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O CD completa 33 anos com vendas em queda e futuro incerto

O Globo

RIO - Lançado no Brasil no mês passado, “Como a música ficou grátis — O fim da indústria, a virada do século e o paciente zero da pirataria” (Intrínseca), do jornalista americano Stephen Witt, é um livro de personagens. Estão lá, entrelaçadas, as histórias do alemão que inventou o revolucionário sistema de compressão de arquivos musicais MP3 e do americano que vazou mais de dois mil CDs para a pirataria antes do lançamento. No entanto, o grande personagem do livro — que, por sinal, ilustra sua capa — é o bem conhecido compact disc. Formato que estreou no mercado em 1982, prometendo levar para todos os lares o som digital, límpido e sem chiados, o CD chega aos 33 anos de idade sem ter muito o que comemorar.

O ano de 2015 é simbólico para a trajetória desse formato que acabou propiciando o desenvolvimento da pirataria musical em larga escala (já que, por ser digital, pode ser copiado sem perda sonora e depois circular pela internet, ao contrário do que acontecia com as velhas fitas cassete). Num relatório publicado em abril, a Federação Internacional da Indústria Fonográfica apontou que, pela primeira vez na História, as receitas digitais (de downloads e streaming) e físicas (CDs, DVDs, LPs) tinham se igualado no mundo, em 46% (o restante vem dos direitos sobre shows, filmes e publicidade).

Já no Brasil, segundo a Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD), nos primeiros seis meses de 2015, verificou-se uma queda de 11,5% na venda de música em meios físicos. E, assim, pela primeira vez, o faturamento das grandes gravadoras brasileiras com a música digital ultrapassou o da física, graças, principalmente, ao fenômeno do streaming.

— Em 1997, os CDs ainda eram algo útil, portátil, você tinha aparelhos para sair por aí ouvindo os discos — conta Stephen Witt, por telefone. — Mas eles ficaram obsoletos muito rapidamente, ainda mais depois de 2001, quando apareceu o iPod (o mais bem-sucedido tocador de MP3, desenvolvido pela Apple).

Witt lembra que a música já era digital desde 1982 e que o CD foi criado com a expectativa de que duraria muito tempo.

— O problema é que a tecnologia evoluiu mais rápido do que se esperava, e os sistemas de compressão de arquivos se desenvolveram, possibilitando a distribuição digital de música — lembra ele, que, já em 1997, costumava baixar muita música dos piratas em circulação pela rede. — Na época, eu me perguntava de onde vinham todos aqueles discos que eu baixava. Foi o que me levou ao livro.

“SEM RELEVÂNCIA”

As projeções para a sobrevivência do CD (que em seus tempos de glória levou os brasileiros a comprar 3,328 milhões de cópias de um único álbum, “Músicas para louvar o Senhor”, do Padre Marcelo Rossi — até hoje o CD mais vendido do país) variam.

Em conversa com O GLOBO, em junho, o ministro da Cultura, Juca Ferreira, chegou a comentar:

— Numa reunião recente com músicos, fui falar de CD e... uma das artistas me disse na hora: “Olhe, eu lhe dou todos os meus CDs de presente. E não falamos mais nisso. Vamos evitar essa discussão sobre CD porque ela não tem relevância, vamos nos concentrar totalmente na discussão do direito autoral na internet”.

Mesmo do lado dos apocalípticos, o autor de “Como a música ficou grátis” é um pouco mais otimista em relação ao CD do que a artista que desabafou com Juca Ferreira.

— Enquanto eu estava escrevendo o livro, a pirataria tinha sido derrotada pelos sistemas de streaming, com seus acervos organizados, bem mais completos que os dos piratas. Era uma plataforma completamente nova. Os CDs ainda estão por aí, de alguma forma. Mas, em dez anos, globalmente, eles devem deter uma porção muito pequena do mercado, cerca de 5% — calcula ele. — Os LPs de vinil (que ressurgiram com alguma força nos últimos anos) são uma coisa retrô e hoje detêm algo próximo de 2% do mercado, podendo crescer. Ao menos, eles contam com a diferença do som, analógico. Isso não acontece com o CD, o som dele é o mesmo som do streaming. Os CDs, na verdade, não passam de uma mídia feita para se armazenar dados digitais.

