Olhar Direto

Sexta-feira, 29 de março de 2024

Notícias | Ciência & Saúde

Chorar nem sempre faz bem, dizem pesquisadores

Elas são vistas como válvula de escape, como tônico psicológico e para muitos como vislumbre de algo ainda mais profunda: a linguagem de sinais do coração, a perspiração emocional de nossa humanidade comum.


As lágrimas lubrificam as canções de amor e o amor, casamentos e funerais, rituais públicos e sofrimentos privados, e é pouco provável que um estudo científico seja capaz de capturar seus muitos significados.

"Choro quando estou feliz e quando estou triste, e posso chorar quando revelo algo de importante para mim", disse Nancy Reiley, 62, que trabalha em um abrigo para mulheres em Tampa, na Flórida. "E, por algum motivo, eu às vezes choro quando tenho de falar em público".

"O choro nada tem a ver com um senso de tristeza ou vulnerabilidade. Não consigo imaginar por que acontece, mas acontece", ela diz.

Agora alguns pesquisadores estão dizendo que a percepção psicológica comum sobre o choro - a de que ele representa uma saudável catarse - é enganosa e incompleta.

Chorar pode ajudar as pessoas a recuperar o equilíbrio mental depois de uma perda. Mas nem sempre, e não para todo mundo, argumenta um artigo publicado na mais recente edição da revista Current Directions in Psychological Science.

Depositar tamanhas expectativas em um surto de lágrimas na verdade pode causar confusão emocional mais tarde.

Esse apelo por uma visão mais nuançada do choro deriva em parte de uma crítica a estudos anteriores. Ao longo dos anos, os psicólogos conseguiram confirmar muitas das observações comuns sobre o choro.

Ele é infeccioso. As mulheres cedem a ele mais facilmente e com mais frequência que os homens, por razões provavelmente bioquímicas. E a experiência física se assemelha à emocional: o ritmo cardíaco e respiratório atinge picos durante o surto e se normaliza depois.

Quando perguntadas sobre o motivo do choro, muitas pessoas, como seria de esperar, afirmam que chorar as ajuda a absorver os golpes, a melhorar e até a pensar com mais clareza sobre algo ou alguém a que tenham perdido.

Pelo menos é assim que elas recordam a experiência - e é aí que está o problema, diz Jonathan Rottenberg, psicólogo da Universidade do Sul da Flórida e co-autor do estudo de revisão.

"Muitos dados que sustentam as visões convencionais se baseiam em uma visão de retrospecto", disse Rottenberg, "e esse tipo de observação é contaminado pela crença das pessoas quanto aos efeitos que o choro deveria ter".

Da mesma maneira que os pesquisadores constataram que as pessoas tendem, com o tempo, a recordar seletivamente as melhores partes de suas férias, esquecendo os problemas, o sono também pode parecer catártico principalmente em retrospecto.

A memória repara os episódios confusos - aqueles momentos em que as lágrimas trouxeram mais vergonha que alívio, mais miséria que companhia.

Em artigo publicado na edição de dezembro da revista Journal of Social and Clinical Psychology, Rottenberg - com Lauren Bylsma, da Universidade do Sul da Flórida, e Ad Vingerhoets, da Universidade de Tilburg, na Holanda - detalha o estudo em que os pesquisadores pediram a 5.096 pessoas, em 35 países, que detalhassem as circunstâncias de seu mais recente episódio de choro.

Cerca de 70% delas disseram que a reação alheia ao seu momento emotivo foi positiva e confortadora, mas cerca de 16% mencionaram reações cruéis ou zangadas, o que, para surpresa de ninguém, os deixou se sentindo ainda pior.

Já que a mais evidente função social do choro é angariar apoio e simpatia, o impacto emocional das lágrimas depende em parte das pessoas que cercam o indivíduo que chora, e do que elas estejam fazendo naquele momento. O estudo constatou que chorar na presença de apenas uma pessoa tinha probabilidade muito maior de produzir efeito catártico do que fazê-lo diante de um grupo maior.

"Quase todas as emoções são, em determinado nível, dirigidas aos outros, de modo que a resposta deles sempre será importante", disse James Gross, psicólogo da Universidade Stanford.

A experiência do choro também varia de pessoa a pessoa, e algumas delas têm mais probabilidade do que outras de recorrer ao choro como forma de catarse.

Em estudos de laboratório, psicólogos induziram choro exibindo aos participantes cenas curtas e muito tristes de cinema. As pessoas que choravam diante dessas cenas - tipicamente 40% das mulheres e muito poucos homens - em seguida reportavam sua experiência diretamente.

Estudos como esse, ainda que representem apenas uma simulação da vida real, sugerem que as pessoas com sintomas de depressão e ansiedade não se emocionam tanto e nem se recuperam tão rápido quanto a maioria das demais. Nas pesquisas, elas também apresentavam menos benefícios psicológicos depois de chorar.

As pessoas que se sentem confusas quanto às origens de suas próprias emoções - uma condição que, em sua forma extrema, recebe o nome médico de alexitimia- também tendem a reportar poucos benefícios de um acesso de lágrimas, de acordo com os estudos pesquisados.

Isso faz certo sentido. Um dos propósitos do choro pode ser o de bloquear o pensamento, ou seja, na prática interromper o dilúvio de questões irrespondíveis que surgem depois de qualquer grande perda, com o propósito de esclarecer quais delas são mais importantes ou têm maior valor prático.

Se esse sistema psicológico já sofre de deficiências, um súbito dilúvio de lágrimas ardentes dificilmente servirá para melhorá-lo. Ou seja, embora as lágrimas tenham a capacidade de purgar as emoções difíceis, como uma inundação repentina elas também podem deixar uma pessoa isolada, e encharcada.
Entre no nosso canal do WhatsApp e receba notícias em tempo real, clique aqui

Assine nossa conta no YouTube, clique aqui
 
xLuck.bet - Emoção é o nosso jogo!
Sitevip Internet