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Notícias / Política de Classe

Juiz repudiado pela OAB afirma que teve a fala tirada de contexto

Da Redação - Wesley Santiago

A Associação Mato-grossense de Magistrados (Amam) rebateu nota divulgada pela Ordem dos Advogados do Brasil de Mato Grosso (OAB/MT), sobre a frase proferida pelo juiz de Direito Fábio Petengill, com atuação na comarca de Juína. Conforme a Amam, o trecho foi tirado de contexto.

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O magistrado responsável pela frase comentou que “Interpretar é dar sentido a coisas, gestos e palavras. Palavras, aliás, não funcionam isoladamente ou pela conjunção de sílabas, porque já ensinava Santo Agostinho de Hipona, linguagem é referência, sem esta o significado é vazio, afinal, linguagem exprime pensamento, e pensamento é sobre algo”.
 
Por conta disto, ele explica que “causou surpresa, mas não espanto, receber a notícia de uma certa 'nota de repúdio' ou coisa que o valha, que estaria circulando em mídias sociais e eletrônicas, como um suposto desagravo à classe de advogados da Comarca de Juína, que teria sido ofendida ou diminuída por decisão judicial de minha lavra”.
 
O juiz ainda acrescenta que sua a interpretação do texto fora do contexto da decisão ora em comento, deve ter causado ao interprete menos atento essa falsa significação de que o ato decisório tenha sido ofensivo a quem quer que seja e provocado essa abrupta e desmedida reação.
 
“Estava a se referir à realidade fática da Comarca e dos seus jurisdicionados, deserdados de assistência jurídica pela omissão (dupla omissão!) estatal, na consecução de sua missão de concretizar os direitos prestacionais garantidos pela Constituição da República”, completa a nota.
 
O caso
 
A OAB criticou a frase do juiz, que foi considerada um “lamentável ataque à advocacia”. Na carta, o magistrado dizia que “os advogados e advogadas da região não mais aceitariam a nomeação dativa por parte do Poder Judiciário local em razão da reiterada falta de pagamento pelo Estado quanto aos serviços prestados por estes profissionais. Mato Grosso já acumula um passivo de aproximadamente R$ 40 milhões em débitos desta natureza”, diz trecho da nota da Ordem.
 
“Interpreta-se das palavras do magistrado que todos os advogados e advogadas que passaram a recusar nomeações dativa na região não têm grandeza de caráter, atuam sem nobreza, como se fossem esses profissionais os responsáveis pelo estado de colapso no atendimento da população carente”, aponta outro trecho.
 
A OAB se disse perplexa com a situação. “Já que os advogados deveriam continuar atuando sem receber, por que referido magistrado não abriu mão de 30 dias de suas férias anuais - já que possui direito a 60 - para nesse período despachar e decidir exclusivamente processos de hipossuficientes? Assim não agindo, é lícito ofender mencionado juiz quanto ao seu caráter? Evidente que não; assim como é repudiável sua conduta de ultrajar inúmeros profissionais honestos, altivos, única a exclusivamente por exercerem um direito que é o de receber verba alimentar”, comentou a Ordem.
 
Confira abaixo a nota da AMAM:
 
A Associação Mato-grossense de Magistrados (AMAM), no exercício do seu mister sócio-político e associativo, em contraponto à Nota de Repúdio publicada na data de ontem (17/05/2018) pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso, acerca de decisão judicial proferida pelo Magistrado Fabio Petengill, da comarca de Juína (MT), esclarece o seguinte:
 
De acordo com o art. 41, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN (Lei Complementar nº 35/1979): “Salvo os casos de impropriedade ou excesso de linguagem o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir.”.
 
Pois bem! Instado por sua associação de classe a se manifestar sobre o “Repúdio” da OAB/MT, eis as exatas palavras do magistrado:
 
“Interpretar é dar sentido a coisas, gestos e palavras. Palavras, aliás, não funcionam isoladamente ou pela conjunção de sílabas, porque já ensinava Santo Agostinho de Hipona, linguagem é referência, sem esta o significado é vazio, afinal, linguagem exprime pensamento, e pensamento é sobre algo.
 
Somente somos capazes de interpretar a partir de um referente, porque seja na concepção agostiniana, seja na licença poética de Fernando Pessoa, conhecer a essência é mais precioso do que a simples palavra (palavras não passam de palavras, “words, nothing but words”…).
 
