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Sexta-feira, 27 de setembro de 2024

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NEURODESENVOLVIMENTO

“Há um prejuízo muito grave, principalmente nas habilidades sociais”, diz especialista sobre crianças isoladas durante pandemia

Foto: Reprodução / Ilustração

“Há um prejuízo muito grave, principalmente nas habilidades sociais”, diz especialista sobre crianças isoladas durante pandemia
A pandemia da Covid-19 causou impactos, que ainda estão sendo mensurados, em todos os setores da sociedade. Uma das medidas de prevenção contra a disseminação da doença foi o fechamento de escolas. Por causa disso, crianças que iniciariam sua vida escolar, ou que estavam nos primeiros anos de ensino, tiveram seu desenvolvimento prejudicado. Pesquisas ainda estão sendo desenvolvidas, no entanto, de acordo com o professor e especialista em Psicopedagogia Aplicada à Neurologia Infantil, Rauni Jandé Roama Alves, na prática profissional já é possível ver alguns dos efeitos deste problema.

 
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Rauni é professor no Curso de Psicologia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e possui especialização em Neuropsicologia Aplicada à Neurologia Infantil e aprimoramento em Psicopedagogia Aplicada à Neurologia Infantil, ambos pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Segundo ele, ainda não há estudos robustos sobre os efeitos do isolamento social no desenvolvimento de crianças, porém, já é possível observar as sequelas da pandemia.
 
“Os estudos ainda estão, de certa forma, insipientes, porque é uma situação muito nova para nós. Quando houve outra pandemia, na história, foi em 1920, da gripe, nós não tínhamos esta estrutura científica que temos hoje, para fazer uma avaliação destas crianças. O que temos observado é que ficou uma lacuna em relação, principalmente, a não frequentar o contexto escolar. Nós temos visto tanto na clínica, da saúde, quanto na parte mais profissional, de atuação escolar, que há um prejuízo muito grave, principalmente nas habilidades sociais, é um problema complexo, mais também quando pensamos, por exemplo, em crianças pré-escolares”, disse Rauni.
 
De acordo com o professor, o déficit ficou evidente nas habilidades sociais justamente porque as crianças não tiveram contato com outras crianças da mesma idade. Ele lembrou que a escola, além da ensinar a grade curricular comum, também serve para desenvolver habilidades sociais.
 
Muitas crianças tiveram contato apenas com os pais no período de isolamento, e ainda assim esta interação era deficiente, já que muitos dos adultos tiveram que continuar trabalhando, mesmo de casa. Segundo o especialista, as maiores prejudicadas foram as crianças em idade pré-escolar.
 
“Então estamos tentando mensurar quais são os níveis deste prejuízo. Sabemos que tem um prejuízo porque agora que as crianças estão voltando, principalmente estas pré-escolares, e estamos vendo muita dificuldade, principalmente com uma irritabilidade maior, com questão de autocontrole, porque quando pensamos no ambiente escolar precisa ter um autocontrole, as crianças precisam ficar sentadas, por exemplo, e mesmo as crianças que estão no período da educação infantil precisam cumprir normas, então estamos vendo esta problemática”.
 
A professora de inglês Talita Lima Bevolo é mãe de uma criança em idade pré-escolar, a pequena Eloá. Talita disse que Eloá sentiu muita falta da escola (que havia acabado de começar) e percebeu uma maior irritabilidade na filha.
 
“Quando a pandemia começou eu fiquei mais triste do que preocupada, porque ela tinha recentemente começado a ir para a escola, e ela tinha gostado muito, não teve problema de adaptação. E eu percebi nela uma ansiedade muito grande, por ficar em casa, por não ter o que fazer, não poder sair. Estava um pouco mais nervosa, irritada na hora de comer. E ela comia mais também, queria mais bobeiras”, contou.
 
Rauni disse que outro prejuízo nas questões de aprendizagem. Além de ter um contato com tecnologia maior que o recomendado, que prejudicou o desenvolvimento do autocontrole, estas crianças perderam a oportunidade de vivenciar na escola anos de intenso aprendizado, os da alfabetização.
 
“Estamos falando de neurodesenvolvimento, e estas crianças estão em plena plasticidade cerebral, então elas vão sendo moldadas, digamos assim, a um padrão social de muita tecnologia, de muito imediatismo, o que muitas vezes acaba sendo prejudicial, que é o que temos observado na clínica e no contexto escolar, e que provavelmente as pesquisas vão mostrar isso para nós”.
 
Eloá começou na escola quando tinha dois anos de idade. Apenas 30 dias depois de ter começado as escolas fecharam. Talita contou que sua filha sentiu muita falta dos colegas, principalmente porque é filha única e não tem contato com outras crianças. Ela disse que o retorno de Eloá à escola foi tranquilo e não percebeu prejuízos no desenvolvimento de sua filha.
 
“Ela ficou muito feliz, eufórica [quando as aulas voltaram], porque a escola deixou que a mesma professora, a tia, continuasse com a turma dela. Ela falava da tia, que sentia saudades da tia, então a readaptação dela foi tranquila, ela ficou muito feliz. Também sou professora, acompanhei as atividades dela, senti um bom desenvolvimento, então por enquanto eu não acho que ela tenha sido prejudicada, a não ser desta questão da convivência, da falta dela”.
 
Rauni explicou que a escola é o ambiente ideal para ensinar, mais que o contexto familiar. Além disso, muitos pais não podiam dar a atenção necessária aos filhos, para contribuir com o aprendizado, porque eles também tinham obrigações com o trabalho.
 
“Na verdade, o contexto familiar não é preparado para ensinar, a escola é preparada para isso, os pais não são professores, muitos não têm uma formação pedagógica. Então eles não tiveram todo o potencial que é exigido para ensinar estas crianças, que um professor formado vai ter, e houve este déficit também. E todos ficaram com o emocional abalado porque ficar preso dentro de casa é horrível, nós somos seres muito sociais”, disse o especialista.
 
Talita também enfrentou dificuldades para lidar com o trabalho e os cuidados com a filha durante o período de isolamento. Ela recebeu ajuda de seus pais, mas ainda assim em muitas situações teve que aprender a conciliar as necessidades da filha com o trabalho.
 
“Para mim, como mãe, foi um período bastante difícil quando tudo fechou. Eu vim para casa, dava aulas online, e já foi um desafio sair da sala de aula para trabalhar. E ela não conseguia entender que eu estava no momento do trabalho e não podia dar a atenção que ela queria. Trabalho com crianças da faixa de 6 anos a adolescentes de 14 anos, dou aulas de inglês, e ela gostava muito na época de assistir os vídeos com musiquinhas em inglês, as músicas que eu trabalhava em aula, e não entendia que não podia, foi uma situação muito complicada. Então imagina para ela como era, 'a mamãe está em casa, mas não está me dando atenção'. Foi a parte mais crítica. Aí nas trocas de aula e intervalos eu ia dar atenção a ela”.
 
O especialista em Psicopedagogia ainda disse que estas crianças que foram prejudicadas, que estão atrasadas na alfabetização, necessitarão de um cuidado maior para que se desenvolvam da maneira correta. Apenas após o fim real da pandemia será possível saber todas as sequelas.
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