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Sexta-feira, 19 de abril de 2024

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Obama anima cientistas ao dizer que devolverá 'ciência a seu devido lugar'

Para ser franco, a restauração da ciência foi o menos importante, mas quando Barack Obama proclamou, durante seu discurso de posse, que "devolveria a ciência a seu devido lugar", dava para sentir uma nuvem negra indo embora, como um alívio da comunidade científica do país.


Quando o novo presidente prosseguiu, jurando explorar o sol, o vento, o solo, e de "controlar as maravilhas da tecnologia", senti o brilho de um nascer do sol de primavera tocando meu rosto. Quase imaginei ter ouvido a música da mudança da espada pelo arado.

Uau. Minha primeira reação foi me preocupar com a posição estranha dos cientistas neste momento, considerados os salvadores do mundo. Como dizem por aí, tenha cuidado com o que você deseja.

Minha segunda reação foi me questionar sobre o significado real do "devido lugar" da ciência na nossa sociedade.

A resposta, eu diria, é no pedestal – mas não pelas razões que você possa imaginar.

Esqueça a penicilina, computadores digitais e até o Big Bang: tudo moda passageira.

Os socos recebidos pela ciência de seus críticos culturais e religiosos se devem ao fato dela ser arrogante e materialista. Ela nos diz coisas incríveis sobre a natureza e como manipulá-la, mas não o que deveríamos fazer com esse conhecimento e poder. O Big Bang não nos ensina a viver, ou se Deus nos ama, ou se existe algum Deus no fim das contas. Ela nos dá conselhos limitados sobre casamento homossexual ou comer carne. Ela silencia sobre a constante ameaça de destruição mútua como estratégia para evitar uma guerra nuclear.

Einstein parecia ecoar esse pensamento quando disse: "Nunca obtive nenhum valor ético a partir do meu trabalho científico". A ciência ensina fatos, não valores, diz a lenda.

Pior, a ciência apenas não só oferece nenhum valor em si, dizem os detratores, como também mina os valores já absorvidos, desvalorizando qualquer coisa que ela não consiga medir. Reduzir o pôr-do-sol a comprimentos de ondas e o romance a hormônios pululantes, por exemplo. Ela destrói mitos, rouba a mágica e o mistério do universo.

É assim que reza a lenda.

Mas tudo isso é besteira. A ciência não é um monumento da Verdade, mas algo que as pessoas fazem em busca da verdade.

Esse esforço, transformador do mundo nos últimos séculos, ensina, sim, valores. Esses valores, entre outros, são a honestidade, a incerteza, o respeito às evidências, a abertura, a responsabilidade e a tolerância, além de, claro, sede por opiniões contrárias. Esses são os princípios de trabalho descaradamente pragmáticos que guiam o zum-zum, os testes, os cutucões, as investigações, os argumentos, a bisbilhotice, os apetrechos, as piadas, os sonhos e a névoa tendenciosa da atividade – o escritor e biólogo Lewis Thomas uma vez a comparou com um formigueiro – que penetra lentamente e a fundo todos os cantinhos do mundo.

Ninguém apareceu em meio a uma névoa e ensinou aos cientistas estas virtudes. Esse comportamento simplesmente evoluiu porque funcionou.

Não é preciso ter nenhum comprometimento metafísico com um Deus ou qualquer concepção de origem ou natureza humana para entrar nesse jogo, só a hipótese de que a natureza pode ser interrogada e que a ela mesma é o árbitro final. Nos últimos anos, judeus, católicos, muçulmanos, ateus, budistas e hindus, todos têm trabalhado lado a lado construindo o Grande Colisor de Hádrons e seus detectores.

Realmente não existe nenhum líder, nenhum grande plano, para essa colmeia. A ciência é, sob vários aspectos, uma anarquia utópica, uma comunidade virtual que vive tanto na Internet, em aeroportos e cafés quanto em qualquer outro espaço ou tempo. Ou pelo menos é tão utópica quanto pode ser qualquer comunidade largamente dependente do governo e de financiamentos corporativos.

Quase indiscutivelmente, a ciência é a atividade humana mais bem-sucedida de todos os tempos. O que não quer dizer que a vida dentro dela seja sempre utópica, como vários de meus colegas apontaram em artigos sobre os pagamentos da indústria farmacêutica a pesquisadores médicos.

Porém, ninguém nunca foi preso por sustentar o valor errado para a constante de Hubble. Sempre existe lugar para mais dados serem discutidos.

Então, se você vai ficar sentimental em relação a alguma coisa, isso não é tão ruim.

Não é coincidência essas serem as mesmas qualidades que contribuem para a democracia, assim como o seu surgimento vir através do comportamento coletivo mais ou menos na mesma época do nascimento das democracias parlamentaristas. Se existe alguma coisa que a democracia exige e da qual se alimenta, é o desejo de abraçar o debate e o respeito um pelo outro, além da liberdade de refutar conhecimento recebido. A ciência e a democracia sempre foram irmãos.

Hoje, esta dinâmica é mais claramente, e talvez mais crucialmente, testada na China. Enquanto eu refletia sobre as palavras de Obama, pensei em Xu Liangying, um físico chinês idoso, pupilo de Einstein, a quem conheci alguns anos atrás. Ele passou a maior parte de sua vida em prisão domiciliar por defender a máxima de Einstein que dizia não haver ciência sem liberdade de discurso.

O oposto também pode ser verdadeiro. O hábito de questionar o que se aprende em física é incalculável no resto da sociedade. Como Fang Lizhi, colega de Xu, cujos escritos ajudaram a desencadear os protestos de 1985 na Praça da Paz Celestial, e que hoje ensina na Universidade do Arizona, disse em 1985: "A Física é mais que uma base para a tecnologia; ela é pedra fundamental do pensamento moderno".

Se não estamos praticando boa ciência, provavelmente não estamos praticando boa democracia. E viceversa.

A ciência e a democracia têm sido o lema das aspirações políticas chinesas há mais de um século. Quando o Partido Comunista tomou o poder, tentou adotar pelo menos o lado científico da equação. Por exemplo, isso foi o que Hu Yaobang, secretário geral do partido, disse em 1980: "A ciência é o que é simplesmente porque pode decompor fetiches e superstições, é ousada em suas explorações, além de se opor a seguir o caminho mais fácil e ousar destruir antigas convenções e maus costumes".

Bravas palavras que ainda não foram autorizadas a se tornar realidade na China. Hu foi perseguido, e, na verdade, foi para lamentar sua morte que estudantes inicialmente começaram a se juntar na Praça da Paz Celestial, em 1989.

Fang entrou em apuros inicialmente porque era a favor do Big Bang, mas isso era contra a ortodoxia marxista de que o universo se expandia infinitamente. O marxismo, devemos lembrar, já foi promovido como teoria científica, porém alguns temas estavam fora de cogitação.

No entanto, uma vez que se possa falar sobre certo assunto, a origem do universo, por exemplo, mais cedo ou mais tarde outros assuntos estarão fora de cogitação, como o aquecimento global, o controle da natalidade e o aborto, ou a evolução, assunto de mais uma discussão feroz na Texas, na semana passada.

Não existe democracia na China, e algumas pessoas argumentam que, apesar do grande potencial e recursos do país, não haverá ciência vigorosa lá até os líderes chineses levarem a sério o que Mao proclamou em 1955 e então cinicamente retirou: Deixem que cem flores floresçam, deixem que cem escolas de pensamentos discutam.

Por enquanto, espero ansiosamente que Obama cultive o nosso próprio jardim, belo e selvagem.
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