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Opinião

Transgressões pandêmicas

Enildes Corrêa

A pandemia avança e, segundo especialistas, está sem controle no Brasil. Ainda assim, continua o desrespeito às recomendações da ciência e da OMS por parte da sociedade. A realização de festas clandestinas é apenas um dos exemplos de escancarada transgressão dentro do cruel contexto que estamos vivenciando. Um aglomerado de zumbis em busca de diversão num país em que estão morrendo, em média, mais de 2.000 pessoas por dia.
 
Infelizmente, há várias outras transgressões pandêmicas ocorridas com frequência em todo o país em âmbito político, social e familiar. Recentemente, um dos acontecimentos que chocou a muitos de nós foi a carreata com "buzinaço" de bolsonaristas em Porto Alegre, na porta do Hospital Ernesto Dornelles, uma das referências no tratamento de Covid-19 da capital gaúcha, onde há doentes em estado gravíssimo e profissionais da saúde exauridos, expostos ao risco de serem contaminados e de transmitirem o vírus a seus familiares.
 
Outro fato lamentável foi a ameaça de morte à prefeita de Palmas (PSDB), por decretar lockdown na cidade (em função do estrangulamento no sistema de saúde local), além de manifestação bastante agressiva na frente do condomínio onde mora, por parte de extremistas contrários a essa medida de proteção à vida da população, conforme foi noticiado pelo Portal Uol.
 
Ao olhar e testemunhar fatos que revelam comportamentos desumanizados, ou seja, sem amizade e compaixão pelo próximo, deparamo-nos com suas principais causas: a ignorância, a insensibilidade, o egoísmo e a ganância presentes na mente do ser humano.
 
Vale lembrar estas palavras ditas pelo Mestre Osho:
"A pessoa ignorante é alguém que vai ignorando alguma coisa essencial. Ela é ignorante porque está ignorando a coisa mais fundamental na vida: ela está ignorando a si mesma. Ela está se mantendo ocupada com o não essencial. Perdeu a trilha do próprio eu. Esqueceu-se da sua realidade e tornou-se um com alguma coisa que ela não é."
 
A ignorância faz as pessoas se distanciarem de sua melhor parte e cometerem atos indignos e impróprios à condição humana - o melhor seria dizer: a nossa natureza Divina.
 
Quantas vezes já nos fizemos esta pergunta: como é possível, por exemplo, os líderes políticos não se comoverem com as condições de vida cruéis e desiguais para a espécie humana? Eles salvam bancos, grandes empresas, mas não se empenham em salvar vidas em colapso.
 
A miséria interior é tão triste quanto a exterior. Lamentavelmente, poucos a veem ou se dão conta da existência dela em si mesmos, o que impossibilita um processo de autoconhecimento e transformação. Sem compreensão, a inconsciência e a ignorância se impõem, o que gera todo tipo de mazelas, adversas ao fluxo da vida.
 
Carl Gustav Jung disse: "Quem olha para fora, sonha. Quem olha para dentro, desperta". E sem um olhar para dentro do mundo interior, muitos morrem em estado de miséria espiritual, em agonia, sem passar por um processo de purificação, em estado de tensão, apegados ao aspecto material de suas existências, muitas vezes sem jamais sentir o sabor de se experienciar com consciência plena além do corpo e do fluxo incessante de pensamentos.
 
A abordagem materialista prevaleceu, praticamente, em todas as áreas que envolvem o ser humano, inclusive no sistema educacional. Imperou uma visão reducionista, que ignora a natureza da vida, suas leis e seus fundamentos vitais, o que contribui para a humanidade crescer em inconsciência ao invés de se valorizar consciência, amor e compaixão.
 
Neste momento, com a aterrorizante marca de mais de 300 mil mortes por Covid-19 no Brasil, anseio para que o sofrimento das centenas de milhares de famílias enlutadas não fique em vão, que mais e mais brasileiros abram os olhos e enxerguem a realidade tal como é. Com a consciência desperta, a inconsciência se finda. Sejamos o milagre de "noites com sol" em tempos dolorosos.


Então, quando tudo passar, cantaremos, juntos, os versos de Flávio Venturini: 
Pode abrir a janela, noites com sol são mais belas. Deixa o sol entrar.


 
Enildes Corrêa é administradora, terapeuta, professora de Yoga e orientadora de meditação com formação na Índia.
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