, entre todos, principalmente, entre os educadores responsáveis pelos menores, protegendo uns aos outros nesse momento, realinhando os acordos feitos judicialmente, por meio do diálogo, extrajudicialmente, ao menos temporariamente, em outros formatos, que melhor atenda à criança, devido à gravidade da pandemia, sem precisar recorrer à Justiça.

Exemplos, que podem ser adotados, nesse período para não violar às orientações da Organização Mundial de Saúde, nem fragilizar o vínculo afetivo é a criança ficar com apenas um dos pais, mas, mantendo à presença nos moldes ditos acima (virtual, telefone, etc), e após voltar à normalidade, porque vai, esses dias forem compensados, ou seja, à criança ficar um período maior com aquele pai/mãe que esteve fisicamente ausente, ou alterar o período de férias, ficando um maior tempo com o que esteve distante, ou então, ainda, nesse período de isolamento, o menor ficar um tempo mais longo, de 15 ou 20 dias com um dos pais, ocorrendo, depois, claro, a compensação, de forma a evitar o deslocamento e menos troca de casa.

Tudo isso, para não sacrificar a convivência familiar, pois, o filho não é nem meu, nem seu, mas, nosso, visando, claro, o ‘melhor interesse’ e a ‘proteção integral das crianças e adolescentes’. Ademais, pai e mãe são igualmente referências importantes e fundamentais para o filho, sendo que a mãe não é a protagonista, e o pai o coadjuvante.


Gisele Nascimento é advogada em Mato Grosso.
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