Opinião
Tema do debate: STF define sobre a retroatividade do ANPP e seus limites
Anna Rute
O presente debate provem a respeito da possibilidade de retroatividade ou não do referido instituto. Para fins de instigar a discussão, objetiva-se averiguar a natureza do acordo de não persecução penal, bem como quais são os requisitos objetivos e subjetivos para ser beneficiado, assim como as condições para a adoção do instituto, o respectivo procedimento para a efetivação do acordo, e sua aplicabilidade nos processos penais em curso.
Ademais, verificar-se-á a legislação pátria, bem como o posicionamento dos Tribunais Superiores diante da legislação, com as devidas averiguações acerca das deliberações favoráveis e contra a retroatividade do benefício, especialemte no que se rfere à celeuma sobre natureza material ou processual do referido instituto.
OANPPtrata-sede JUSTIÇACONSENSUAL,NEGOCIADAERESTAURATIVA. O cenário atual instiga o debate acerca da hegemonia da prisão como sanção penal, questiona-se se o papel ressocializador está sendo devidamente cumprido, e a pena fazendo valer sua função de prevenção geral e individual, positiva e negativa, pois as sanções penais convencionais que produzem danos irreparáveis estão em crise, devido às suas drásticas consequências e patente ineficácia. A par disso, há uma tendência mundial na busca do processo de resultados, que tem por objetivo solução ágil e eficaz de litígios, a desburocratização da Justiça Penal, buscando mais do que a mera solução de controvérsias submetidas à apreciação do judiciário, a verdadeira resolução do conflito, o fato gerador da controvérsia.
O Instituto foi criado e regulamentado, inicialmente, pela Resolução 181 do Conselho Nacional do Ministério Público de 2017. Posteriormente, a celeuma acerca da inconstitucionalidade do acordo foi resolvida com o advento da Lei no 13.964/2019 (Pacote Anticrime), o qual inseriu o instituto no Código de Processo Penal no art. 28-A e incisos. Tais normas tratam da aplicação do acordo, dos requisitos e condições, bem como dos impeditivos ao seu cabimento.
Importante salientar que os dispositivos do CPP não revogam por completo o disposto na Resolução no 181 do CNMP, visto que ocorrendo conflito entre estes diplomas, naturalmente prevalecerá o CPP, porém se houver qualquer ponto omisso no CPP é possível ainda invocar o teor da Resolução se nela houver previsão de determinada matéria.
De acordo com artigo 28-A do Código de Processo Penal, não sendo o caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a quatro anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.
O texto legal veda a aplicação do instituto do ANPP nas hipóteses prevista no art. 28- A, parágrafo 2o, incisos I a IV do Código de Processo Penal.
ANPP
prevê ainda, as condições a ser pactuada entre as partes nos termos dos incisos I a V do art. 28-A, caput do Código de Processo Penal.
Além disso, o descumprimento do ajuste pelo investigado também poderá ser utilizado como justificativa para o eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo pelo Ministério Público (art. 28-A, parágrafo 11, CPP).
Por outro lado, se devidamente cumpridas as condições estipuladas, o juízo competente declarará a extinção da punibilidade do agente, formando-se coisa julgada material.
Outrossim, não ocorrerá prescrição enquanto não cumprido ou não rescindido o acordo de não persecução penal.
DA (IR) RETROATIVDADE DO ACORDO DE NÃO PERSCECUÇÃO PENAL.
O tema avençado no presente debate de aplicabilidade do acordo de não persecução penal nos processos em curso, e qual seria o limite temporal no curso processual para sua aplicação fora definido pelo STF, vejamos:
Inicialmente cumpre salientar que há varias correntes sobre o tema, uma corrente argumenta que o acordo somente pode ser celebrado até o recebimento da denúncia, pois se o
acordo é denominado de “de não persecução” ele somente poderia ser celebrado até o início da persecução, cujo marco seria o recebimento da denúncia. Outra parcela defende que o acordo de não persecução penal poderia ser celebrado até o início da instrução penal. Uma terceira corrente sustenta que o acordo de não persecução penal deve ser celebrado até a sentença. Por fim, existe uma quarta posição que entende que o ANPP pode ser celebrado a qualquer momento antes do trânsito em julgado.
