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O cerco do poder judiciário contra as criptomoedas.
Autor: Victor Hugo Senhorini
07 Out 2025 - 08:00
O CriptoJud, sistema em desenvolvimento pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sinaliza um importante esforço do Judiciário para agilizar a penhora e liquidação de criptoativos em processos de execução fiscal e cível, e, em falências.
A iniciativa visa combater, em especial, fraudes de grandes devedores, que conseguem se furtar de credores e escoar o patrimônio com uso desses ativos digitais.
Para isso, o novo sistema do CNJ está vinculado a um acordo de cooperação técnica celebrado em setembro deste ano com a Associação Brasileira de Criptoeconomia (Abcripto). A entidade reúne diversas exchanges (corretoras de cripoativos) atuantes no Brasil, entre outros atores interessados nesse mercado, como bancos e escritórios de advocacia.
A ideia é que o CriptoJud funcione de modo equivalente ao SisbaJud, usado para o bloqueio de valores em contas bancárias e ativos mobiliários, como ações. A nova plataforma vai se ater a criptoativos, como as criptomoedas, e para funcionar, será necessária a adesão de cada exchange ao sistema.
Atualmente, funciona da seguinte forma.
Antes de eventualmente ordenar a penhora, a Justiça precisa oficiar cada exchange, geralmente as mais conhecidas, para identificar se guarda algum ativo do devedor.
O CriptoJud deverá, portanto, encurtar esse caminho.
Porém, o alcance do CriptJud deverá ter, ainda assim, limitações, pelo fato de que os criptoativos não precisam necessariamente estar custodiados nas corretoras online, segundo especialistas.
No caso do Bitcoin, por exemplo, que inaugurou o mercado das criptomoedas e se tornou a mais famosa dos milhares já existentes, cada carteira digital que agrega o ativo conta com uma chave pública e uma outra privada.
A primeira dessas chaves é uma espécie de endereço que permite identificar a carteira na blockchain, como é chamada a rede de dados que registra as transações da criptomoeda. Já a segunda chave opera como uma senha, sobre a qual apenas o dono tem ciência, para que possa efetivamente transacionar os recursos dos quais dispõe.
Nesse contexto, dizem os especialistas que essa chave privada pode ser guardada pelo investidor em um dispositivo físico e offline, chamados de cold wallets (ou “carteiras frias”), algo como um pen drive ou um computador, o que, portanto, vai escapar do CriptoJud.
Outro ponto que se deve levar em conta ainda, é que a blockchain de cada criptomoeda funciona como um livro contábil que registra as transações entre os investidores daquele ativo, mas não dispõe de uma autoridade central de emissão e regulação — como, por exemplo, o Banco Central que atua junto ao real — capaz de bloquear os recursos ali transacionados.
Sendo assim, cada blockchain é descentralizada, amparada pelos computadores dos usuários que operam aquela criptomoeda, e cada máquina ligada à rede empresta sua capacidade de processamento para validar as transações entre os investidores e garantir que não houve fraudes nem gastos duplicados, em troca de novas unidades emitidas do ativo.
Ou seja, mesmo que seja possível rastrear o caminho de uma criptomoeda e identificar sob posse de qual usuário ela está, não há como efetivamente “colocar as mãos” no ativo encontrado.
Porém, embora não resolva o problema, o novo sistema se mostra importante pois possibilita o cumprimento rápido das determinações judiciais que visam a localização e o bloqueio dos criptoativos, e se mostra mais um importante passo dado no relevante percurso do sistema econômico brasileiro para que as operações com criptomoedas se tornem mais transparentes e acessíveis ao poder público.
Victor Hugo Senhorini é Advogado e Consultor Jurídico, Professor Universitário de Direito Público.