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Opinião

Coronavírus - Se eu for sedado, quem toma as decisões?

Carla Cezario

Imagine esse cenário: uma pessoa é acometida por um vírus de uma doença com tratamentos ainda em fase de testes, e devido à evolução que debilita o paciente a ponto de precisar de ajuda para respirar, ele é encaminhado para a Unidade de Terapia Intensiva, onde pode permanecer entubado por até 21 dias.

O que ocorria esporadicamente em nossas vidas passou a ser uma situação bastante comum.

É verdade que ninguém deve viver uma vida sob o medo de adoecer e fato é que o ser humano raramente cogita cenários negativos para sua vida, contudo, infelizmente, vivemos um período em que a iminência de uma possível hospitalização se tornou uma realidade.

Na situação de sedação hospitalar o indivíduo não perde a vida, mas fica impossibilitado de se comunicar devido ao estado de perda completa de consciência.

E a família com os esforços centralizados na saúde de seu ente familiar, muitas vezes, se depara com dilemas relevantes acerca das decisões que terão que ser tomadas na ocasião em que a pessoa não tem condições de expressar suas vontades.

Duas situações surgem:

a delimitação dos tipos de tratamento a que o paciente quer ou não ser submetido (questões como o uso de alguns medicamentos, bastante polêmico ultimamente e a utilização de recursos financeiros para o tratamento, são alguns exemplos);

Nesses casos o Conselho Federal de Medicina regulamentou na resolução 1995/2012 a chamada “diretivas antecipadas de vontade” em que há a manifestação prévia e expressa do paciente sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade. Em uma situação como essa, se o paciente fez as suas diretivas de vontade, o cenário torna-se menos complexo com relação às decisões que precisam ser tomadas.

Com isso no Brasil passou a ser adotado o chamado testamento vital ou Escritura Pública de Diretrizes Antecipadas que é um documento jurídico válido e eficaz.

Na prática existe uma série de empecilhos burocráticos que, a depender de quem se torna o responsável pelo paciente sem que haja uma formalização prévia dessa autorização, impedem que o representante consiga resolver algo. É o caso dos casais que vivem em união estável, mas que nada documentaram. É preciso pensar sobre isso!

a continuidade aos negócios, nas ações do dia a dia;

Imagine novamente no caso de um empresário. Em que mesmo sedado é preciso dar continuidade aos negócios, ações que são do dia a dia de qualquer empresa, como pagar tributos e colaboradores ou adimplir com as contas a vencer são necessárias.

Embora tais assuntos sejam tabu, devemos ser práticos: Independentemente do estado de saúde do empresário, a Receita vai cobrar o que é devido, assim como os colaboradores cobrarão, com direito, os seus salários, afinal essas pessoas também têm famílias para manter.

Com pequenas providências, a família pode ser poupada de grandes contratempos jurídicos, os quais, geralmente, custam caro e demandam mais tempo e energia do que aquele familiar poderia suportar em um momento tão difícil.

Mas se não há uma antecipação por parte do empresário, como seus familiares poderão arcar com pagamentos sem acesso às contas bancárias de titularidade da empresa?

O impasse é resolvido pelo instituto assistencial da Curatela, previsto no artigo 1.767 do Código Civil Brasileiro, no qual aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade, poderá ser representado por um Curador.

Agir rápido nesses casos, é o maior desafio e o fundamental que a família escolha um membro para contatar o advogado de confiança da família, e ingressar imediatamente com uma Ação de Curatela, em que será possível, com pedido de urgência, nomear um Curador.

A Curatela confere poderes ao Curador para responder em nome do Curatelado, neste caso é o empresário que está em coma, relativamente a todos os atos de natureza negocial, em conjunto com a administração do seu patrimônio e eventuais rendimentos por ele percebidos.

Alguns passos devem ser seguidos pela família, devido a situação de urgência enfrentada:

Em primeiro é preciso entrar em contato com os funcionários da empresa a fim de verificar as contas a vencer ou vencidas, informar números de contas bancárias, juntar laudo médico que atesta a condição de saúde do empresário, que deve ser expedido pelo hospital em que está internado, além de seus documentos pessoais e do familiar que será nomeado Curador, e ainda a ficha cadastral da empresa;

Em seguida, deve-se conferir poderes específicos ao Curador para o cadastro dele perante às instituições financeiras, para que atue em nome da pessoa jurídica. Esta exigência única e exclusivamente dos bancos e não está prevista em lei. Contudo se assim não for, possivelmente, após o juiz conceder poderes gerais ao Curador, ainda será necessário uma nova petição para pleitear poderes específicos;

Por fim, resolvidas as questões legais com o Advogado e após registrada a Curatela nos sistemas das instituições financeiras, o que possibilita o acesso do Curador às contas correntes da pessoa jurídica o próximo passo é fazer contato com o Contador da empresa, a fim de buscar quais tributos devem ser pagos, como será a folha de pagamento dos funcionários e as obrigações trabalhistas, com as diversas datas de vencimento.

Assim, mediante o acompanhamento diário da rotina da empresa e completados os três referidos passos, é possível minimizar os prejuízos financeiros da família.

Não podemos nos esquecer que para quem prefere prevenir a ter que remediar, a dica de ouro é que o empresário sempre se resguarde com o compartilhamento de senhas bancárias, rotinas de trabalho, e ainda se possível, deixe assinada uma procuração conferindo plenos poderes a uma pessoa de confiança, de forma que a Ação de Curatela seria dispensada.

Carla Cezario. Advogada, Vice-presidente da comissão de direito de Família da ABA (Associação de Advogados do Brasil).

O testamento vital é um documento, redigido por uma pessoa no pleno gozo de suas faculdades mentais, com o objetivo de dispor acerca dos cuidados, tratamentos e procedimentos que deseja ou não ser submetida quando estiver com uma doença ameaçadora da vida, fora de possibilidades terapêuticas e impossibilitado de manifestar livremente sua vontade

O que é o testamento vital?

  
O testamento vital é um documento, redigido por uma pessoa no pleno gozo de suas faculdades mentais, com o objetivo de dispor acerca dos cuidados, tratamentos e procedimentos que deseja ou não ser submetida quando estiver com uma doença ameaçadora da vida, fora de possibilidades terapêuticas e impossibilitado de manifestar livremente sua vontade

 

Carla Cezario. Advogada, Vice-presidente da comissão de direito de Família da ABA (Associação de Advogados do Brasil).

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