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ENTREVISTA ESPECIAL

Pesquisa do CNJ mostra que MT tem o júri popular mais lento do país; Advogado explica

25 Jun 2017 - 09:10

Da Redação - Paulo Victor Fanaia Teixeira

Foto: Rogério Florentino Pereira/OD

Tribunal do Júri

Tribunal do Júri

Esperar quase nunca é agradável. Há quem se desespere por aqueles 30 dias que antecedem o vestibular ou minutos antes de uma entrevista de emprego. Mas, já se imaginou aguardando por mais de seis anos o recebimento de uma sentença judicial que pode colocá-lo na prisão? Esta é a realidade de réus da 1ª Vara Criminal da Justiça de Mato Grosso, Vara responsável pela condução dos chamados “Tribunais do Júri”, em Cuiabá.  

Um estudo inédito produzido pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apresenta dados sobre os andamentos processuais dos Tribunais de Júri e revela: dos sete Estados analisados, Mato Grosso é o mais demorado para proferir sentenças. 

O que explica o tempo de duração de um Tribunal de Júri? Por que Mato Grosso é o mais lento? Olhar Jurídico foi a fundo do assunto e entrevistou o advogado Waldir Caldas, presidente da Comissão de Direito Carcerário da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Mato Grosso (OAB-MT), que dispara: o Estado é gigantesco, burocrático e mata muita gente. Entenda:

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Contando com um colegiado popular – formado por sete cidadãos – o Júri é o órgão especial do Poder Judiciário que trata de crimes dolosos contra a vida (homicídio e tentativa de homicídio). Em Mato Grosso, entretanto, o processo tem sido longo demais.

Segundo o estudo do CNJ, o tempo de duração do processo, que mostrou variação relevante entre os tribunais analisados, foi considerado a partir de diferentes variáveis: incidência de redistribuições; resultado do julgamento (condenação/absolvição); gênero da vítima, gênero do réu e ocorrência do homicídio no âmbito da Lei Maria da Penha.

A pesquisa se debruçou sobre dados de Tribunais de Júri dos seguintes Estados: Acre, Amapá e Roraima (Região Norte), Paraíba (Região Nordeste), Mato Grosso (Região Centro-Oeste), Minas Gerais (Região Sudeste) e Rio Grande do Sul (Região Sul).

De acordo com o DPJ, a chamada “classificação processual” apresentou elevado impacto na distribuição dos processos. Quando um processo é aberto, formalizado e passa a receber um código e uma numeração única dentro da Vara onde este processo seguirá tramitando até o fim, resultaram em processos mais rápidos. Por outro lado, aqueles processos que foram redistribuídos (isto é, encaminhados de uma Vara para outra) tiveram, em média, redução de 30% na velocidade da tramitação.

O Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJMT) foi campeão neste aspecto. Somos a justiça Estadual que mais transporta processos de um juiz para outro.  Nosso índice de redistribuição é de 70,2% dos casos e, consequentemente, o maior tempo de duração de um processo.

Em casos de absolvição, os Júris de MT duram em média 06 anos e 11 meses, já para condenação, 05 anos e 05 meses. Os números são altos, se comparados ao tempo de duração de um processo no Norte do país. Lá, eles duram 04 anos e 05 meses em casos de absolvição e 03 anos e 09 meses, havendo condenação.
 

Para o presidente da Comissão de Direito Carcerário da OAB, Waldir Caldas, os dados devem ser analisados compreendendo quatro aspectos importantes. Ele explica:

Primeiro: é inegável o mérito do TJMT, pois somente ele e outros seis, dentre todos os Estados da Federação, conseguiram manter atualizados estes dados e repassá-los ao CNJ. Temos mais de 15 Estados que ignoraram isso. Segundo: dentre os sete Estados avaliados, Mato Grosso é o que registra a maior quantidade de homicídios por 100 mil habitantes, disparadamente. Matamos quatro vezes mais que em outros Estados da pesquisa. Essa diferença na quantidade de processos por crimes dolosos contra a vida impacta no resultado da pesquisa, pois uma coisa é fazer dois júris por ano, outra coisa é fazer trinta”, explica o advogado.

As outras duas características, segundo Waldir Caldas, são as mais fundamentais no entendimento da peculiaridade da justiça Mato-grossense. Ele explica isto citando um exemplo claro:

Terceiro: Mato Grosso é o maior Estado, em termos de território, desta pesquisa. Qual a implicação disto? Veja a seguinte situação: alguém foi baleado lá em Guarantã do Norte (a 719 km de Cuiabá ou 9h de viagem). Ele vem receber atendimento médico especial em Cuiabá, mas morre ao chegar na capital. O direito penal diz: o local do crime é o local onde ele se consuma (onde a vítima falece), logo o processo é instaurado em Cuiabá. Mas, o fato ocorreu em Guarantã e as testemunhas estão todas lá. Já imaginou a dificuldade para expedir cartas precatórias nesta distância, para que sejam intimadas e ouvidas todas estas testemunhas no juízo de Guarantã? Aí intimam e eles não aparecem...e depois disto, todos os autos voltam para integrar o processo que tramita em Cuiabá!”.