Por isso é que me causou surpresa, mas não espanto, receber a notícia de uma certa “nota de repúdio” ou coisa que o valha, que estaria circulando em mídias sociais e eletrônicas, como um suposto desagravo à classe de advogados da Comarca de Juína, que teria sido ofendida ou diminuída por decisão judicial de minha lavra.
 
Sem o menor constrangimento ou receio, tenho absoluta convicção que a interpretação do texto fora do contexto da decisão ora em comento, deve ter causado ao interprete menos atento essa falsa significação de que o ato decisório tenha sido ofensivo a quem quer que seja e provocado essa abrupta e desmedida reação.
 
Basta a leitura de todo texto decisório, e não de uma simples frase nele existente, para se compreender que o contexto ali retratado de modo nenhum dirigia-se ou preocupava-se com a pessoa deste ou daquele indivíduo ou categoria; estava a se referir à realidade fática da Comarca e dos seus jurisdicionados, deserdados de assistência jurídica pela omissão (dupla omissão!) estatal, na consecução de sua missão de concretizar os direitos prestacionais garantidos pela Constituição da República.
 
Como menciona o agressivo texto, sou egresso da advocacia, não por breve passagem, mas em anos de militância e devotamento, e, exatamente por essa razão, por ter experimentado o gosto e as agruras de atuar na defesa dos direitos daqueles que necessitam da nobre figura do Advogado, é que nutro especial respeito e carinho verdadeiro pela profissão.
 
 Bem por isso e porque minha formação pessoal não permitiria jamais, é que não faço da pena que envergo instrumento para ofensas ou ataques diletantes a ninguém, sendo lamentável que uma decisão judicial de tanta relevância para a sociedade local, porque, afinal, depois de anos de desamparo, é concreta a possibilidade de instalação do Núcleo da Defensoria Pública na Comarca, se transforme em palco para discussões menores e sem sentido, fruto de errôneas interpretações e ilações equivocadas, extraídas, é bom que se repita, de uma frase pinçada fora de seu contexto, sabe-se lá porque motivos ou razões.
 
Nieztsche ao estabelecer as premissas do pensamento desenvolvido em sua “Genealogia da Moral”, afirmou que sobre a realidade se exerce um ato interpretativo e esse ato interpretativo é uma ilusão, que, a rigor, é a nossa perspectiva dos acontecimentos e das coisas (a verdade para mim), com a qual estabelecemos nossas inter-relações de vida e de vontade.
 
Prefiro eu caminhar na linha que tracejei como parâmetro ao exercício da judicatura, respeitando e garantindo o direito de expressão e de postulação de todo aquele que necessite da prestação jurisdicional, mas sem olvidar do dever que a função me outorga de firmeza e serenidade no exercício do mister judicante, rogando sempre inspiração e temperança para não confundir o regular e necessário exercício deste poder/dever com ataques pessoais ou coletivos aos demais operadores do direito.”
 
É bem verdade que a Magistratura Mato-grossense jamais foi dada ao confronto ou à desarmonia com as demais Instituições que integram a Sistema de Justiça deste Estado. Nesse diapasão, observa-se que as gentis palavras do magistrado Fabio Petengill, que faz convergir fatos e versões ao equilíbrio quase gravitacional, são mais que suficientes para restabelecer essa necessária harmonia.
 
ASSOCIAÇÃO MATO-GROSSENSE DE MAGISTRADOS – AMAM

 
Confira a nota da OAB/MT:
 
A Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso (OAB-MT), frente a um lamentável ataque à advocacia promovido pelo juiz de Direito Fábio Petengill, com atuação na comarca de Juína, vem, publicamente, repudiar o fato e restabelecer a verdade.
 
    Em abril deste a OAB Juína divulgou carta aberta à população informando que os advogados e advogadas da região não mais aceitariam a nomeação dativa por parte do Poder Judiciário local em razão da reiterada falta de pagamento pelo Estado quanto aos serviços prestados por estes profissionais. Mato Grosso já acumula um passivo de aproximadamente R$ 40 milhões em débitos desta natureza.
 
    O advogado que atua na iniciativa privada é nomeado defensor dativo em processos judiciais quando não há estrutura suficiente da Defensoria Pública para assegurar atendimento jurídico à população hipossuficiente, de forma que o Estado, responsável pela garantia de acesso à Justiça nestes casos, tem o dever de remunerar os profissionais nomeados. Necessário esclarecer, desde logo, que os advogados dativos nomeados têm, na maior parte das vezes, honorários arbitrados judicialmente abaixo do valor da tabela da Ordem, chegando, por isso mesmo, a ser uma remuneração que beira ao simbolismo, que a despeito disso deve ser honrada, revelando-se verba de natureza alimentar.
 
