Assim como o choux cream, doce tradicional da confeitaria francesa, se tornou uma febre ao ser adaptado ao paladar japonês, o confeiteiro Anthony Milani, de 25 anos, também usou os sabores brasileiros para colocar a receita no cardápio da Milani Sucrê, que funciona no bairro Quilombo, em Cuiabá. Cumaru, limão, morango assado, maracujá e torta de limão foram os sabores escolhidos por Anthony, além da receita original que é recheada com o creme légère.
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Olhar Conceito, o cuiabano explica que "namorou" referências e inspirações do doce por algum tempo antes de colocar a novidade na vitrine da Milani Sucrê. A massa choux, mesma usada para fazer carolina, passa por dois tipos de cozimentos: primeiro ela é cozida para, depois, ser assada.
"Quando assamos, por levar ovos, ela fica oca no meio. O ovo faz um crescimento mecânico, o ar que incorporamos na massa expande, fazendo com que a massa fique oca no meio e a gente possa rechear. A característica do choux original é uma massa de carolina com recheio leve por dentro, creme de confeiteiro com o chantilly fresco, que chamamos de creme légère. Você encontra de outros jeitos e sabores, pode saborizar com pistache, frutas vermelhas, usar geléias... Então o choux tem isso de ser leve e menos doce".
No começo, Anthony fazia as fornadas do choux cream apenas uma vez por semana mas, aos poucos, o doce foi começando a agradar cada vez mais a clientela. Um dia virou dois, depois três e, agora, as fornadas acontecem diariamente para que o produto esteja sempre fresco na vitrine. Para se adaptar ao paladar cuiabano, o confeiteiro fez algumas mudanças na receita.
"Já tinha testado um creme que não é o original francês, mas a gente acredito que por ser um creme um pouco mais pesado, que lembra os doces brasileiros, conseguimos driblar o paladar e emplacar ele. Então, temos que ter um pouco de jogo de cintura nesse sentido, muitas vezes entre comprar um cookie de Nutella e um doce que você nunca viu, você vai no que já conhece".
"Os básicos [tradicional, cumaru e chocolate] são feitos com o creme légère e os especiais [morango assado, torta de limão e maracujá] são feitos com creme feito com chocolate branco e chantilly fresco, fica um creme bem leve, mas não muito doce".
Para criar os sabores, Anthony usa e abusa da criatividade, além de se inspirar em referências que encontra pela internet. Três dos seis recheios do choux cream foram criado em datas comemorativas ou era edições especiais que se tornaram sucesso entre os clientes. O confeiteiro está sempre de olho na saída de cada uma das criações para continuar adaptando o cardápio.
"O de morango assado é o que mais sai, não tem como tirar do cardápio, dá briga. Ele foi criado no Dia dos Namorados e ficou. O de torta de limão também, mas ele não fica fixo porque dá muito trabalho, são três recheios. Continuo tendo o de baunilha, que é o mais próximo da receita francesa, mas também temos o de cumaru que é a baunilha do cerrado, infelizmente não tem saída e vamos tirar do cardápio, e tem o de chocolate, que é uma mousse bem mais densa".
Como as redes sociais, principalmente o Instagram, se tornaram uma estratégia de comunicação e venda indissociável no mundo dos negócios, com a Milani Sucrê não é diferente e através do perfil da confeitaria que ele conquista os clientes, primeiro, pela beleza dos doces criados na cozinha.
"Acho que hoje é quase 50/50, metade dos clientes vêm porque viram o choux, é bem mesclado, temos um mix de produtos muito grande e conseguimos mesclar o que tem mais técnica, que é o que me move e enche meus olhos, mas também com o que é necessário para fazer rodar o negócio: como cookie, bolo de pote e gelado. Mas sempre tento dar meu toque".
Recentemente, a Milani Sucrê acrescentou ao cardápio uma linha de bolos à pronta-entrega, no entanto, o confeiteiro volta a destacar a importância de deixar sempre sua marca nas receitas. "Começamos agora uma linha de bolos a pronta-entrega de 1kg, pensamos no que fazer para deixar 'mais a nossa cara', então eles são naked, tem um praline por cima, é uma coisa mais diferente".
Aventuras na cozinha desde pequeno
A afinidade com a gastronomia começou desde criança, lembra Anthony, primeiro influenciado por uma vizinha que sempre o convidava para fazer bolo, marcando um dos seus primeiros contatos com a cozinha aos 7 anos. Depois disso, ele sempre tentava reproduzir alguma receita em casa, mesmo que o resultado não fosse positivo todas as vezes.
"Não podia fazer sempre, porque gastava as coisas, mas sempre gostei. Uma vez, uma tia veio me visitar e ela descobriu porque o bolo dava errado, eu batia muito o fermento na massa, estragava o bolo, ficava solado. Depois disso, as coisas começaram a dar mais certo e eu comecei a fazer mais em casa. Fui crescendo sem dar muita importância para isso".