Waldir Caldas conclui sua avaliação apontando para a 1ª Vara Criminal, responsável por receber processos de quatro outras Varas de Instrução. Entenda: “Em Cuiabá nós temos quatro Varas que fazem a instrução dos processos de crimes dolosos contra a vida, à saber: duas Varas de Violência Doméstica e Familiar, uma Vara de Crimes Contra Crianças e Idosos (14ª Criminal) e a 12ª Vara Criminal. Os processos tramitam nestas Varas até o momento em que ocorre o trânsito em julgado e a decisão de pronuncia. Ocorrendo isso, o processo é encaminhado, destas quatro Varas, para a 1ª Vara Criminal, onde é feito redistribuição. Ou seja, a 1ª Vara Criminal faz todos os júris dos processos que foram instruídos em quatro Varas criminais. Ora, temos júris todos os dias em Cuiabá, às vezes eles ocorrem de manhã e de tarde”.
 

* Advogado Waldir Caldas, atuando em um Tribunal de Júri, no Fórum de Cuiabá. 

É assim mesmo...:

Desse modo, conclui Caldas, não há que se culpar o TJMT por eventual lentidão, como se houvesse má vontade ou ingerência. “Não se pode atribuir à desídia do judiciário esta demora maior em julgamentos de processos de júri em relação aos outros Estados. Particularmente não vejo com perplexidade ou anormalidade, considerando estas quatro peculiaridades. Esta é a realidade. Temos juízes diligentes, um pessoal altamente qualificado, mas o volume é muito grande mesmo, são muitos processos, o Estado mata muita gente. Não dá para comparar com o Acre, onde se mata em um ano o que se mata aqui em um fim de semana!”, conclui.

Mudanças:

Afinal, se a lentidão da Justiça Mato-Grossense “é assim mesmo”, o que fazer para melhorar e tentar, ao menos, acelerar o andamento processual. Waldir Caldas avalia uma alteração importante já feita de uns anos para cá:

A inovação legal que autorizou que réus sejam julgados à revelia. Antes, processos que ficavam parados por 15 anos, 20 anos, pois o réu simplesmente sumia. Como se fazia o julgamento dele, se a lei não autorizava? Hoje autoriza e a justiça está ‘limpando’ a pauta. Isto está sendo feito, eu mesmo já atuei, há duas semanas, em um processo cujo fato ocorrera 15 anos atrás! Ainda assim um dos réus fora julgado à revelia. Antigamente isso não era possível, bastava que o réu fugisse que o caso ficaria parado, sem julgamento”.

O Brasil ocupa atualmente o primeiro lugar no ranking mundial de homicídios, com mais de 59 mil casos registrados em 2014.

O Tribunal do Júri foi instituído no Brasil em 1822 e está previsto na Constituição Federal. Ele é responsável por julgar crimes dolosos contra a vida. Neste tipo de tribunal, cabe a um colegiado de populares – os jurados sorteados para compor o conselho de sentença – declarar se o crime em questão aconteceu e se o réu é culpado ou inocente. Dessa forma, o magistrado decide conforme a vontade popular, lê a sentença e fixa a pena, em caso de condenação.

São sorteados, a cada processo, 25 cidadãos que devem comparecer ao julgamento. Destes, apenas sete são sorteados para compor o conselho de sentença que irá definir a responsabilidade do acusado pelo crime. Ao final do julgamento, o colegiado popular deve responder aos chamados quesitos, que são as perguntas feitas pelo presidente do júri sobre o fato criminoso em si e as demais circunstâncias que o envolvem.

Para fazer o alistamento e participar de julgamentos, o cidadão precisa ter mais de 18 anos, não ter antecedentes criminais, ser eleitor e concordar em prestar esse serviço gratuitamente (de forma voluntária). São considerados impedimentos para ser jurado o cidadão surdo e mudo, cego, doente mental, que residir em comarca diversa daquela em que vai ser realizado o julgamento e não estar em gozo de seus direitos políticos. Nenhum cidadão poderá ser excluído dos trabalhos do Júri ou deixar de ser alistado em razão de cor ou etnia, raça, credo, sexo, profissão, classe social ou grau de instrução.

O outro lado:

Olhar Jurídico tentou ao longo de toda a semana contato com a Corregedora-Geral do TJ, mas sem sucesso. A Assessoria de imprensa informou que ela está em viagem e, portanto, impossibilitada de responder aos questionamentos da reportagem. 
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