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ENTREVISTA

Promotor estuda lei que autoriza fechamento de ruas: 'Não podemos ter proliferação de loteamentos fechados'

04 Jan 2018 - 14:10

Da Redação - Paulo Victor Fanaia Teixeira

Foto: Rogério Florentino/OlharDireto

Rua Fechada

Rua Fechada

"Não podemos ter essa proliferação de loteamentos fechados", lamenta o responsável pela 17ª Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Urbanística e do Patrimônio Cultural de Cuiabá, Gerson Barbosa. Mesmo após inúmeras denúncias, a Câmara Municipal aprovou por unanimidade o projeto de lei que autoriza o fechamento de ruas sem saídas nos bairros de Cuiabá. Moradores de diversos bairros "condomínios" hoje aguardam apenas a sanção de Emanuel Pinheiro (PMDB).

O promotor não se comove com as alegações da população, de que o fechamento da malha viária promove segurança e bem estar aos moradores. "Cada um tem sua desculpa para fechar a rua, o problema é o precedente”.

Neste 2018, é provável que a novela dos "condomínios" públicos não se encerre rapidamente. "Seria duvidosa a Constitucionalidade e a Legalidade de uma lei dessas”, adianta Barbosa.

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Conforme o texto aprovado no Legislativo, os moradores que vivem em ruas sem saída terão a permissão de solicitarem identificação daqueles que quiserem circular em vilas, travessas e ruas com características de “ruas sem saída” e que possuam pequena circulação de veículos. Atualmente isso já ocorre em aproximadamente 20 ruas em Cuiabá, que serão regulamentadas com a aprovação.

O próprio presidente da Câmara, o vereador Justino Malheiros (PV) reside em uma rua sem saída que foi fechada por moradores, em um bairro nobre de Cuiabá. O parlamentar chegou a ser alvo de uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público Estadual (MPE) no dia 17 de outubro.

Após a sanção do prefeito, os interessados em regulamentar a circulação de pessoas e veículos nas ruas com características de “ruas sem saída” terão que protocolar um pedido junto ao Poder Executivo Municipal, instruídos de documentos como a declaração de anuência de 70% dos proprietários dos imóveis situados nestes locais.

Olhar Jurídico entrevistou Gerson Barbosa a respeito:

“Fui até procurado pelo Vereador Luiz Cláudio (PP), ele querendo discutir o projeto e mostrei a ele o seguinte. Parece-me que estão querendo copiar uma Lei de São Paulo. Lá, porém, é outra realidade. Na capital paulista se alguém constrói algo irregular, no outro dia a fiscalização está lá para obstruir. Aqui não, aqui você constrói casa em APP, derruba vegetação, constrói paredes e nunca aparece um fiscal. São realidades distintas. Há uma nítida ineficiência do Poder Público quanto ao poder-dever de polícia. Essa responsabilidade é do Poder Público e não do MPE. Quando recebemos a informação, a recebemos 03 anos depois. Veja, esta Lei abre precedente e daqui a pouco todo mundo fecharia rua, sem o menor controle, pois não há eficiência do poder-dever de polícia, o que seria bastante temerário. Ainda, já há diversas ações judiciais questionando fechamento de rua. Portanto, já transferimos para o judiciário essa decisão e ele, por sua vez, tem sido implacável”.

É um problema de mesma natureza jurídica que a destruição das APP?

 “Sim, uma área APP, uma nascente e uma rua têm a mesma natureza jurídica, são bens de uso comum do povo”.

Que significa...

“Que todo loteamento precisa ter uma área verde acessível a todos. Onde você possa pegar sua família e dizer: ‘Eu vou lá ao Pedra 90, naquela praça que eles tem’. E se fecham a rua e criam condomínios? E o direito de ir e vir? ‘Ah, mas e os loteamentos fechados?’, podem dizer. Sim, mas loteamentos fechados já nascem fechados. Há muitas restrições para eles, é necessário um estudo de impacto e viabilidade. É bastante rigoroso, não podemos ter essa proliferação de loteamentos fechados, eles precisam estar rigorosamente dentro da Lei. Condomínio é diferente de loteamento, as ruas são exclusivas para transito dos moradores. Loteamento não, as ruas precisam se interligar com a malha viária do município, é complicado isso, é uso comum do povo. Algumas praça têm sido apropriadas por pessoas e o risco é que isso não se torne exceção, mas a regra”.

E como sempre em Cuiabá o debate vem sempre depois da realidade imposta...

“Os moradores que fecharam as ruas devem ter procurado o Poder Legislativo e colocado o problema e sensibilizaram eles, mas o que costumo dizer é o seguinte: ‘Cada um tem sua desculpa para fechar a rua, o problema é o precedente”.

Segurança justifica?

“Segurança deve ser resolvida pelo Estado. Cuiabá é a 29ª cidade mais violenta do mundo, realmente, mas esse problema afeta a todo mundo. Ora, eu não entrei com ações apenas contra fechamentos de rua da classe média e alta. Entrei com ações contra ruas em bairros de baixa renda também. Meu juramento me impede de tratar diferentemente as pessoas. A Lei é para todos. Ou seja, a violência atinge a todos nós. Partindo deste argumento, todos poderiam ter suas ‘ruas de estimação’? Todo mundo poderia fechar rua e transformar Cuiabá uma ilha? ‘Por que ele pode fechar e eu não se a violência atinge a todos?’. Todo mundo teria sua desculpa injustificável”.

Qual a situação hoje?

“Os vereadores foram gentis em nos ter procurado, eles perceberam a responsabilidade. O legislador tem o poder de legislar e neste caso, me salvo engano, a iniciativa deveria ter partido do prefeito, mas enfim. Eles têm poder de legislar, mas legislar em observância à Constituição da República e às Leis Infraconstitucionais. Seria duvidosa a Constitucionalidade e a Legalidade de uma lei dessas”.

O MPE poderá agir, constatada eventual Inconstitucionalidade?

“É possível”.
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