    Frente à recusa justificada dos advogados em aceitar nomeações na referida comarca, o Ministério Público ajuizou ação civil pública em face da Defensoria Pública de Mato Grosso para que fosse garantida aos hipossuficientes representação nos processos judiciais. Na última terça-feira (15) o juiz Fábio Petengill, analisando referida ação, declarou em liminar deferida que a situação de emergencialidade na localidade é decorrente do “movimento paredista” deflagrado pelos advogados militantes na comarca. Registrou que “... a situação processual dos mais necessitados, especialmente no âmbito processual penal, se transformou em um não-direito, porque inexiste assistência jurídica na Comarca, de nenhum tipo, de nenhuma espécie, e se ainda é possível que se realize um de dezenas de atos judiciais que vem sendo redesignados, suspensos, cancelados, isto se dá porque, vez ou outra, surge alguém abnegado, altivo, com grandeza de caráter suficiente para ‘desafiar’ a ‘greve’ dos advogados da região”.
 
    Interpreta-se das palavras do magistrado que todos os advogados e advogadas que passaram a recusar nomeações dativa na região não têm grandeza de caráter, atuam sem nobreza, como se fossem esses profissionais os responsáveis pelo estado de colapso no atendimento da população carente.
 
    Contudo, exatamente ao contrário dos impropérios lançados à classe pelo mencionado juiz, foi justamente a grandeza de caráter dos profissionais da advocacia, que ano após ano se dispuseram a trabalhar mesmo sem receber seus honorários - verba alimentar que garante a subsistência familiar -, que a comarca de Juína se manteve ativa e, inclusive, quadruplicou o número de processos em tramitação nas últimas duas décadas.
 
    Conforme assinala o próprio magistrado, atualmente tramitam cerca de 16 mil processos no Fórum da Comarca, situação esta que demonstra o trabalho árduo e ativo da advocacia militante na região, injustamente penalizada pelas duras e injustas palavras proferidas.
 
    Causa perplexidade à OAB-MT presenciar um juiz de Direito, que já exerceu a advocacia, e, portanto, deveria saber quem é o verdadeiro responsável pelo problema, imputar a profissionais indispensáveis à administração da Justiça (Art. 133 da Constituição Federal), que tantas vezes preencheram lacunas deixadas pelo Estado, a pecha de maus-caracteres, apenas porque passaram a recusar a trabalhar sem remuneração frente ao "calote" institucionalizado.
 
    Registre-se que na própria decisão onde foi proferido o discurso ofensivo o magistrado lembra que desde 1999 a advocacia já vinha reclamando da falta de pagamento dos dativos por parte do Estado, detectando que a região carecia, como carece até o momento, da falta de estrutura da Defensoria Pública.
 
    Frente à situação de colapso anotada na decisão, sugestionando que advogados deveriam continuar trabalhando sem remuneração, já que, ao não fazê-lo, demonstravam anemia de caráter, deixou o juiz Fábio Petengill de dizer qual sacrifício nas finanças pessoal estava fazendo para não merecer o adjetivo que escolheu aos honrados advogados. Já que os advogados deveriam continuar atuando sem receber, por que referido magistrado não abriu mão de 30 dias de suas férias anuais - já que possui direito a 60 - para nesse período despachar e decidir exclusivamente processos de hipossuficientes? Assim não agindo, é lícito ofender mencionado juiz quanto ao seu caráter? Evidente que não; assim como é repudiável sua conduta de ultrajar inúmeros profissionais honestos, altivos, única a exclusivamente por exercerem um direito que é o de receber verba alimentar.
 
    A OAB-MT tem ciência que o pensamento exarado pelo Juiz Fábio Petengill é isolado, fruto de absurda infelicidade, que não reflete a visão de outros membros do Poder Judiciário, que têm demonstrado, diariamente, salvo casos pontuais como o presente, respeito a esses profissionais de valor.
 
    A Ordem segue buscando uma solução administrativa para o pagamento dos advogados dativos. Além disso, como representante da sociedade civil, luta por melhorias na Defensoria Pública, que, mesmo diante da modesta estrutura, vem demonstrando o valor dos seus membros, que se desdobram para atender tamanha demanda.
 
    Não admitirá a OAB-MT, em contrapartida, ilações ou imputações indevidas à advocacia, reconhecendo a licitude nas recusas a essas nomeações.
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