No quintal da Galeria do Pádua, na avenida Miguel Sutil, em Cuiabá, entre as árvores e obras de arte, uma pequena capela pintada de branco e com detalhes em azul é abraçada pela vegetação do Parque Mãe Bonifácia. Ela foi construída pelo artista plástico Antônio de Pádua, de 70 anos, como forma de preservar a memória do neto Joaquim, que morreu três dias após nascer. Quando estava grávida de 12 semanas, a servidora pública Julia Macedo Nogueira, de 37 anos, recebeu o diagnóstico de anencefalia, uma condição considerada “incompatível com a vida”.
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“Quando meu pai fez essa capela foi de uma sensibilidade muito grande, porque era uma preocupação que eu tinha, acho que para qualquer mãe você imaginar ir levar flores para um filho no cemitério. Não faz parte do ciclo natural da vida, então a capela que meu pai fez em homenagem a ele acabou realmente diminuindo essa distância física entre nós, aquecendo nossos corações, sendo uma forma de deixar o Joaquim vivo e presente na nossa vida”.
Apesar de anencefalia ser uma das condições para a realização do aborto legal, Julia optou por seguir com a gestação e Joaquim nasceu de parto normal em 22 de janeiro de 2019. “Por mais dolorosa que tenha sido essa notícia, meu filho já era vivo e vivo em mim”.
Ela conta que a construção da capela foi uma iniciativa que partiu do pai, algo que para ela também foi uma forma do avô lidar com a ausência de Joaquim. O processo de luto é uma experiência pessoal e única, mas, assim como o pai, Julia também buscou maneiras de transformar a dor de ter perdido o filho.
Uma delas é mantê-lo vivo através das lembranças e da capela na Galeria do Pádua, que se tornou um ambiente sagrado para a família, onde a servidora pública diminui a ausência deixada por Joaquim. Lá, eles costumam celebrar cada aniversário do menino, com direito a bolo. Dentro da capela, uma foto do bebê foi colocada entre esculturas de anjos restauradas pelo avô.
“Costumo ir lá, fazemos orações, comemoramos… Temos o hábito de celebrar o nascimento dele. Costumamos, inclusive, levar um bolinho para cantar parabéns, é um momento de intimidade mesmo da nossa família, foi a forma que criamos para diminuir a ausência. Ele é muito vivo na nossa família e na vida dos irmãos”.
Para Julia, olhar para a natureza e para paisagens como a do Parque Mãe Bonifácia a fazem lembrar do filho. Por isso, o lugar onde a capela foi construída pelo pai se tornou ainda mais especial.
“É um lugar maravilhoso, a capela divide muro com o Parque Mãe Bonifácia, então estar em contato com toda aquela natureza, com as árvores, com as plantas, com os pássaros… É uma coisa que aquece realmente nosso coração. Olhar pela janela, ver o sol se pondo ou nascendo, a janela da capela é um verdadeiro quadro, é um contato direto com a natureza. É onde penso que meu filho está, toda vez que vejo uma imagem bonita, um céu maravilhoso, uma cachoeira… É para onde eu olho e lembro dele com amor”.
Acolhimento na gestação, no parto e no luto
Desde o momento em que ouviu do médico que o filho tinha anencefalia, Julia lembra ter encontrado acolhimento nos profissionais de saúde que a acompanharam na gestação e no parto. “Meu parto foi muito acolhedor, tive um médico que me acolheu desde o início, foi o médico de todos os meus filhos, a pediatra recebeu o Joaquim de uma forma muito amorosa, assim como todas as enfermeiras”.
Católica, ela conta que em suas orações mais íntimas, clamava para que Joaquim nascesse com vida, já que havia chances dele morrer durante a gravidez ou no parto. Por isso, os três dias e meio que passou com o filho no quarto do hospital são descritos por ela como “um presente”.
Durante o período em que Joaquim estava vivo, ela conseguiu amamentá-lo e presenciar o momento em que o bebê segurou as mãos do irmão mais velho pela primeira vez.
“Apesar da gente saber que o final chegaria com a partida dele e uma partida, obviamente, envolve muitas dores, a gente não levou isso no decorrer da gestação, pelo contrário, foi uma gestação muito bonita, fizemos questão de ter todos os registros, fazer fotos, das pessoas saberem que o Joaquim era um filho amado, vivo em nosso coração. Foi importante reconhecer a existência dele como um membro integrante da nossa família”.
Depois da morte de Joaquim, Julia conheceu o grupo Mãe de Anjos MT, onde mais uma vez constatou a importância do acolhimento após deixar a maternidade sem Joaquim nos braços, algo que ela classifica como o momento mais difícil daquele período.
“Uma mãe nunca esquece do filho, ele pode ter vivido na barriga por dias, pode ter nascido e vivido por horas, pode ter vivido uma vida toda e falecer… A mãe nunca vai esquecer. Uma vez que uma mulher descobre que é mãe, ela vai ser sempre mãe, aquele filho vai fazer sempre parte da história e da vida dela”.