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Notícias / Política Cultural

Projeto que une cultura e economia sustentável leva autonomia a indígenas de Mato Grosso

Da Redação - Naiara Leonor

“Hoje existe um novo jeito de viver...”, diz Severiá Idioriê, articuladora do projeto ‘Territórios Criativos Indígenas’, que teve o lançamento de seu portal no Dia do Índio, 19 de abril, em Cuiabá.  A plataforma é a concretização do objetivo maior do projeto: auxiliar na convivência entre povos indígenas e não indígenas, por meio da troca de conhecimento, para que comunidades de índios de Mato Grosso tenham autonomia financeira e possam sobreviver nesse novo jeito de viver do ‘homem branco’.

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“Houve um tempo em que eu era livre, tinha parentes em todo canto. Não havia cerca de fazenda nem casa grande. Minha terra não tinha fronteiras. Eu podia não ter um cachorro, um gato, mas eu tinha uma selva inteira, meu chuveiro era uma cachoeira. Aí um dia uma gente que nunca vi, traçou no chão uma linha e disse que o que eu achava não ter dono era deles. Desde então, coisas esquisitas aconteceram, querem mudar o que eu sou, onde eu moro, o que eu uso no corpo, como eu falo.”

Essa é uma ilustração do que talvez um indígena tivesse pensado, pouco depois do contato com o ‘homem branco’. Uma mudança de vida, na realidade uma imposição, já que com o crescimento da sociedade do ‘homem branco’, as comunidades de índios no Brasil não tiveram outra chance a não ser aprender a conviver com essa mudança, tentando sempre salvaguardar sua cultura e história.

“Integração não, não usamos essa palavra, pois para nós significa abandonar nossa cultura para viver a dos não indígenas. Falamos em convivência, é aprender a respeitar o outro e conviver entre si”, explica Severiá Idioriê, índia Carajá e Javaré de Goiás por nascimento, Xavante de Pimentel Barbosa desde que se casou, Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), que trabalha e vive essa convivência há 26 anos.

É sabido pelo ‘homem branco’, criador da moeda que para quase tudo se paga na vida, mas imagine-se inserido em um lugar onde tudo o que se tem é feito através da troca, não teria que haver um processo de adaptação a esse novo método? Uma cooperação para te ensinar como viver nesse novo contexto? Pois é esta a situação do indígena no Brasil atualmente e o projeto “Territórios Criativos Indígenas” veio para auxiliar neste momento de transição.

“Antes a Funai fazia tudo, com a mudança de políticas públicas não houve conversa com a gente para saber a necessidade de cada comunidade. Os Chiquitanos por exemplo, convivem com os não indígenas a quase 200 anos, os Mutina desde o tempo de Rondon, enquanto os Xavantes só há pouco mais de 50 anos. O projeto veio para envolver cada povo, dialogar e ser desenvolvido de acordo com os diferentes contatos com não indígenas e necessidades das comunidades”, disse Severiá.

Através da valorização da cultura indígena, o projeto se utiliza da indústria criativa e oferece o conhecimento para a produção de artigos valorizados na sociedade atual, como jóias, redes, pinturas corporais e outros trabalhos artesanais que possam ser convertidos em renda para as comunidades.

“É um projeto muito importante, pois possibilita a retomada do fortalecimento cultural interno das comunidades indígenas de Mato Grosso. Um fortalecimento dentro dos saberes de cada comunidade com atualização de saberes não indígenas, para que o povo indígena tenha autonomia e não dependa de políticas públicas. Levar o conhecimento para que escolham seu caminho”, complementa Severiá.

Além dos benefícios do projeto para as comunidades, ele é uma forma de esclarecimento da cultura indígena para a sociedade não indígena. “O projeto resgata em nível de discussão acadêmica e social a nossa cultura e nossas necessidades. Queremos que todos em Mato Grosso reconheçam a nossa cultura, sem nos generaliza como apenas ‘os índios’, pois temos várias comunidades, e sem nos colocar como impedimento para o desenvolvimento econômico”, pontuou Severiá.

O projeto, fruto de uma parceria entre comunidades indígenas, Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e Ministério da Cultura (Minc), é diferente de qualquer outro pelo modo como foi feito, de maneira coletiva: junto, com e para os indígenas.

Como uma via de mão dupla, conhecimento que vai e conhecimento que se absorve, educar para a convivência das comunidades entre si e o ‘homem branco’.
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