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Sábado, 14 de dezembro de 2024

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Afastamento de magistrados e operações contra esquemas de sentenças: presidente do STJ aponta "lobby" até em funeral

Foto: Gustavo Lima / STJ

Afastamento de magistrados e operações contra esquemas de sentenças: presidente do STJ aponta
Em meio as recentes operações contra esquemas de venda de decisões no Poder Judiciário do país, inclusive em Mato Grosso, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Herman Benjamin, concedeu entrevista à Folha de São Paulo e examinou o atual cenário vivido pelas Cortes. Benjamin definiu Brasília como a capital mundial dos “lobistas”, e que o lobby acontece até em “funeral”.


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Entrevista de Benjamin foi concedida após a repercussão negativa gerada pela Operação Ultima Ratio, que buscou desbaratar possível “esquema” de venda de decisões no Tribunal de Justiça do estado do Mato Grosso do Sul. Semanas antes da operação, veio à tona as informações contidas no “Iphone Bomba” do advogado Roberto Zampieri, assassinado em Cuiabá em 2023.

Nos dados extraídos do celular de Zampieri foi possível identificar suposto esquema de negociação de vendas de decisões, inclusive em gabinetes de quatro ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Além disso, as informações do Iphone evidenciaram que ele atuava como “lobista” no TJMT, sobretudo influenciando decisões dos desembargadors Sebastião de Moraes Filho e João Ferreira Filho, ambos afastados pelo CNJ no dia 1º de agosto.

Segundo a Veja, em sigilo, a Polícia Federal está investigando a venda de sentenças no gabinete de quatro ministros do STJ. Os documentos encontrados revelam que decisões dos ministros Isabel Gallotti, Og Fernandes, Nancy Andrighi e Moura Ribeiro eram vendidas. Diante das evidências, o CNJ encaminhou o caso à Polícia Federal e também à presidência do STJ.

As conversas, os documentos e os comprovantes de pagamento encontrados no celular de Zampieri revelam que o comércio de sentenças operava há pelo menos quatro anos. Há cerca de dois meses, depois da notificação do CNJ, os quatro ministros citados nas mensagens foram convocados para uma reunião. 

Venda de decisões no TJMT

A Corregedoria Nacional de Justiça determinou, em primeiro de agosto, o afastamento cautelar imediato das funções dos desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), Sebastião de Moraes Filho e João Ferreira Filho. 

Há indícios de que os magistrados mantinham amizade íntima com o falecido advogado Roberto Zampieri – o que os tornaria suspeitos para decidir processos patrocinados pelo referido causídico – e recebiam vantagens financeiras indevidas e presentes de elevado valor para julgarem recursos de acordo com os interesses de Zampieri.

Entrevista com Benjamin

Como o STJ tem lidado com essa crise?
O STJ não vive uma crise, exceto a de volume gigantesco de processos. O que temos são fatos isolados de uns poucos servidores que destoam da maioria dos integrantes da corte e que estão sendo investigados por alegações de venda de decisões. Em qualquer lugar do mundo, infelizmente, há sempre pessoas que não respeitam o interesse público, descumprem as regras mínimas de convivência republicana e não têm preocupação com a imagem da instituição à qual pertencem.

Essa investigação pode chegar a mais funcionários envolvidos?
Estamos apurando a fundo com a perspectiva de que o povo brasileiro fique satisfeito com as providências. Dois servidores já foram afastados, e as investigações continuam, com todo o rigor. O STJ tem mais de 5.000 servidores, e a investigação envolve um número muito pequeno.

Qual o sentimento do tribunal neste momento?
Os servidores e ministros estão muito incomodados porque trabalhamos para fazer do STJ uma corte exemplar. O tribunal é reconhecido no Brasil e no exterior como uma instituição exemplar no que se refere a sua produção jurisprudencial.

O que o STJ fez ou irá fazer para tentar coibir esta conduta?
O STJ tem um concurso de ingresso rigorosíssimo. Mas, evidentemente, não conseguimos ser uma instituição que impeça completamente a prática de malfeitos. Não há instituição no mundo que tenha conseguido. O que temos feito é criar mecanismos para dificultar a atuação de criminosos externos e internos, com ferramentas que indicam quem acessou qualquer processo.

