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Notícias / Comportamento

Tese de doutorado na UFMT analisa discurso contra Dilma: “a violência começa na linguagem”

da Redação - Isabela Mercuri

Louca, burra, prostituta, nojenta. Em torno destes quatro termos giravam os comentários sobre a ex-presidente Dilma Rousseff nos comentários feitos na página do MBL no Facebook três semanas antes e uma semana depois do impeachment. O que cada um deles revela é uma associação direta entre a opinião dos internautas e a realidade de exclusão da mulher dos espaços públicos, além de que “a violência começa na linguagem”. A conclusão é da professora Perla Haydee da Silva, 39 anos, que defendeu a tese de doutorado “De Louca a Incompetente: Construções Discursivas em Relação à Ex-Presidente Dilma Rousseff em uma rede social” no último dia 8 de outubro e, agora, é doutora em Estudos Linguísticos pela UFMT.

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Perla é formada em letras e mestre em linguística também pela UFMT. Ela começou o doutorado na metade de 2015, bem na época em que os discursos contra a então presidente se acaloravam. “Eu comecei a me aproximar dos estudos de gênero, a conhecer os estudos feministas, e a me interessar por essa realidade de exclusão da mulher”, contou ao Olhar Conceito. “E como estava na época do impeachment, eu entendia a questão da Dilma como uma forma de analisar isso, e tinha relevância social na época. Estava todo mundo falando a esse respeito”.

Para realizar sua análise, a professora contou com a ajuda de um aluno de engenharia da computação. Ela optou por analisar os comentários feitos na página do MBL no Facebook em três semanas antes e uma depois do impeachment, e que mencionavam as letras ‘DILM’. “Porque daí poderia ser Dilmanta, Dilminha, Dilmula... e isso me gerou 2990 comentários, deu 300 páginas de Word. Esse é o corpus da minha pesquisa, os meus dados”, explica.

Com os dados em mãos, Perla passou a ler todos os comentários, e perceber o que estavam dizendo. Num primeiro momento, descartou aqueles que não faziam referência direta a Dilma, - mas apenas a citavam – e, com o que sobrou, chegou aos quatro eixos de observação. “Ou estavam chamando a Dilma de louca, ou de burra, ou de devassa – associando ao estereótipo da prostituta – ou associando a Dilma ao nojento, ao abjeto. Diziam “Ela é nojenta”; “Ela só fala merda”; tem um comentário que a pessoa fala “ela tem um coágulo na cabeça, e esse coágulo se formou porque ela apanhou na época da ditadura, bateram tanto nela que formou merda na cabeça dela””.

A partir destes eixos de observação, então, a professora fez a análise do discurso, baseada em autores de diferentes vertentes. Ela percebeu, por exemplo, que estes discursos se repetem na sociedade a respeito das mulheres em geral, e que não era algo unicamente endereçado à Dilma. Naturaliza-se o discurso de que a mulher é louca, com diversas palavras para dizer isso e, assim, deslegitimar sua atuação.

No caso de Dilma e a referência frequente ao insulto de ‘burrice’, Perla lembrou da referência ao ‘Dilmês’, que ganhou até livro. Já em relação à moral sexual, a autora faz uma referência ao discurso religioso, da associação à Maria – pura, casta, virginal – como ideal, e as prostitutas do lado oposto, e cita também o adesivo que foi criado na época do impeachment, com Dilma de pernas abertas, para ser colocado no tanque de gasolina do carro. “Quando colocava para abastecer, era como se o cano fosse um pênis penetrando-a. Essa imagem é muito forte, porque coloca a imagem dela como uma mulher disponível sexualmente, e a gente sabe como isso é mal visto na sociedade”, afirma a professora.

Todos os insultos feitos à Dilma nestes comentários, segundo o estudo, mostram como é construído, discursivamente, um lugar para a mulher na sociedade. “Existem mecanismos de repetição. [Os discursos] vão se repetindo, até que se solidificam. Eu digo na tese, por exemplo, que quando você diz que uma mulher é louca, você não diz isso de uma forma só. Você diz: ela não está bem do juízo, ela está surtada, ela está na TPM, tudo isso são formas diferentes de dizer a mesma coisa”.

Pessoalmente, para Perla, a maior dificuldade da pesquisa foi ter que lidar com os dados. “Eu li umas cinco vezes todos esses dados. Tem hora que você fica, meu Deus, eu não acredito que as pessoas são capazes de falar isso publicamente sobre uma mulher. E todas as pessoas que leram sentiram o mesmo incômodo... Teve uma professora da UFMT que fez a revisão da tese, e ela disse que ela se sentiu muito mal, porque é muito violento, é discursivamente violento”, conta.

Segundo a professora, outra conclusão foi de que, se as pessoas veem um sujeito e se sentem autorizados a falar sobre ele dessa forma, ele perde o valor. “Se é uma pessoa que é louca, que é burra, que é nojenta e que é devassa, ela não tem valor. Você pode bater, você pode estuprar, você pode matar, porque ela vale menos na sociedade”, lamenta. E este discurso se estende tanto para outras mulheres na política quanto para todas, em seu dia a dia. “A violência começa na linguagem. É um problema notório a questão da violência de gênero, a violência contra a mulher. Se a gente vai combater essa violência, nós temos que começar repensando a forma como a gente fala sobre a mulher”, finaliza.

A tese estará disponível em breve no site do programa.
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