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Opinião

Guerra das bolhas

Vinicius de Carvalho

Como termômetro da temperatura política elevada crescem as manifestações que pedem o afastamento do Presidente da República. Pela via da renúncia, do impeachment ou mesmo do andamento do inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal, para apurar as denúncias feitas pelo ex-ministro Sérgio Moro. As falas que vêm de boa parte da grande mídia e de algumas forças políticas alegam que o presidente perdeu a condição de governar, diante do elevado número de casos do COVID-19 no país.

Abordo nesse artigo a lógica que está subjacente a este comportamento político de Bolsonaro. E também de seus críticos. Minha tese principal é que os dois lados estão presos em bolhas com pouca capacidade de diálogo entre si. Numa sociedade que vem polarizada pelo menos desde 2013, quando aconteceram as chamadas "revoltas de junho". A crise de saúde pública se somou às demais que vêm mal resolvidas desde então (econômica, política e de corrupção), e se potencializando entre si.

A estratégia de Bolsonaro visa fomentar essa polarização, que inclusive possibilitou a sua eleição em 2018. Se trata de manter o caos para vender a ordem, representada por ele mesmo, amparado pelo povo e as Forças Armadas. E, como se sabe, ele é representativo de uma parcela importante do eleitorado, como bem demonstram as pesquisas de opinião pública. Mas trata-se, com muita clareza, de uma bolha social e política, com seu modo próprio de pensar e que se relaciona com Bolsonaro como um líder carismático.

Por outro lado, as falas que procedem de dentro do sistema político e da grande mídia também estão presas a outra bolha. Sua defesa das instituições democráticas e a demanda por maior racionalidade na governança é imprescindível. Porém, é preciso se lembrar que Bolsonaro é muito mais efeito do que causa dos problemas políticos no Brasil. Hoje na presidência ele acaba retroalimentando este ciclo, no bom e velho mecanismo de feedback. Este grupo enxerga nele um "líder disfuncional", que estaria "cavando a própria cova" e que seria melhor avaliado se ficasse quieto. No entanto, não há um posicionamento claro no sentido da autocrítica e um apontamento de mudanças institucionais a serem feitas no Brasil.

Desde 2013 a elite política se fechou ao invés de se democratizar, como as ruas demandaram. Encurtou o período de campanha, ampliou fundo partidário e eleitoral e implantou a cláusula de barreira e a proibição de coligação na eleição proporcional. Algumas dessas mudanças são positivas, mas o sentido tático delas nesse momento histórico é barrar a renovação dos quadros políticos, com egressos dos novos movimentos sociais e partidos surgidos desde a crise, como o Partido Novo e a Rede Sustentabilidade.

Portanto, ela também tem imensa parcela de culpa pela ascensão do Bolsonarismo e não propõe caminhos de saída decentes para a crise, numa espécie de pacto. Não adianta dizer que alguém tem que ser retirado sem entender as razões para isso e observar as instituições que estão produzindo esse resultado. Vale lembrar que já é o terceiro presidente da república em 4 anos, sendo que uma já sofreu impeachment e outro quase foi afastado para responder a processo como réu por crime comum no STF.

Bolsonaro vem avançando na estratégia de "guerra diplomática", marcada pela combinação de ações de confrontação e negociação. Entre avanços e recuos, ele tem ocupado espaços. Mesmo um hoje improvável cenário de impeachment não lhe é tão negativo, porque poderia avocar o mesmo procedimento adotado com Dilma Roussef e manter os direitos políticos, estando apto a disputar as próximas eleições. Se ficar inelegível, um dos seus filhos poderá concorrer. Afinal, Bolsonaro não é um nome, é um sobrenome.



Vinicius de Carvalho é gestor governamental, analista político e professor universitário.
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