O debate levou o Supremo Tribunal Federal a afetar o tema a julgamento pelo Plenário HC 185.913/DF. Ao apreciar o caso, o Ministro Gilmar Mendes constatou que o ANPP tem sido objeto de intenso debate doutrinário e jurisprudencial no que diz respeito à sua natureza e consequente retroatividade mais benéfica. Diante disso, delimitou as seguintes questões- problemas: a) O ANPP – acordo de não persecução penal pode ser oferecido em processos já em curso quando do surgimento da lei 13.964/19? Qual é a natureza da norma inserida no art. 28- A do CPP? É possível a sua aplicação retroativa em benefício do imputado? b) É potencialmente cabível o oferecimento do acordo de não persecução penal mesmo em casos nos quais o imputado não tenha confessado anteriormente, durante a investigação ou o processo? O debate pertine na possibilidade de aplicação do ANPP no curso do processo. Argumenta-se, com base na retroatividade penal benéfica, que o acordo deve ser viabilizado mesmo depois de recebida a denúncia, proferida sentença, em fase recursal
Consoante o debate doutrinário e jurisprudencial, a Lei no 13.964/2019, no ponto em que institui o ANPP, pode ser considerada lei penal de natureza híbrida, visto que tem natureza processual por estabelecer a possibilidade de composição entre as partes com o fim de evitar a instauração da ação penal, e tem natureza material em razão da previsão de extinção da punibilidade de quem cumpre os deveres estabelecidos no acordo (art. 28-A, § 13, do Código de Processo Penal).
É cediço que para leis materiais aplica-se a retroatividade penal benéfica nos seguintes termos: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu” (art. 5o, XL). Por outro lado, no que se refere à lei processual, adota-se o princípio do tempus regit actum, ou seja, a regra é a aplicação imediata, ressalvando-se a validade de atos anteriores.
Por força da sua natureza mista ou híbrida, a potencialidade material (penal) da norma processual determina sua retroatividade (lex mittior), de acordo com o comando constitucional contido no art. 5o, XL da Constituição Federal. Contudo, entendemos que a retroatividade seria limitada aos casos em que não tenha sido proferida sentença condenatória.
Tratando-se a questão afeita à interpretação constitucional, com expressivo interesse jurídico e social, além de potencial divergência entre julgados, STF decide pelo cabimento do oferecimento de acordo de não persecução penal no curso da ação penal, isto é, antes do trânsito em julgado, desde que preenchidos os requisitos legais, devendo o integrante do MP oficiante assegurar seja oferecida ao acusado a oportunidade de confessar formal e circunstancialmente a prática da infração penal, nos termos do art. 28-A do CPP, quando se tratar de processos que estavam em curso quando da introdução da Lei no 13.964/2019.
Definiu ainda que:
1. Compete ao membro do Ministério Público oficiante, motivadamente o no exercício do seu poder dever, avaliar o preenchimento dos requisitos para negociação e celebração do ANPP, sem prejuízo do regular exercício dos controles jurisdicional e interno.
2. É cabível a celebração do ANPP em casos de processo em andamento quando da entrada em vigência da Lei 13.964/2019, mesmo se ausente confissão do réu até aquele momento, desde que o pedido tenha sido feito antes do trânsito em julgado.
3. Nos processos penais em andamento na data da proclamação do resultado deste julgamento, nos quais em tese seja cabível a negociação de ANPP, se este ainda não foi oferecido ou não houve motivação para o seu não oferecimento, o Ministério Público, agindo de ofício, a pedido da defesa ou mediante provocação do magistrado da causa deverá, na primeira oportunidade em que falar nos autos, após a publicação da ata deste julgamento, manifestar-se motivadamente acerca do cabimento ao não do acordo.
4. Nas investigações ou ações penais iniciadas a partir da proclamação do resultado deste julgamento, a proposição de ANPP pelo Ministério Público, ou a motivação para o seu não oferecimento, devem ser apresentadas antes do recebimento da denúncia, ressalvada a possibilidade de propositura pelo órgão ministerial no curso da ação penal, se for o caso.
Posto isto, é indubitável declarar que a justiça negociadora ganha força no cenário do Direito Penal brasileiro
Anna Rute