Imprimir

Notícias / Criminal

Atentados na Rêmora reacendem debate: MT é o único Estado a não proteger testemunhas e vítimas ameaçadas

Da Redação - Paulo Victor Fanaia Teixeira

Ameaça, escritório depredado e carro empurrado para fora da estrada, esta é a realidade sofrida pelo empresário José Carlos Pena. Ele é testemunha de acusação e contribui com as investigações da “Operação Rêmora”, que combate fraudes a licitações na Secretaria de Estado de Educação (Seduc). Ao juízo, durante audiência na tarde desta quinta-feira (01), o dono da BRP Construtora Ltda. chegou a pedir ajuda da juíza Selma Arruda, da Sétima Vara Criminal, pois não recebia nenhuma proteção do Estado.

A declaração reascende um debate polêmico: por que Mato Grosso não oferece Programa Estadual de Assistência a Vítima e a Testemunhas Ameaçadas nas tantas ações penais que tramitam na Justiça? Para entender a ausência do Poder Público nesta questão, que é fundamental para o funcionamento do Poder Judiciário, Olhar Jurídico entrevistou o promotor do Núcleo de Defesa da Cidadania de Cuiabá, Alexandre Guedes, o promotor do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) Rodrigo Arruda e a Secretaria de Estado de Segurança Pública (SESP).

Leia mais:
Empresário relata sofrer ameaças de morte em represália por colaborar com Justiça na Rêmora


“Mais de três vezes a gente (da BRP Construtora Ltda.) foi ameaçado, meu escritório foi depredado, quebraram todo o vidro da frente, intimidaram a gente desde o começo (da "Operação Rêmora'). Tirei foto e fiz a ocorrência (Boletim). Mais de duas vezes a gente foi jogado para fora da estrada por carros diferentes, é uma dificuldade muito grande, pois a justiça não dá proteção e toda vez que eu viajo eu tenho que pagar do meu bolso”, declarou a testemunha José Carlos Pena, durante audiência nesta quinta-feira (01), na Sétima Vara Criminal.

Aparentemente, para a juíza Selma Arruda a declaração trouxe novidades. “Ah é?!”, exclamou a magistrada, enquanto ouvia o relato do empresário. Ao final, consignou que o Gaeco providenciasse uma reavaliação da situação da testemunha, o que foi prometido pelo promotor Rodrigo Arruda. Ao empresário, a juíza garantiu que buscaria providências para resguardar sua proteção.

A situação revela um cenário de impasse jurídico, relatou o promotor do Gaeco, ao final da audiência, no fim da tarde de quinta-feira (01). “Chegando ao Gaeco vou verificar o que foi feito com o que ele falou, ele afirmou que foi até lá (Gaeco) e que estaria registrado um Boletim de Ocorrência. Na verdade existe uma Ação Civil Pública do MPE para forçar o Estado a ter um programa de proteção de testemunhas, que não temos no Estado, então quem está em déficit neste assunto seria o Executivo”.

Olhar Jurídico procurou a SESP para se esclarecer. Ela informa que a Lei Federal 9.807, de 13 de Julho de 1999, instituiu o Programa Federal de Assistência a Vítima e a Testemunhas Ameaçadas (Provita), que estabelece: "a União, os Estados e o Distrito Federal poderão celebrar convênios, acordos, ajustes ou termos de parceria entre si ou com entidades não governamentais objetivando a realização dos programas". 

Assim, a secretaria Estadual explica: “contribui com esta atividade no Estado apenas dando o direcionamento às vítimas e testemunhas quanto aos meios de buscarem este auxílio, caso seja identificada no decorrer das investigações a necessidade de inclusão do indivíduo ao Programa”. 

Para Alexandre Guedes, promotor do Núcleo de Defesa da Cidadania de Cuiabá, o mero auxílio Estadual a um Programa Federal (Provita) não é suficiente. O “Programa Federal é limitado. Mato Grosso é o único Estado que não tem um programa Estadual, é preciso que o Estado faça isso rapidamente”.

O problema, segundo explica o promotor, vem há anos se desdobrando na justiça e até hoje não provocou mudanças. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), tramita um Agravo de Instrumento protocolizado pelo próprio Alexandre Guedes. O objetivo é justamente obrigar o Governo do Estado de Mato Grosso a implementar um Programa Estadual de Proteção a Vítima e a Testemunhas Ameaçadas. No Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), vitória para o requerente. Mas, para instâncias superiores, o governo recorreu, alongando a celeuma.

Na época em que a ação foi proposta, 30 pessoas estavam sob proteção no Estado, número considerado significante se comparado ao restante do país. Conforme entendimento do Ministério Público e do Poder Judiciário, a alegação de questões de ordem orçamentária ou disposições da Lei de Responsabilidade Fiscal não representam obstáculos para a implementação de um Programa Estadual de Proteção.
 
“O que se observa é que o Estado, ao atuar no âmbito da Segurança Pública como lhe compete, deve garantir a segurança das pessoas, inclusive, mantendo o adequado tratamento às vítimas e testemunhas ameaçadas, o que não vem ocorrendo. Ao contrário, o requerido vem utilizando o aparato federal para as situações que as vítimas e testemunhas ameaçadas necessitam de segurança e proteção estatal”, diz um trecho da sentença proferida em primeira instância.

“O problema é que não temos uma liminar que obrigue. Já ganhamos no Tribunal (TJMT), mas como o Estado recorreu ao STJ, não conseguimos implementar (o programa)", lamenta o promotor, que aguarda que Brasília as boas notícias. "O Governo Estadual tem a obrigação de proteger tanto as vítimas quanto as testemunhas, para que elas não sofram qualquer tipo de ameaça”, encerra.

À SESP, Olhar Jurídico enviou perguntas que ainda aguardam respostas: Por que Mato Grosso é o único Estado que não possui um programa Estadual de Proteção à Testemunha e Vítima Ameaçada? Por que o Estado recorreu ao STJ, contra a implementação de um programa que é benéfico para a população? Qual a situação das testemunhas e das vítimas em ações jurídicas em Mato Grosso hoje?

Ao MPE, Olhar Jurídico questionou sobre a posição do promotor Rodrigo Arruda, um dia após a promessa de que verificaria a situação da testemunha José Carlos Pena. Entretanto, a assessoria negou fornecer esta informação, solicitando que procurasse o Estado para abordar o assunto.
 

* Contribuiu o repórter Wesley Santiago. 
Imprimir