No Natal de 2018, Anthony teve um contato mais profissional com a gastronomia quando decidiu fazer brownies para vender. No ano seguinte ele se aventurou ao criar um cardápio de ovos de Páscoa, mesmo que ainda não conseguisse se ver, de fato, trabalhando como confeiteiro, já que seu sonho profissional era ser arquiteto.
"Nessa época eu fazia em casa, era uma loucura, mas não era uma coisa que eu pensava de fato em fazer, meu sonho era fazer arquitetura. Em 2019 ainda estava prestando vestibular, mas ainda não tinha passado, e fui trabalhar em uma loja de coisas para marceneiros, tipo um shopping de marcenaria, fiquei lá três meses, porque eles tinham uma proposta de implementar um sistema e eu ajudaria a cuidar do setor, era para mexer no plano de corte. Era algo bem legal, móveis já era uma coisa que gostava".
Cardápio também tem bolos à pronta-entrega de diversos sabores e com toque especial do confeiteiro. (Foto: Reprodução)
No terceiro mês em que estava trabalhando na loja de marcenaria, Anthony e uma amiga pegaram uma encomenda de doces para um evento. A virada de chave aconteceu quando o confeiteiro viu o faturamento da produção ser maior que o salário.
"Saí de lá e comecei de fato a trabalhar com doces. Em 2020 juntei tudo que a gente tinha, de dinheiro, de tudo, era eu e minha mãe, ela não estava mais trabalhando e a gente já vivia da confeitaria. Era só eu e minha mãe, ela me ajudava a comprar, com a louça e logística mesmo".
Vídeos no YouTube e cursos virtuais foram parte importante da jornada de aprendizado de Anthony sobre as técnicas da confeitaria. Ele lembra que fazia testes em casa, errando até a receita sair como deveria.
"Lembro que assistia vídeos das pessoas usando creme de leite fresco e pensava: um dia vou usar isso. Era um item muito caro, era muito distante, além de não ter dinheiro para comprar, a gente não tinha público para vender um produto assim, não tinha conhecimento técnico, eu sabia fazer um bolo com brigadeiro, brownie, cookie... Ia comprando cursos online, mas é aquela coisa, tem que testar em casa até dar certo".
Empreendendo durante a pandemia
Em 2020, alguns meses antes do primeiro caso de covid-19 ser registrado no Brasil e ter o lockdown como consequência, Anthony já estava totalmente equipado para produzir o cardápio de ovos de Páscoa daquele ano. Como no início as informações sobre o vírus eram incertas, ele sequer sabia se poderia realmente vender os produtos.
"A gente ainda não sabia de nada, mas por fim fizemos os ovos, foi um sucesso, conseguimos trabalhar em casa. Ficamos lá em casa durante um ano e pouco, entre março de 2020 e julho de 2021, nisso começamos a fazer muitos bolos, comprei uma geladeira, comprei um freezer... Ficamos em casa até quando deu, tinha estante no corredor para guardar formas e insumos, a gente já tinha uma colaboradora dentro de casa ajudando, porque a demanda começou a ser maior. Minha mãe falou: ô, não dá mais, vamos ter que sair daqui".
Anthony brinca que a estrutura improvisada de uma confeitaria já estava tomando conta de todos os cômodos da casa, mas ele ainda tinha receito de dar o próximo passo no negócio: alugar um espaço. A mãe foi a responsável por encontrar uma casa no bairro Quilombo e, depois de muita negociação, eles mudaram a cozinha da Milani Sucrê de endereço.
"A gente entrou aqui com a coragem, não foi nem com um sonho. Hoje, olhando assim, foi difícil, mas foi legal. Viemos para cá no final de 2021. Essa casa era muito grande, não tinha a loja, a gente usava, literalmente, só a cozinha, porque a gente não veio com o objetivo de abrir, só de tirar a produção de casa".
Apesar de não ter intenção de abrir o espaço ao público, no final de 2022, Anthony colocou um balcão para que os clientes pudessem fazer a retirada dos produtos presencialmente. Não demorou para que ele começasse a receber a demanda por servir um café.
"Os clientes começaram a pedir se podiam comer aqui, perguntavam se tinha água ou café. Ficamos assim até o final de 2023, neste ano colocamos duas meses e uma máquina de café de cápsulas".
Desde então, o salão da Milani Sucrê recebeu mesas e cadeiras, algumas que, inclusive, eram da casa de Anthony, deixando o espaço com uma energia acolhedora e confortável.
"Falo que fazemos de acordo com a demanda, por um lado isso é bom. Hoje temos um planejamento do que queremos, mas existe também o que os clientes querem, não podemos ceder em tudo, mas temos que ter um jogo de cintura, porque senão 'ah, as coisas da Milani são legais, mas não tem onde sentar'. Falo que é um café singelo".