Como impedir esse tipo de acesso?

Os ataques ocorrem por profissionais do crime. Não é difícil saber, pela análise dos processos julgados de um determinado juiz, como uma determinada questão será decidida. Existem formas de negociação de sentenças. O criminoso vai a um cliente desesperado e diz que consegue que o juiz julgue favoravelmente, e a pessoa desesperada paga. Mas está pagando por uma decisão que já seria naquele sentido.

A segunda é alguém que tem acesso à decisão em andamento e, quando a minuta está concluída, negocia. A terceira é alguém que trabalha na elaboração da minuta e inclui o ponto de vista do cliente do criminoso externo, o mais grave de todos.

Já sabe o que ocorreu dessas três possibilidades?

Não sabemos se houve a alteração de minuta. O que sabemos é que se encaixa ou na primeira, e aí em tese não haveria responsabilidade de servidores, ou muito provavelmente na segunda, em que o servidor teria acesso, podendo copiar e, com isso, fazer o vazamento de uma decisão que não era a final.

E os ministros têm alguma responsabilidade sobre os funcionários de seus gabinetes?

É impossível ao ministro controlar tudo, especialmente as duas primeiras hipóteses que mencionei.

Se for identificada a participação de ministros neste esquema, o que irá fazer?

As investigações, tirando dos servidores do STJ, já foram todas para o STF [Supremo Tribunal Federal], onde têm que estar por informações prestadas pelo Coaf [Conselho de Controle de Atividades Financeiras] de pessoas com prerrogativa de foro. O que não quer dizer, necessariamente, ministro do STJ. É, portanto, uma precipitação já se entender, antes de qualquer apuração, que a razão para essas investigações terem subido para o STF se deve à presença de ministros do STJ.

O que se vende muito em Brasília é o acesso aos gabinetes dos ministros. O que acha disso?

Brasília é a capital mundial dos lobistas, mas não o lobby legalizado, como em outros países. O lobby em Brasília é feito em restaurantes, até em funerais, missas, cultos religiosos. Muitas vezes, se vende acesso a ministros quando não se tem, mas há muitas pessoas crédulas a esses charlatões.

Vivemos num clima de vulnerabilidade, ainda mais porque damos palestras, participamos de eventos institucionais. Aceitamos tirar fotos sem pedir carteira de identidade, folha de antecedentes, e elas podem ser utilizadas para mostrar intimidade e influência com ministros, quando isso não existe.

O que acha que juízes devem abdicar pela carreira e sobre a participação de magistrados em eventos, até no exterior, bancados por empresários?

A magistratura não é carreira para quem quer ser rico, famoso e ou que não gosta de trabalhar. A principal característica do magistrado é a reserva, saber que o seu lugar e voz se manifestam nos autos. Querer ser reconhecido nas ruas, se envolver em polêmicas, ou ter proximidade exagerada com a classe política é incompatível com a magistratura. É muito comum que a má conduta de um reflita na instituição como um todo. Quem não quer essas responsabilidades não pode ser juiz, deve procurar uma outra profissão.

O senhor acha que há impunidade para juízes corruptos?

Não. O STJ tem dado demonstrações frequentes de punição criminal de desembargadores estaduais e federais que praticaram ilícitos, com penas altas. Agora, são processos muitas vezes complexos, que demandam investigações que demoram, mas, ao final, a resposta do STJ tem sido de condenar quem merece.

É uma preocupação ter advogados que são filhos de ministros com processos no STJ?

Ninguém pode se separar da família e, às vezes, ocorre de familiares de ministros escolherem a carreira jurídica. Temos que estabelecer mecanismos de proteção. No STJ, vejo uma preocupação dos ministros que têm familiares advogando de separar o máximo possível as atividades, basta olhar em qualquer processo a lista das suspeições e dos impedimentos. A família é um dado da natureza, mas as instituições, especialmente o Poder Judiciário, precisam estar atentas para evitar que se passe a ideia, real ou fictícia, de que haveria facilidades para familiares.

O senhor irá fazer alguma mudança em questão de ética no tribunal?

Estamos passando um raio-x em toda a administração do STJ para identificar fragilidades e dificultar mais ainda malfeitos, sejam externos ou internos.
 
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