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Opinião

O indivíduo e o estado: uma complexa relação

Julio Cezar Rodrigues

O indivíduo existe para o bem do Estado? Ou, ao contrário, o Estado existe para garantir a individualidade? Se você respondeu não para a primeira pergunta e sim para a segunda, provavelmente sua mente ainda não foi contaminada ou já sofreu os efeitos da corrosão provocada pela doutrina esquerdizante/revolucionária. Tudo bem, você dirá, a questão é complexa demais para uma resposta binária, ou, é preciso uma convergência de pensamento à luz da complexidade da natureza e da condição humana. De fato, suas ponderações não estão destituídas de racionalidade ou pertinência. Contudo, particularmente, vejo que a visão de mundo que postula uma sociedade capaz de aglutinar as bilhões de individualidades existentes sem comprometer a liberdade individual inerente à natureza/condição humana, depende, e muito, desta concepção inicial.


Em torno dessa complicada questão, gravitam as doutrinas do “individualismo” e do “coletivismo”. Aquela, vai asseverar ser o indivíduo a “unidade econômica, social e política primária da sociedade” (Rossiter, 2006); de outra sorte, o coletivismo postula que a atividade econômica “deva ser controlada através da ação coletiva e não deixada às ações não reguladas de indivíduos em busca de seus próprios interesses” (Theodorson, 1979).  Pois bem, será que haveria um “meio termo”? Ora, para o psiquiatra americano Lyle Rossiter, autor da obra “A mente esquerdista: as causas psicológicas da loucura política”, os princípios acima expostos estariam em consonância com a natureza “bipolar” do ser humano. Ou seja, estaríamos equipados com uma capacidade inata (congênita) para a autonomia e soberania das decisões, uma espécie de “auto-governo”, ao mesmo tempo que também teríamos a capacidade inata para a “mutualidade”, isto é, uma competência compreendida como o respeito aos direitos e sensibilidades de outras pessoas. Perceba, dessa forma, que as doutrinas sociológicas ou de filosofia política explorarão tais faculdades inerentes à natureza humana para a justificação de suas “sociedades ideais”. Aqui surge a grande questão: dado tais condições, seria possível tal sociedade? Aquela em que o ser humano pudesse desenvolver todas as suas potencialidades, inclusive os aspectos duais da sua natureza? Creio que não.

Quando um Estado é organizado, ou melhor, constituído sob a premissa que o indivíduo, e não um grupo ou coletivo, devem ser considerados como a verdadeira célula política, teremos uma sociedade que privilegia a liberdade individual e todos ou demais aspectos ou atributos que gravitam em torno desta ideia política, como os verdadeiros valores a serem tutelados, protegidos pelo Estado organizado através de suas instituições. A concepção inversa, gerou, como todos sabemos pela historiografia, os Estados totalitários responsáveis pelos massacres humanos do século XX: comunismo, fascismo, nazismo e todas as suas variações. Em todos eles, o indivíduo foi dissolvido no Estado. Veja que o lema fascista “tudo pelo Estado, nada contra o Estado, nada fora do Estado”, exemplifica bem o conteúdo ideológico de tais doutrinas políticas.

Ao fim e ao cabo, o entendimento daquilo que chamamos de “natureza humana” é fundamental para compreender como filósofos liberais, conservadores e partidários do coletivismo irão argumentar pela validade de suas proposições. Contudo, a meu sentir, acredito na existência de uma “natureza humana”, núcleo exegético de qualquer pensamento sobre organização de sociedade. A negação ou a visão que postula a viabilidade de mudança da natureza humana via processos políticos organizados por mentes privilegiadas ou vanguarda intelectual, são absolutamente nocivas e estão na raiz de todas as experiências revolucionárias gestadas na modernidade e levadas à realidade, sobretudo a partir da Revolução Francesa, culminando com as experiências totalitárias já citadas.
 
Em que pese estarmos imersos no tal “mundo líquido” de Bauman, alguma “solidez” há que ser necessária para forjarmos as bases de uma sociedade. Nenhum edifício se sustenta sobre pilares em terrenos movediços. A mente esquerdista, corroída pela utopia da sociedade futura perfeita aqui na terra (uma espécie de escatologia imanentista) perpetrará ou buscará justificativas para os maiores atentados à liberdade humana em nome de tais ideais coletivistas, grupais ou comunistas. Os exemplos deletérios causados pela deformidade na mente dos coletivistas estão às nossas portas todos os dias. Para ficar em apenas um deles, o qual considero como raiz dos problemas diários do mundo moderno, está no processo de educação da criança do berço à idade adulta. As bases morais dessa educação deveriam partir da família nuclear. Contudo, esta, paulatinamente, vem sendo minada pela atuação incessante do Estado-regulador, ao qual, aos poucos (tal como a fábula do sapo jogado na água fria e depois esquentada, gradativamente, o cozinha) vem absorvendo as funções inerentes a este arranjo celular primário da sociedade. Resultado: uma geração de adultos incompetentes e incapazes de gerir sua existência individual. Esses adolescentes ou jovens adultos que você assiste diariamente imersos no mundo do crime e da violência, roubando, matando e extorquindo para adquirem bens materiais que foram produzidos pelo esforço individual e organizado em arranjos sociais e trocas voluntárias, formam o retrato pronto e acabado dessa concepção de mundo. É óbvio que o político ou intelectual coletivista irá negar o nexo de causalidade acima delineado: chamamos a isto de desonestidade intelectual, atributo inato à mente esquerdista.

A nação mais poderosa do mundo atual, os EUA, foram fundados sob as premissas da visão individualista. Isso não quer dizer, necessariamente, que o modo coletivista não consiga gerar uma riqueza material significativa. A China tem sido o exemplo nesse sentido. Contudo, é muito provável que o homem ocidental prefira existir sob o capitalismo americano do que no “capitalismo” chinês. Neste você existe enquanto não afete as disposições ou resoluções organizadas pelo partido comunista. Naquele, em que pese a esquerda americana ameaçar cada vez mais os valores fundantes do país, ainda existe o indivíduo como núcleo das políticas. Ainda, sobre os EUA, encerramos esta missiva com o pensamento do Juiz americano Louis Brandeis (apud, Rossiter, 2006), para quem “os criadores de nossa constituição (EUA) lutaram para garantir condições favoráveis à busca da felicidade. Eles reconheceram o significado da natureza espiritual do homem, de seus sentimentos e de seu intelecto. Eles sabiam que apenas uma parte da dor, do prazer e das satisfações da vida são encontradas nas coisas materiais. Eles procuraram proteger os americanos em suas crenças, pensamentos, emoções e sensações. Eles conferiram, contra o Governo, o direito a ser deixado em paz – o mais abrangente dos direitos, e o mais valorizado pelos homens civilizados”. Até quando o “espírito” que fundou a mais próspera democracia ocidental ainda resistirá aos arroubos da mente coletivista? A história nos dirá.
 
Julio Cezar Rodrigues é economista e advogado (rodriguesadv193@gmail.com)
 
 
 
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