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Aos 66 anos, cuiabana protagoniza curta e se redescobre como atriz: ‘vou atuar até chegar aos 100’

Da Redação - Bruna Barbosa

As realidades de Benedita Cândida da Silveira, de 66 anos, e de Valda, personagem interpretada por ela em “A Velhice Ilumina o Vento”, se entrelaçam:  mulheres periféricas, negras e trabalhadoras. Valda existe apenas no curta de ficção mato-grossense dirigido por Juliana Segóvia, mas na vida real, Benedita também segue mostrando que a velhice pode ser encarada com outro olhar e que nunca é tarde para aceitar nenhum desafio. Pela atuação no filme, a cuiabana foi premiada como melhor atriz e, desde então, já atuou nos documentários "Bendita", que conta sua história, "Aqui jaz a melodia" e no clipe "Chorar", de Karola Nunes e Pacha Ana. 

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Sentada no sofá coberto com tapetes de crochê na casa em que mora no bairro Jardim Passaredo, na periferia de Cuiabá, Benedita não desfaz o sorriso ao lembrar sobre o dia em que recebeu o convite para atuar pela primeira vez. Sem medo de aceitar um desafio, conta, ela não precisou pensar muito para aceitar. 

“Descobrir o lado artístico foi uma surpresa e um desafio. Um dia estava aqui em casa muito tranquila e a Luiza, filha de uma amiga minha, chegou falando que elas estavam precisando de uma pessoa para atuar em um curta da Juliana Segóvia. Ela falou: ‘a mulher que a gente precisa tem o seu perfil, você toparia?’ Respondi: ‘Vambora’, assim naturalmente, não pensei duas vezes, porque gosto de desafios”. 

Benedita não tinha experiência com atuação ou cinema, apenas algumas poucas memórias de apresentações teatrais na escola e de quando trabalhava como agente de saúde, mas isso não a intimidou. “E deu certo, desse curta já fiz o Bendita, fiz um videoclipe, ganhei um documentário, agora por último lançaram o ‘Aqui jaz a melodia’, fiz a Mãe Dira, atuei com o Justino Astrevo”. 

Filha de pais mineiros, Benedita mora no Jardim Passaredo desde 1994, quando deixou Nova Mutum (MT) para cuidar da mãe que enfrentava problemas de saúde em Cuiabá. Quando chegou no bairro, encontrou apenas mais duas casas além da que ela moraria. 

“Não tinha energia certa, água, nada, era tudo de poço. Minha energia vinha de longe, era o fio no chão para poder chegar até em casa. Conseguimos comprar aqui, eram duas pecinhas, depois de dois anos que estávamos aqui veio o grilo, a invasão, foi quando o bairro começou a crescer”. 



Assim que retornou para a cidade em que nasceu, Benedita ficou sabendo de um concurso para selecionar agentes comunitários. Foi assim que entrou na carreira da Saúde, onde atuou por sete anos até precisar deixar o cargo para cuidar da mãe que, ainda mais debilitada, já estava desenganada pelos médicos. 

“Minha mãe entrou em fase final e eu tive que me afastar, tive que fazer uma escolha: cuidar dela ou continuar no trabalho. Preferi cuidar da minha mãe, porque o emprego todo o tempo você tem, arruma outro, mãe é só uma. Ela teve AVC, era cardíaca, tinha 86 anos”. 

Quando a mãe faleceu, a cuiabana decidiu agarrar outra oportunidade: fazer um curso de cuidadora de idosos. A profissão a acompanhou de 2018 até maio deste ano, quando deixou o emprego em uma residência terapêutica. De origem humilde, Benedita conta que sempre precisou correr atrás para colocar comida na mesa.”Desde os meus 17 anos, somos três irmãos e todo mundo da minha família tinha que correr atrás”. 

Como foi uma das primeiras moradoras do Jardim Passaredo, Benedita estabeleceu um vínculo afetivo com a vizinhança. Durante 12 anos, ela foi presidente da Associação de Moradores, representação que a deixou ainda mais conhecida pelas ruas da região. 

