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Quinta-feira, 28 de março de 2024

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Editores, escritores e leitores de MT criticam possível taxação aos livros: "vai matar a produção"

Foto: Marcello Casal Jr. / Agência Brasil

Editores, escritores e leitores de MT criticam possível taxação aos livros:
Em um país onde 30% da população nunca comprou um livro e o trabalho do escritor ainda é visto como ‘hobby’ e não como profissão, o ministro da Economia, Paulo Guedes, enviou ao Congresso Nacional uma proposta de Reforma Tributária que prevê a taxação de obras literárias. Para o escritor e ex-presidente da Academia Mato-grossense de Letras, Eduardo Mahon, caso seja aprovado, o tributo pode matar a produção brasileira, que já anda muito mal das pernas.

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“Hoje não se compra livro no Brasil. Não tem nem condição de repassar [o custo] para o mercado, porque o mercado é muito pequeno. A questão não é mais nem o consumidor, mas que vai inviabilizar a produção. Vai matar a produção do livro”, lamenta Mahon. Segundo ele, que além de escritor é advogado – e que com esta ocupação é que consegue pagar as contas – só seria possível falar sobre esta tributação em uma realidade em que a indústria estivesse consolidada. “Meu sonho era que a cadeia produtiva estivesse tão firme e tão sólida, que fosse preciso tributar”.

Eduardo Mahon (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto) 

Pela proposta de Guedes, seria criada a ‘Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços’, e os livros passariam a estar sujeitos a tributos de 12%. Este ‘CBS’ viria em substituição aos atuais Pis e Cofins (dos quais o mercado de livros é desonerado desde 2004).  O ministro não é claro sobre a taxação exclusiva do mercado editorial, mas fala, ainda, em cortes de benefícios fiscais concedidos ao setor.
 
Ramon Carlini, um dos proprietários da editora Carlini & Caniato, lamenta. “Já tem taxas que a gente paga! Por exemplo, minha empresa esta no ‘Simples’, e pra cada livro vendido a gente paga de 5,9%, podendo chegar a 9,9%, dependendo do faturamento anual da empresa”, explica. “Isso incide no preço do livro. Se vier mais esse imposto de 12%, agora que o livro vai ficar restrito a quem tem dinheiro”.
 
A aprovação de uma proposta como estas, explica Ramon, seria ruim para toda a cadeia produtiva de livros no Brasil, mas especialmente para as editoras fora do eixo do Sudeste. “Já temos a questão que a gente chama do frete duplo: a gente imprime um livro a um excelente custo em gráficas de São Paulo, ele vem pra cá, pagamos o frete, depois a gente paga o frente novamente para enviar, sempre onerando o preço do livro".
 
Para Mahon, este preço a mais não poderia ser absorvido pelo consumidor, pois este leitor já é “quase inexistente”. Como consequência, além de menos pessoas lendo, haveria também menos pessoas publicando. A escritora cuiabana Stéfanie Medeiros, doutoranda em escrita criativa pela Puc do Rio Grande do Sul, relata o mesmo temor. Mesmo sem este imposto, segundo ela, é quase impossível se sustentar somente com o trabalho de escritor no Brasil.
 
“Eu conheço um bocado de escritores, e nenhum deles se sustenta com isso. A maioria trabalha como palestrante, jornalista, ou outros. Já é difícil para um escritor brasileiro publicar um livro, já é complicado, e vai ficar ainda pior. O impacto maior é porque os dados de leitura já são baixos, a média nacional é extremamente baixa, tem pessoas que nunca compraram um livro! E isso vai continuar não acontecendo, porque o livro vai encarecer”, lamenta.

Stéfanie Medeiros (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)
 

Segundo Guedes, o caminho para que isso não acontecesse seria o de “dar livros para os pobres”: “Vamos dar o livro de graça para o mais frágil, para o mais pobre. Eu também, quando compro meu livro, preciso pagar meu imposto. Então, uma coisa é você focalizar a ajuda. A outra coisa é você, a título de ajudar os mais pobres, na verdade, isentar gente que pode pagar”, disse o ministro ao responder o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ), em audiência na Comissão Mista da Reforma Tributária. 
 
Elaine Caniato, sócia de Ramon na editora mato-grossense, discorda. “Existe uma questão ideológica gravíssima de achar que só quem compra livro é quem tem poder aquisitivo maior, e que vai doar livros pra quem não pode comprar e toda aquela discussão que toda classe vem fazendo. Quer dizer, vai decidir o que a pessoa que não tem dinheiro deve ler? É uma questão ideológica gravíssima. Limita o pensamento das pessoas, da crítica, do conhecimento”. Para Ramon, outra implicação seria uma dependência ainda maior das editoras pelo governo, que hoje já representa um dos maiores compradores por meio do Ministério da Educação.
 
A dificuldade está nas duas pontas. Para se ter uma ideia de quanto custa para publicar um livro, o prêmio Estevão de Mendonça, do Governo do Estado de Mato Grosso, vai dar R$ 30 mil para cada escritor premiado. Segundo Mahon, o valor ainda é insuficiente, por exemplo, para livros infantis, devido ao papel couché, trabalho dos ilustradores, impressão colorida e etc.
 
Este valor da impressão já é, também, um problema enfrentado pela Carlini & Caniato. “Hoje temos uma norma da editora que é sempre editar livros com suporte, com papeis, capa, com qualidade extremada. Livros mais sofisticados mesmo, pra fazer bonito em qualquer lugar. Cheguei a pensar [caso a lei seja aprovada] em diminuir a qualidade do livro, mas isso não poderia também diminuir a compra do livro pelo publico leitor?”, questiona.
 
A proposta de Guedes desagradou todo o setor editorial, de escritores a ilustradores, de editoras a donos de livrarias e, é claro, os leitores. Por este motivo, foi criada uma petição online contra a tributação. Até a sexta-feira (14), ela já contava com quase 630 mil assinaturas. “É o único caminho: a pressão popular! Porque parece que eles só entendem isso, eles jogam uma bomba, se o povo aceita eles vão em frente, se o estardalhaço é grande e começa a prejudicar a imagem dos políticos, eles dão uma repensada. Então acho que é o único caminho, conscientizar as pessoas pra ver se isso não passa”, desabafa Elaine.
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