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A Recuperação Judicial do produtor rural em tempos de pandemia

Vivianne Rodrigues de Oliveira

É inegável a crise econômica que o país tem passado com a pandemia e, na contramão, está o setor do agronegócio que corresponde a 30% do PIB brasileiro.

Ainda com a crise em pleno movimento, com safras recordes e aumentos nas exportações, o agronegócio tem apresentado resultados positivos o que pode significar, em um futuro próximo, a redução dos prejuízos da economia brasileira.

Os especialistas do setor acreditam que o agronegócio será o motor da recuperação, pois, em 2020, foi o único setor da economia que teve resultado positivo no PIB do primeiro trimestre, com crescimento de quase 2% em comparação ao trimestre anterior.

Com a importância do setor, é importante entender que, quando um produtor rural tem a produção interrompida e, por vezes liquidada, não só ele perde, mas todo o setor econômico que ele movimenta.

Neste sentido, negar ao produtor rural o direito à recuperação judicial de forma a manter a atividade econômica por ele desenvolvida é ratificar as dificuldades e hostilizar a força do setor agrícola para o país.

Para o produtor rural que necessita se valer do benefício da recuperação judicial quando em dificuldades financeiras é essencial saber que esse é o remédio mais acertado para a preservação da força que vem do campo e da finalidade atribuída pelas leis brasileiras.

O produtor rural precisava de uma proteção legal e de um sistema eficaz para reestruturar as dívidas, ou seja, uma forma de negociar e quitar os débitos e continuar com a atividade econômica.
 
A Lei nº 11.101/2005, no art. 47, institui que a recuperação judicial viabiliza a superação da situação de crise econômica do devedor ao manter a fonte produtora e estimular a atividade econômica.

Ou seja, o instituto da Recuperação Judicial, elencado na Lei 11.101/2005, é a alternativa para a empresa que está em crise, se recuperar, manter as atividades comerciais e preservar a função social.

A grande questão era quanto ao direito à recuperação judicial do produtor rural que não tem o registro mercantil nos 2 (dois) anos anteriores à data do pedido.

A problemática residia entre a legislação civilista e a recuperacional, pois que o art. 971, do Código Civil atesta que o exercício da atividade rural de forma profissional independe do registro mercantil, no caso de pessoas físicas que trabalham como produtor rural de forma habitual em atividade empresarial, com o intuito de flexibilizar e incentivar o setor. Da mesma forma, o artigo 966, do CC, admitiu que a atividade rural se enquadra no regime de empresário, desde que constitua elemento de empresa.

Já a lei 11.101/2005, no artigo 48, diz que somente poderá requerer a recuperação judicial aquele que comprovar o exercício regular da atividade empresária por mais de 2 anos, além de ter o devido registro na Junta Comercial (de acordo com o artigo 51 do mesmo diploma legal).

Em tese, para a lei, a exigência do prazo de dois anos de atividade agrária comercial é para evitar eventual oportunismo de empresas recém-constituídas e que obtenham, de forma indevida, os benefícios da recuperação judicial. E isso é uma lógica.
Já os tribunais brasileiros tem decidido de forma diferente.

O TJ paulista tomou decisão, publicada no Diário Oficial da União, de 11 de maio de 2018, referente ao Agravo de Instrumento nº 2251128-51.2017.8.26.0000, reconhecendo que consideram o produtor rural como empresário de fato, apto a requerer a recuperação judicial, mesmo sem registro há 02 (dois) anos na Junta Comercial.

No mesmo sentido, o STJ em recente decisão, entendeu que a inscrição legal do produtor rural era mera formalidade e que, basta a inscrição ser anterior ao pedido da recuperação judicial, independente do lapso temporal desse registro.

Com isso, todas as dívidas podem ser objeto de recuperação judicial, ainda que dívidas da pessoa física do produtor rural.

Pois bem, no tocante ao dilema da viabilidade da recuperação judicial do produtor rural, em junho de 2019, durante a III Jornada de Direito Comercial do STJ, se posicionou por meio dos enunciados 96 e 97, no sentido de que é possível que o produtor rural, pessoa natural ou jurídica, se utilize dos institutos da Lei nº 11.101/2005.

Em razão da insistente crise brasileira, o judiciário foi impulsionado a dar atenção à possibilidade da recuperação judicial do setor do agronegócio brasileiro.

Com isso, quem pratica a atividade empresária rural sem o registro mercantil exerce regularmente a atividade enquadrada como empresária, já que é facultativa a inscrição do produtor rural na Junta Comercial.

É importante dizer que o registro tem natureza declaratória e não constitutiva. O que torna alguém empresário não é o registro na Junta Comercial, mas sim o exercício profissional de uma atividade econômica organizada para produzir ou circular bens ou serviços.

Em suma, o registro é uma mera formalidade, não podendo ser excluído da recuperação judicial o produtor rural que comprovar o efetivo exercício da atividade por mais de 2 (dois) anos, anteriores à data do pedido de recuperação.

A questão é não excluir a possibilidade da recuperação judicial ao produtor rural que comprove a atividade regular por período superior a 2 (dois) anos simplesmente por falta do registro prévio, visto que facultativo.

É notório que, quando uma empresa fecha as portas, toda a cadeia produtiva, empresarial e econômica, em que ela está inserida, entra em colapso.

O equilíbrio econômico é o resultado de uma economia fortalecida, da atuação empresarial preservada e da atividade comercial incentivada pelo comércio diversificado e amplo, à disposição da sociedade.

Assim, entende-se por acertada a jurisprudência que positivou quanto à não-obrigatoriedade da comprovação do tempo de registro da atividade rural, ou seja, o produtor rural não precisa estar inscrito há mais de dois anos no órgão público competente, basta a demonstração de exercício da atividade rural por esse mesmo período e a comprovação da inscrição anterior ao pedido, para, enfim, fazer jus aos benefícios de uma recuperação judicial.


Vivianne Rodrigues de Oliveira é Advogada de Direito Econômico e Direito Empresarial. Administradora Judicial. Pós-graduada em Direito Público. Pós-graduanda em Direito Empresarial. Pós-graduanda em Recuperação Judicial, Extrajudicial, Falência e Gestão Judicial. Especialista em análise econômica das políticas públicas. Bacharel em Ciências Econômicas. Vice-Presidente da Comissão de Falência e Recuperação Judicial da OAB/DF, Subseção de Taguatinga. Secretária-Geral da Associação Brasileira de Advogados – ABA. Diretora de Pós-Graduação da Universidade Corporativa da ABA – UNIABA/FAC-ED. Podcaster no Canal do Youtube Brain Jurídico.  Colaboradora da Rádio Justiça – STF.
 
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