“Minha convivência aqui no bairro é maravilhosa, conheço todo mundo. Quando eu trabalhava na Saúde, meu apelido era ‘Jacaré’, depois me colocaram o apelido de ‘Xuxa’. Se perguntar para os antigos onde mora Jacaré, todo mundo sabe, e para os mais novos, me conhecem como Xuxa”. 

No quintal espaço da casa em que mora há 30 anos, onde criou os cinco filhos. Benedita conta que gosta de passar o tempo cuidando das dezenas de plantas que tem. Depois de protagonizar o primeiro curta, ela teve a história eternizada no documentário “Bendita”, que mostra a relação da cuiabana com o lugar em que mora e com a comunidade. 

“Eu amo minha casa, sou louca por plantas, hoje mesmo fui em um estúdio fazer umas fotos e já vim com muda de planta, onde vejo muda de plantas que não tenho, eu trago”. 

Benedita nas gravações de "A Velhice Ilumina o Vento", dirigido por Juliana Segóvia. (Foto: Reprodução) 

“Vou atuar até os 100 anos” 

Depois de aceitar interpretar Valda no curta de Juliana Segóvia, Benedita começou a participar do processo de produção audiovisual. Ela revela que chegou a pensar que teria dificuldade para memorizar o texto, por exemplo, mas as gravações correram tranquilamente, a deixando ainda mais segura para continuar atuando. 

Produzido pelo Coletivo Audiovisual Negro Quariterê, o curta percorreu festivais de cinema pelo Brasil e rendeu fãs à Benedita, que brinca ao contar das vezes que foi reconhecida por universitários da UFMT enquanto esperava pelo ônibus para casa perto da universidade. 

“Fiquei famosa sem nem fazer muito, todo mundo já me conhece. Esses dias estava voltando do trabalho, entrei no ônibus de manhã cedo, porque trabalhava a noite, quando falei bom dia para o motorista, ele disse que estava vendo televisão e me viu. Outras vezes estou no ponto de ônibus perto da UFMT e os jovens chegam para falar comigo, perguntam se sou a atriz da Velhice, pedem abraço e foto. Isso é gratificante demais, não precisa muito. Achei que esse trabalho seria uma coisa pequena e já virou tanta coisa”. 

No Quariterê, Benedita encontrou uma família, como se refere aos integrantes do coletivo. Nos ensaios, ela conta que sempre é tratada “como uma rainha” pelos colegas de set. Para a atriz, a convivência com pessoas mais jovens é um dos pontos altos, já que, assim como Valda, de A Velhice Ilumina o Vento, Benedita também é animada e gosta de sair. 

“Acho que sou a mais velha da galera, mas falo para eles: sabem por que gosto de ficar perto de vocês? porque sinto que não vou envelhecer. A gente termina o trabalho, vai para o boteco, bebe e dança, eu curto com eles enquanto eles estão lá. Não saio do Rebu com eles, eles falam: ‘Vambora, Benedita’. E eu vou com eles. Fora o respeito que eles têm por mim, eles têm um carinho muito grande por mim, um cuidado… É como se eu fosse a mãe de todos”. 

A atuação foi mais uma das atividades que Benedita encontrou para manter “a cabeça ocupada”. Sorrindo, como permaneceu durante toda a entrevista, ela explica não acreditar em “velhice”, para ela o passar dos anos e as mudanças que chegaram com a terceira idade não são sinônimo de fim. 

“Tem aquela coisa do preconceito que muitas vezes inibem as pessoas. Às vezes a gente fica sem coragem de fazer, porque alguém vai falar que eu sou velha ou feia, mas não, a gente tem que pelo menos tentar. Atuar foi apenas um desafio, uma brincadeira, fui achando que não ia conseguir. E está aí. Vou ser atriz até chegar nos meus 100 anos, vou atuar muito ainda”.

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