A chefe da Defensoria Pública de Mato Grosso, Maria Luziane Ribeiro de Castro, afirmou que o órgão discorda do Ministério Público sobre a afirmação feita pelo Procurador-Geral de Justiça, Deosdete Cruz Júnior, o qual sugeriu a gravação das conversas entre advogados e membros de facção que estejam presos.
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Apesar de discordar, Castro lembrou que respeita o posicionamento de Deosdete, mas destacou que para a Defensoria, essa medida não seria possível de executar. Entendimento da defensora foi exposto à imprensa nesta quarta-feira (11).
“A gente entende que não é possível. A gente vê violações de princípios constitucionais, mas esse é um posicionamento do MP. Cada um tem o seu entendimento, mas a Defensoria entende que essa não é a medida adequada e apropriada para que seja feito um acompanhamento por parte do estado. Respeitamos o posicionamento de Deosdete, porque obvio que ele como fiscal da lei e na frente do MP, ele pode ter esse entendimento”, disse.
Durante o lançamento do programa Tolerância Zero ao Crime Organizado, do Governo, em que os poderes debateram medidas de endurecimento da segurança pública em Mato Grosso, sobretudo para coibir ações de membros de facção de dentro dos presídios, Deosdete apontou que advogados atuariam como pombos-correios de criminosos e, para isso, sugeriu a gravação das conversas.
“Essas pessoas [criminosos] continuam falando lá de dentro com, muitas vezes, advogados que usurpam dessa função, que são pombos correio do crime. O advogado que está atendendo um faccionado tem que ter a sua conversa gravada para o bem da sociedade [...] Nós estamos em plena desvantagem. Eu vejo o esforço do Poder Executivo, eu vejo o esforço do Poder Judiciário, eu vejo o esforço do Ministério Público. Os nossos clientes estão todos presos, salvo raríssimas exceções. Essas pessoas continuam falando lá de dentro com, muitas vezes, advogados que usurpam dessa função, que são ‘pombos-correios’ do crime”, disse Deosdete.
A fala do PGJ gerou muita polêmica entre membros da advocacia, sobretudo na Ordem dos Advogados do Brasil, que, inclusive, ajuizou contra ele um pedido de explicações.
Contra tal declaração, que gerou muita polêmica entre a advocacia e o Ministério Público, a presidente da OAB-MT, Gisela Cardoso, ressaltou que não se pode admitir que um direito do cidadão e uma prerrogativa da advocacia seja relativizada.
“O sigilo advogado/cliente é absoluto, representa a garantia dos direitos fundamentais, as garantias constitucionais do cidadão. Mais do que discordar, lamento profundamente o comentário do procurador. Não vamos admitir esse tipo de sugestão”, afirmou
“Essas afirmações denotam não apenas flagrante desrespeito a direitos fundamentais, como fere as prerrogativas da advocacia, que existem para garantir que os direitos dos cidadãos sejam respeitados. Em hipótese alguma a OAB-MT vai tolerar relativização de prerrogativas ou dos direitos dos jurisdicionados”, pontuou Gisela Cardoso.
Para a Seccional, ao não individualizar condutas específicas ou mencionar casos concretos de advogados (as) envolvidos em supostas irregularidades, a generalização das acusações lançadas à classe dos advogados pode configurar ofensa à honra coletiva e danos à imagem da advocacia como um todo, prejudicando a confiança da sociedade no exercício da profissão. Em razão disso, são necessárias as devidas explicações em juízo.
De acordo com a presidente da OAB-MT, Gisela Cardoso, é necessário lembrar que o sigilo das comunicações entre advogado e cliente, assim como o pleno exercício da advocacia, são condições indispensáveis para a garantia do direito de defesa, consagrado no artigo 5º, da Constituição Federal.
O caso ganhou repercussão nacional e, nesta quarta (27), o Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG) manifestou apoio ao Procurador, e repudiou o que classifica como "tentativa de intimidação" feita pela OAB e associações.
O CNPG reafirmou que as organizações criminosas têm se posicionado com a pretensão de consolidar uma espécie de Estado paralelo, e representam sério risco para o adequado funcionamento das instituições públicas, sendo imperioso que sejam promovidos ajustes legislativos e regulamentares aptos a fazer cessar a prática de crimes que afrontam o monopólio estatal de poder, inclusive com a relativização de direitos.
“Advogados são sim indispensáveis para a administração da justiça, mas nenhum direito pode ser utilizado como manto ou proteção para a prática de crimes, e os fatos recentes bem demonstram a necessidade de que o Estado brasileiro aprimore as condições institucionais de combate à criminalidade organizada”, diz trecho da nota.
Mas não parou por aí. Após o Conselho se manifestar, foi a vez da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Nacional se manifestou, por meio de nota, contra o CNPG.
A nota é assinada pelo presidente nacional da OAB, Beto Simonetti, e por Gisela Cardoso. Eles defendem que o sigilo profissional dos advogados não deve ser flexibilizado, mesmo sobre pretexto de combate ao crime organizado.
Beto Simonetti e Gisela Cardoso ainda afirmam que os advogados não podem ser confundidos com seus clientes.