Imprimir

Opinião

PLC do governador é uma afronta ao direito dos povos indígenas

Lennon Ferreira Corezomaé

O Projeto de Lei Complementar (PLC) 17/2020, de autoria do governador Mauro Mendes (DEM), de Mato Grosso, é uma afronta aos direitos constitucionais dos povos indígenas por autorizar o registro de propriedades em sobreposição às terras indígenas em fase de estudo. Nesse sentido, a proposta reabre a velha grilagem de terras em detrimento dos povos indígenas que já ocupam os territórios que estão em processo de homologação.

Além disso, torna os territórios tradicionais, “terra de ninguém”, abrindo espaço para que as pessoas com grandes posses possam invadir e registrar as terras tradicionais como suas, sendo em verdade indiscutivelmente dos povos originários. Esse processo já aconteceu durante a invasão do estado de Mato Grosso, onde encurralaram muitos povos indígenas além do etnocídio causado para espoliar desenfreadamente as “terras que não tinham dono”.

E o direito legítimo pela ancestralidade ao território de Mato Grosso foi reduzido a migalhas, algumas porções de terras que nem foram registrados em nome dos povos indígenas, mas sim com muita resistência foram demarcadas e homologadas em nome da UNIÃO, garantindo o usufruto exclusivo dos povos indígenas que nelas vivem. Distintamente existem os parentes indígenas que vivem o processo de registro territorial do não indígena e o Estado de Mato Grosso ao invés de legitimar o que é de direito vem acender o estopim para os fazendeiros mais uma vez invadir os territórios tradicionais e causar matança dos povos indígenas.

Aqui em Mato Grosso é comum ouvir a blasfêmia que “índio não trabalha”. Se o povo indígena tem por trabalho a sustentabilidade por meio da caça, da pesca, do artesanato etc. logo é atestado vagabundo, pois não realiza trabalho remunerado, ainda dizem que não sabemos explorar o território em favor do lucro, por tanto não merecemos a terra.

Se além dos trabalhos tradicionais os povos indígenas trabalham com lavouras, pisciculturas ou algum manejo que exige máquinas agrícolas, logo somos considerados exploradores da natureza, pessoas que não tem consciência ecológica, por tanto não merecemos a terra.

Só podemos concluir que o que incomoda não é o modo como os povos indígenas vivem ou como trabalham no território que é legítimo, o que incomoda é o fato de existirem povos indígenas em Mato Grosso e no Brasil, o que incomoda é o fato de resistirmos, o que incomoda é a nossa simples e pura existência. A meu ver a luta política que está sendo travada não é só para usurpar mais terras, mas para causar o caos, para dizimar os povos indígenas, e é essa política que está sendo sustentada pelo governador Maro Mendes através do Projeto de Lei Complementar (PLC) 17/2020.

Caso a Lei seja aprovada em segundo turno e sancionada pelo governador, o que nos resta é nos organizarmos para defendermos os nossos territórios tradicionais e legítimos da maneira em que as situações exigirem, pois esta lei permitirá a regularização de 27 terras indígenas já invadidas além de outras que ficaram desprotegidas perante a Lei.

O que me chama a atenção é que não se cria Lei para acelerar o processo de demarcação e homologação dos territórios dos povos indígenas, muito menos Lei que fomente os trabalhos dentro dos territórios indígenas. Mas Leis para usurpar as terras indígenas se fazem aos montes e em toda situação, visto um momento tão delicado que enfrentamos como a pandemia da covid19 e ao invés do governador e os deputados estaduais estarem preocupados com a criação de mais hospitais, com a falta de aparelhos e de medicamentos para resguardar a vida da população, estão votando uma Lei que tira o direito ao território de vários povos indígenas e nos coloca a mercê dessa doença.


Lennon Ferreira Corezomaé é professor concursado no Governo de Mato Grosso, mestre em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e graduado em Educação Física pela UFSCar.
Imprimir