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Pivô da Sodoma: Prodeic ainda sofre estigma, mas “tempestade já passou”, avalia advogado; veja entrevista

Da Redação - Paulo Victor Fanaia Teixeira

Talvez pouca gente saiba o que é o Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial (Prodeic), mas todo cidadão certamente já ouviu falar em “Operação Sodoma”. Uma coisa está intrinsecamente ligada à outra, pois foi no Prodeic que o ex-governador Silval da Cunha Barbosa, segundo o Ministério Público Estadual (MPE) , vislumbrou a oportunidade de promover o maior esquema de desvio de dinheiro público da história de Mato Grosso. Ainda assim, o programa não deve ser visto com maus olhos, avalia o advogado Thalles Rodrigues, sócio do escritório Ferreira Rodrigues Advogados Associados. 

Tributarista, professor e mestrando em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, o profissional admite que o Prodeic “está estigmatizado, fruto da repercussão negativa que os casos de corrupção envolvendo membros do alto escalão da gestão anterior trouxeram à tona”, mas garante que a “tempestade já passou”. 

À despeito da névoa de mistério e suspeição que paira sobre o programa, o advogado explica em detalhes, em entrevista ao Olhar Jurídico, o que é e como funciona o famigerado Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial.

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Em 2015, durante a primeira fase da "Operação Sodoma" sete figuras foram denunciados pelo Ministério Público Estadual (MPE) pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa. Entre os denunciados estão o ex-governador Silval da Cunha Barbosa e os ex-secretários Pedro Jamil Nadaf e Marcel Souza de Cursi. A operação partiu da delação premiada do empresário João Batista Rosa, dono da Tractor Parts, que lançou para o público, pela primeira vez a palavra chave do esquema criminoso: Prodeic. 

Thales Rodrigues, o que é o Prodeic?

“A sigla Prodeic representa o Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial concebido pelo Governo do Estado de Mato Grosso em 2003 com a finalidade de fomentar a expansão, modernização e diversificação das atividades econômicas estaduais mediante a redução da carga tributária (ICMS)”.

A má fama do Prodeic é irreversível?

“Sem dúvidas a palavra Prodeic está estigmatizada, fruto da repercussão negativa que os casos de corrupção envolvendo membros do alto escalão da gestão anterior trouxeram à tona. Entretanto, é preciso muita cautela para que esses acontecimentos negativos não sejam debitados do contribuinte que, imbuído de boa-fé e espírito empreendedor, acessou o programa como forma de viabilizar o desenvolvimento da sua atividade num estado de dimensões continentais e de infraestrutura tão deficitária”.

Quais as perspectivas para o Prodeic?

“Penso que a tempestade já passou. Permanecerão no Prodeic as empresas avessas à prática de irregularidades e que tiverem advogados combativos o suficiente para identificarem e se insurgirem, na via judicial, contra a iniciativa ainda em curso de desenquadramento, principalmente no que se refere às empresas que atuam no segmento de beneficiamento de grãos. Enquanto o Estado se ocupa de enfraquecer o Prodeic os demais Estados, e principalmente os nossos vizinhos, avançam com incentivos fiscais unilaterais atraindo empresas e gerando empregos nos seus respectivos territórios”.  
 
E sobre a possibilidade de o Procurador Geral da República (PGR) propor ação direta de inconstitucionalidade. Isso pode, de fato, levar empresas deste Estado à falência diante da possibilidade de serem compelidas a devolver o montante objeto do incentivo? Quais seriam as consequências decorrentes dessa iniciativa?

“Informação desta natureza traz ainda mais insegurança jurídica para o setor, principalmente porque seus desdobramentos não são expostos de maneira clara pelas pessoas que a alardeiam. O vício de inconstitucionalidade vislumbrado residiria na ausência de aprovação do benefício por parte do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz); se este realmente for o vício que macula o Prodeic outras leis que veiculam incentivos fiscais estaduais também cairiam por terra, a exemplo daquelas editadas para atender o setor atacadista (Leis nºs 9.855/2012) e da construção civil (Lei nºs 8.059/2003. Em segundo lugar, todos os Estados da Federação também concedem benefícios fiscais unilaterais às suas empresas, o que levaria o Procurador Geral da República a ajuizar centenas de ações diretas de inconstitucionalidade com idêntico fundamento. Ainda que isso venha ser feito, a eventual decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal teria seus efeitos modulados para se harmonizar com os princípios da boa-fé e da segurança jurídica, como já ocorreu noutras ocasiões, eliminando, portanto, o dever de devolver qualquer valor em decorrência da fruição de um benefício cuja lei instituidora fora posteriormente declarada inconstitucional”.     

Sobre o programa em si, de que maneira o benefício fiscal é concedido?

