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Notícias / Criminal

Desembargador afirma que vítima de estupro bebeu porque quis e é repudiado

Da Redação - Wesley Santiago

O desembargador Marcos Machado, da Terceira Câmara do Tribunal de Justiça, fez uma polêmica declaração, na tarde da última quarta-feira (23), durante o julgamento do Habeas Corpus (HC) impetrado por W. P. G., 33 anos, suspeito de estuprar L. G. C., 30, durante uma festa, no bairro Boa Esperança, em Cuiabá. Para ele, o fato de uma vítima de estupro estar embriagada não justificaria a prisão do acusado. O magistrado ainda acrescentou que um “relacionamento sexual antecedente” não o faria identificar o fato criminoso. O Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do Estado de Mato Grosso repudiou o posicionamento. 

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“Eu estava tendente a conceder a ordem até que vossa excelência fez o registro dos fatos relacionados a ameaça. O que me apega é o fato de não haver ameaça. Com a devida vênia, a embriaguez voluntária, me parece claro, uma mulher madura, de 30 anos, não temos essa ingenuidade ou dificuldade de ingerir a bebida. Se é fato verdadeiro que houve relacionamento sexual antecedente, então já não identifico o fato criminoso em si”, disse o desembargador.
 
Além disto, o magistrado ainda acrescentou: “O que me preocupa é a conveniência de se apurar o fato diante da suposta reação do paciente”. Por conta disto, ele acabou por pedir vistas. Porém, caso haja o entendimento de que os fatos ocorreram de acordo com o que narrou a defesa do acusado, ele votará por conceder a soltura. Porém, com fixação de medidas cautelares.
 
O advogado do acusado, Ronaldo Meirelles Coelho Junior, afirmou que o fato se deu quando “a polícia até a casa dele para a prisão dele em flagrante e na porta da casa dele houveram ameaças mútuas, que a polícia estava ali para prender ele, acusando-o do crime de estupro de vulnerável e ele de dentro de casa se defendendo dizendo que eles estavam querendo acabar com a vida dele”.
 
A vítima conta que, no dia da festa – em comemoração ao aniversário de uma amiga -, bebeu uísque. Depois de duas horas, começou a passar mal e foi levada para o quarto por suas amigas, onde vomitou várias vezes. No local, ela adormeceu e quando acordou sentiu um homem sobre o seu corpo, cometendo o estupro.
 
A mulher então teria reconhecido o acusado. Além disto, se lembra de sua amiga batendo na porta. Foi nesta instante que W. saiu de cima da estudante, vestiu as calças às pressa, destrancou a porta e saiu do quarto. O homem ainda teria esquecido no quarto sua cueca, um par de palmilha e preservativos.
 
A versão apresentada pela vítima vai de encontro com o que contou a amiga dela. T.C.J. afirmou ter percebido que W. não estava junto com o grupo de amigos e quando chegou no quarto, a porta estava trancada. Quando ela disse que arrombaria a porta, o acusado a abriu e ela notou que ele estava com o short meio abaixado, dizendo que não tinha acontecido nada demais.
 
Já a defesa de W. alega que a prisão é ilegal porque os requisitos legais para a decretação da segregação não foram preenchidos. Durante depoimento, o acusado negou a prática do crime de estupro e alegou que ele e estudante mantiveram relação sexual, “com o uso de preservativo, mas com o consentimento dela, pois em nenhum momento ela adormeceu”.
 
Além disto, os dois já teriam ‘ficado’ anteriormente. Alega ainda que a amiga teria inventado toda a situação “pelo fato de ser apaixonada por ele”.
 
O entendimento do relator do pedido de soltura, desembargador Juvenal Pereira é de que o modus operandi do delito evidencia, por hora, que o suspeito possui personalidade voltada à perversão sexual, pois teria se aproveitado da embriaguez da vítima, “fato que lhe retirava toda e qualquer possibilidade de reação, portanto a prática de conjunção carnal foi ao arrepio do seu consentimento”.
 
“O clamor público, quando transcende a simples reprovação do delito, e atinge de forma grave os princípios do bem comum constitui elemento capaz de embasar a prisão cautelar por provocar abalo à sociedade e se não houver pronta resposta por parte do judiciário passa errada informação à sociedade que delitos dessa natureza são permitidos e que o núcleo social – a família – hoje é peça desvalorizada bem assim, a reputação da mulher como mero objeto de satisfação sexual”, alertou o relator.

Repúdio

O Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do Estado de Mato Grosso se mostrou estarrecido com a declação: "Nos sentimos na obrigação de  manifestarmos, considerando que as palavras de autoridade pública podem ter repercussão social contrária ao trabalho de conscientização que tantas instituições, cidadãs e cidadãos desenvolvem em relação à cultura do estupro".

Ainda na mesma nota, o conselho elenca que: O fato de a vítima ter ingerido bebida alcoólica jamais se confunde com autorização tácita; O fato de a vítima ter mantido relacionamento sexual anterior com o agressor, não significa autorização para sexo futuro, tantas vezes quantas este queira sem consentimento. Tanto é que pode existir estupro até na constância do casamento e sexo não consentido com pessoa inconsciente é estupro de vulnerável.

"Esperamos que o voto a ser proferido, após o pedido de vistas, considere os aspectos técnicos contidos no processo (testemunhas, etc). E solicitamos para que o Poder Judiciário não transmita a mensagem aos jovens de que uma mulher sempre está disponível para sexo, independente de seu consentimento, por ter ingerido bebida alcoólica. Senhor desembargador: a culpa nunca é da vítima", finaliza a nota.

A fala do desembargador Marcos Machado pode ser conferida a partir do minuto 41 do vídeo abaixo:

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