O presidente da ABPD, Paulo Rosa, pensa bem diferente. E acredita numa virada de jogo:

— O CD é, sim, uma mídia muito segura para quem quer armazenar dados. E, por isso, creio que ele vá continuar relevante por pelos menos três ou quatro anos para qualquer lançamento com alguma força comercial. A venda de música em meio físico no Brasil é bastante sazonal, ela sempre aumenta no segundo semestre do ano. Mas, de uma forma geral, ninguém sabe até onde essa queda pode ir, onde ela se estabilizará. Projeções anteriores diziam que o suporte físico iria acabar por volta de 2005. Acredito que sempre haverá um lugar para a mídia fixada de música, seja CD, DVD ou pen drive. Além disso, em grandes mercados do disco, como o Japão e a Alemanha, o CD continua forte.

Uma das maiores produtoras de CDs no Brasil, a Sony Music tem optado, nos últimos anos, por uma estratégia singular: lançar as carreiras de seus novos artistas sem o uso do formato físico.

— Nesses casos, não necessariamente lançamos os discos em CD ou DVD, embora esse seja o desejo da grande maioria dos artistas — conta Flávio Vilela, diretor de vendas da Sony, que, por sinal, é a gravadora que põe no mercado os discos de Roberto Carlos, um dos tradicionais presentes a se deixar no pé da árvore de Natal. — O canal físico permanece relevante em termos de faturamento, vamos seguir investindo e acompanhando o comportamento do mercado. Temos resultados muito expressivos com alguns artistas no físico, principalmente nos segmentos religioso, infantil e sertanejo. Mas isso não significa que não exista o consumo digital dos lançamentos desses artistas, ao contrário. No caso do Roberto Carlos, temos tido excelentes resultados em todos os canais, não somente no físico.

Fundador da distribuidora independente de CDs e DVDs Canal3 (que também trabalha com discos das principais gravadoras major do país), Daniel Nunes já atuou em gravadoras como a Universal Music e a Trama, no auge do CD, e aposta que o formato físico tem bastante lenha para queimar nos próximos anos:

— Ainda há no Brasil artistas que lançam CDs com tiragens iniciais de 100 mil cópias, principalmente no segmento gospel e religioso. E ano passado tivemos o fenômeno do Padre Alessandro Campos (lançado pela Som Livre, o álbum “O que é que eu sou sem Jesus” vendeu 864 mil cópias só em CD). Fábricas de CDs no país, como a Novodisc (em São Paulo e Manaus), estão operando com boa capacidade por causa da procura.

Especialista em mercado independente, Daniel Nunes afirma que, diferentemente da realidade das grandes gravadoras, aferida pela APDB (que aponta para o encolhimento na venda de CDs), os artistas à margem dos grandes números têm mantido o apreço pelos formatos físicos. E, fora os nomes muito independentes (que optam pelo cultuado LP de vinil), isso significa mesmo o velho CD.

— Quem já tem uma carreira mais ou menos longa quer lançar seu CD ou DVD. É um produto que esses artistas vendem em shows, que levam em suas turnês — diz o empresário.

Dono do selo Discobertas, especializado em relançar, em formato de CD, LPs históricos da MPB, Marcelo Froes acredita que uma mudança de expectativas artísticas é o que fará a diferença para a permanência dos disquinhos prateados. Para ele, a música deve voltar a um esquema mais artesanal:

— As pessoas estão mal acostumadas. O objeto disco existe há mais de cem anos, mas ele só começou a dar dinheiro de verdade a partir dos anos 1960, quando os álbuns viraram superproduções. Hoje, o mercado para o produto físico se estabelece pela descomplicação dos meios de produção, meio como acontecia com a indústria fonográfica até os anos 1950.

Para Stephen Witt, porém, se a música está fazendo uma volta ao passado, é para a era de ouro do rádio, em que as pessoas ainda não tinham o disco como um objeto corriqueiro de consumo.

— A música está deixando de ser uma commodity para virar algo como o fornecimento de eletricidade e de gás. As pessoas estão abandonando o meio físico. Para as novas
gerações, a música é algo que vem por streaming, que flutua no ar — afirma ele, para quem a queda na venda de álbuns físicos (e muito rentáveis) não afetará a sobrevivência das estrelas globais do pop, rap e rock. — O que mudou é que eles não dependem mais tanto dos álbuns quanto dependem dos shows. Hoje, há o fenômeno desses grandes festivais integrados, em que você vê apresentações de um monte de artistas diferentes pagando cento e poucos dólares. O dinheiro deles virá dos hits.

E como ficará a indústria fonográfica nessa história toda?

— Ela será menor, voltada para artistas mais comerciais, e não precisará mais do ramo fonográfico — aposta Stephen Witt, que não crê, por exemplo, no Tidal, serviço de streaming criado pelo rapper Jay Z. — É bem difícil para os artistas se virarem sozinhos no streaming, eles precisam de alguém que negocie coletivamente para eles.
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