“Num primeiro momento a empresa interessada em investir ou expandir seus investimentos neste Estado formaliza uma carta consulta endereçada à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (SEDEC). Na sequência, o Conselho Estadual de Desenvolvimento Empresarial (CEDEM) delibera e decide pela concessão ou não do incentivo no caso específico. Uma vez aprovado o enquadramento a empresa celebra com o Estado de Mato Grosso um ‘termo de acordo’ que estabelece direitos e deveres correlatos, cujo cumprimento é condição para a fruição do benefício”.

Quais são os deveres ou contrapartidas exigidas pelo Estado para adesão ao programa?

“Via de regra a empresa interessada se compromete a investir determinado montante em bens do seu ativo imobilizado, priorizando sua aquisição de fornecedores locais. Além disso, o Governo estabelece uma quantidade mínima de empregos que precisam ser gerados e o faturamento mínimo que o empreendimento deverá atingir quando em pleno funcionamento. Do montante total da desoneração a empresa incentivada é obrigada a recolher mensalmente aos cofres estaduais 7%, sendo 1% destinado ao Fundo de Desenvolvimento Desportivo do Estado de Mato Grosso (Funded) e o restante ao Fundo de Desenvolvimento Industrial e Comercial de Mato Grosso (Fundeic), acrescidos de um adicional de 50% do valor destinado a este último fundo ao Fundo de Desenvolvimento Sócio-Cultutal-Desportivo-Tecnológico (Fundestec)”.
 
Além da contrapartida financeira exige-se alguma contrapartida de natureza social?

“Sim, ao lado da contrapartida financeira a empresa beneficiada assume uma série de compromissos no interesse da classe trabalhadora e do desenvolvimento da sua atividade, tais como a implantação de programas de treinamento e qualificação da mão-de-obra, participação nos lucros e resultados (PLR), disponibilização de convênio médicos aos colaboradores, implantação de programas de controle de qualidade dos produtos e serviços, melhoria da competitividade e do índice de desenvolvimento humano, dentre outros”.   
Quais atividades econômicas podem ser contempladas pelo atual programa estadual de incentivos?

“O programa não estabelece taxativamente quais segmentos econômicos podem ser beneficiados, aliás, nem seria conveniente que o fizesse, pois o fomento a uma determinada atividade econômica pode ser interessante num dado momento histórico para o Estado e não sê-lo mais adiante, daí porque esta definição foi relegada à Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico em conjunto com Conselho Estadual de Desenvolvimento Empresarial”.
 
Se não há uma definição precisa sobre os segmentos econômicos que podem ser contemplados com os benefícios do Prodeic, por qual razão tantas empresas tiveram seus benefícios fiscais cassados nos últimos tempos?

“Algumas empresas, poucas na verdade, envolveram-se em casos notórios de corrupção e tiveram, por conseguinte, seu benefício fiscal suspenso ou cassado. Outras não conseguiram cumprir os compromissos assumidos nos termos de acordo que celebraram e igualmente foram excluídas, o que não significa dizer que praticaram qualquer tipo de fraude. No entanto, é inegável que o Governo Estadual vem promovendo silenciosamente o desenquadramento de diversas empresas que acessaram o incentivo de maneira lícita e cumpriram todos os compromissos firmados. Para ‘justificar’ sua atuação a Secretaria de Estado parte de uma interpretação viciada, casuísta e flagrantemente ilegal, trazendo enorme insegurança jurídica e causando revolta em diversos segmentos empresariais”.
 
Quais segmentos estariam sofrendo as consequência dessa política excludente?

“Tenha-se como exemplo o segmento responsável pelo beneficiamento e comércio de grãos como milho, soja, arroz, feijão, dentre outros. Em maio de 2015 a SEDEC editou uma resolução (Resolução n. 8/2015) vedando a concessão de (novos) incentivos às empresas beneficiadoras de grãos, por entender que tal atividade não se caracterizaria como ‘industrialização’. Além deste raciocínio se assentar numa falsa premissa, a SEDEC promoveu o desenquadramento retroativo de várias empresas cujo benefício havia sido regularmente concedido. Esta insegurança generalizada contaminou todo o mercado, gerando demissão, rompimento de contratos de fornecimentos de grãos, queda na arrecadação estadual e o consequente fechamento de várias empresas”.
 
E como está a questão no âmbito do Conselho Estadual de Desenvolvimento Empresarial? Os desenquadramentos estão sendo mantidos ou cancelados?

“Infelizmente o julgamento administrativo que é realizado perante o Cedem é um teatro, havendo observância ao contraditório e à ampla defesa apenas no seu aspecto meramente formal. Como o Governo tem maioria na sua composição o interesse político prevalece sobre o aspecto jurídico da questão, não havendo imparcialidade no julgamento, tampouco são fundamentadas as decisões proferidas pelo órgão”.
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