Apesar do envolvimento político forte por trás dos interesses das indicações ao Oscar®, aqueles selecionados para a categoria de “Melhor Filme” geralmente refletem as tendências do cinema no ano que se passara. A mudança da categoria de cinco para dez indicados em 2010 reflete também um crescimento exponencial de obras contundentes para o cinema com o passar dos anos além de uma influência maior da audiência e da mídia nas decisões da academia. Em 2014, a tendência ditada pelos indicados à categoria é uma análise profunda ao cidadão comum e a complexidade dos dramas da vida real, onde os personagens não se limitam a serem meras alegorias em cena.
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Reflexo também de uma era onde séries televisivas e seus personagens de diversas camadas fazem sucesso entre o grande público exatamente pelo tempo estendido que têm em cena para desenvolver seus dramas pessoais, os filmes da categoria este ano carregam também o interesse do espectador em destrinchar a fundo os dramas de seus personagens principais. Em um quadro como esse, não é de se estranhar que dos dez indicados, seis sejam inspirados em obras reais, com personagens tão profundos quanto os que regiam os dramas intimistas dos anos 70.
(A conversação – 1974, Cada um vive como quer - 1970, Taxi Driver – 1976)
Chamados comumente de “
dramas intimistas” ou “
dramas de ator” por serem geralmente calcados em grande parte, na atuação do ator principal - que conduz a trama com sua ótica, ou permeia a narrativa com seus pontos de vista a respeito do mundo, e auxiliam o expectador a avaliar a sociedade em que vivem no processo –, surgiram nos anos 70 entre a paranoia da guerra do Vietnam e a influência da
Nouvelle Vague francesa. “
A Conversação” de Francis Ford Coppola, “
Taxi Driver” de Martin Scorsese e “
Cada um vive como Quer” de Bob Rafaelson ajudam a pontuar filmes mais preocupados em como a pressão da sociedade reflete no indivíduo do que em tramas complexas com diversas reviravoltas, e seus frutos estão por toda a história do cinema desde então, e em peso este ano no Oscar®.
Entre a trajetória do escravo injustiçado de “
12 Anos de Escravidão”, o lobo em pele de cordeiro de “
O lobo de Wall Street”, o simples capitão sequestrado em “
Capitão Phillips” ou o cowboy contrabandista heroico de “
Clube de compra em Dallas”, surge uma produção mais modesta, com moldes folhetinescos e televisivos, sobre uma trajetória um tanto mais simples, mas não menos surpreendente. Falo de “
Philomena” de Stephen Frears. Baseado no livro não ficcional do jornalista inglês Martin Sixsmith, “
O Filho perdido de Philomena Lee”, o filme acompanha a trajetória do jornalista - recém-demitido de seu cargo como conselheiro do governo – e seus esforços em auxiliar a irlandesa Philomena Lee a encontrar seu filho, 50 anos depois de ter o mesmo levado à força por freiras para adoção.
A trama, que sugere uma linearidade e complexidade rasa de novelas televisivas, revela em si análises sobre o perdão e o pecado, conceitos católicos extremamente arraigados na sociedade ocidental. Philomena, que aparenta ser uma senhora ingênua e repleta de manias, como as personagens de folhetins e sua mania de
tricotar em qualquer lugar, desdobra-se em uma mulher com opiniões firmes e conceitos inspiradores por trás de sua vivência. Os olhos cheios de emoção de Judi Dench e seu trabalho primoroso em saber dosar a amabilidade de alguém que vê em todos uma companhia e uma boa conversa, e alguém que sofreu uma vida dura e apática, como faz questão de pontuar a fotografia, sempre em tons pastéis e opacos.
Principal também é Sixmith, interpretado por Steve Coogan que também produz e ajuda no roteiro. Seu jornalista, sempre cético e preocupado em descobrir a verdade por trás dos fatos, seria raso se Coogan não pontuasse seus questionamentos a respeito de seus valores e suas noções de culpa e redenção. Seu personagem, sempre em conflito com a situação em que se encontra, parece procurar sentido em sua vida que acabou de se desfazer e nos esforços de Philomena em encontrar seu filho apenas cinquenta anos após seu desaparecimento. Criada em convento, Philomena e seus preceitos cristãos confrontam os valores de Martin, e o desfecho da trama revela uma reflexão não esperada numa trama tão simples.
Assim como “
Capitão Phillips”, que concorre junto na categoria “
Melhor Filme” e “
Melhor Roteiro Adaptado”, que apresenta uma trama linear, mas que muda o tom de sua crítica com seu desfecho, “
Philomena” revela-se um exercício sobre o perdão e como ele é muito mais satisfatório para quem perdoa. Stephen Frears, que há muito tempo conquistou o Oscar de “
Melhor Filme” pelo novelesco “
Ligações Perigosas” e dirigiu Helen Mirren para o seu de “
Melhor Atriz” em “
A Rainha”, atenta-se aos erros do passado e opta por uma direção firme e simples e preocupa-se em tornar real a trajetória de seus personagens, que juntos formam o protagonista desta história que não se apoia na dramaticidade ou em grandes diálogos para apaixonar seus espectadores, mas na essência apaixonante de seus personagens.
Sem demonizar a igreja e seu papel no drama da personagem, Frears nos faz refletir sobre a ânsia em delegar culpados e o ímpeto humano em resistir às intempéries da vida. Seja nos doces comentários, na apaixonante resistência da personagem, ou no interessante mote de sua trajetória, “
Philomena” encanta com a banalidade de suas preocupações, e reafirma a ideia que de boas histórias fazem um bom cinema e merecem espaço nas grandes premiações, independente do peso de suas produções.
*Thales de Mendonça tem 22 anos, estudante de Cinema e Filosofia, trabalha com edição e criação de roteiros em São Paulo. Viciado na sétima arte, não fala de outra coisa senão filmes e seus desdobramentos na sociedade. Chato de carteirinha ama cinema asiático, filmes com banho de sangue e dramalhões pra chorar aos domingos.