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Sexta-feira, 19 de abril de 2024

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Cigarro na gravidez faz mais mal ao bebê que cocaína, dizem especialistas

Uma irmã tem 14 anos, a outra tem nove. Elas formam uma dupla vibrante: a mais velha é animada e responsável, uma estudante capaz e ajudante devotada em casa; sua irmã adora ler e assistir a programas de culinária, e recentemente obteve resultados muito acima da média em testes-padrão realizados em toda a cidade de Baltimore.


Não haveria nada de notável sobre essas duas garotas normais e felizes se não fosse pela história de sua mãe. Yvette H., 38 anos, admite ter usado cocaína (juntamente com heroína e álcool) enquanto estava grávida das duas meninas. "Uma viciada em drogas", diz ela, com arrependimento, "não está muito preocupada com o bebê que carrega."

Quando o uso do crack se tornou uma epidemia nacional nas décadas de 80 e 90, existia um temor generalizado de que a exposição pré-natal à droga produziria uma geração de crianças severamente afetadas. Jornais publicavam manchetes como "Cocaína: Um Brutal Ataque a Uma Criança", "O Preço do Crack Para Bebês: Um Futuro sem Esperanças" e "Estudos: Gélido Futuro Para Bebês do Crack."

No entanto, agora os pesquisadores estão sistematicamente acompanhando crianças que foram expostas a cocaína antes do nascimento, e suas descobertas sugerem que as encorajadoras histórias das filhas de Yvette H. estão longe de ser incomuns. Até agora, dizem esses cientistas, os efeitos de longo prazo dessa exposição no desenvolvimento cerebral e no comportamento das crianças parecem relativamente pequenos.

Sutileza
"Existem diferenças? Sim", diz Barry M. Lester, professor de psiquiatria da Universidade Brown e diretor do Estudo de Estilo de Vida Materna, um projeto de financiamento federal sobre crianças expostas a cocaína no útero. "Essas diferenças são confiáveis e persistentes? Sim. Elas são grandes? Não."

A cocaína é indubitavelmente ruim para o feto. Porém, especialistas dizem que seus efeitos são menos severos que os do álcool e se comparam aos do tabaco – duas substâncias legais, utilizadas com muito mais frequência por mulheres grávidas, apesar das advertências médicas.

Pesquisas do Departamento de Saúde e Serviços Humanos, em 2006 e 2007, descobriram que 5,2% das mulheres grávidas relataram ter usado alguma droga ilícita, em comparação com 11,6% para álcool e 16,4% para tabaco.

"O argumento não é de que está certo usar cocaína na gravidez, nem que está certo fumar na gravidez", diz Deborah A. Frank, pediatra da Universidade de Boston. "Nenhuma das duas drogas é boa."

No entanto, o uso de cocaína na gravidez foi tratado mais como um assunto moral do que de saúde, disse Frank. Mulheres grávidas que usam drogas ilegais muitas vezes perdem a custódia de seus filhos. Durante os anos 90, muitas foram julgadas e presas.

Males detectados
A cocaína desacelera o crescimento fetal, e crianças expostas a ela tendem a nascer menores que o normal, com cabeças menores. Mas, à medida que elas crescem, o tamanho do cérebro e do corpo geralmente recuperam o tempo perdido.

Em conferência científica realizada em novembro do ano passado, Lester apresentou uma análise de uma série de estudos com 15 grupos de crianças expostas à cocaína – 4.419 no total, com idades entre 4 e 13 anos. A análise não conseguiu mostrar um efeito estatisticamente significativo em relação ao QI ou ao desenvolvimento da linguagem. No maior dos estudos, as pontuações de QI de crianças expostas à substância ficaram em média 4 pontos abaixo das crianças não-expostas, aos 7 anos de idade.

Em testes medindo funções específicas do cérebro, há evidências de que crianças expostas à cocaína têm mais chances de enfrentar dificuldades em tarefas que exigem atenção visual e a "função executiva" – a habilidade cerebral de definir prioridades e atribuir atenção seletiva, permitindo foco na tarefa definida.

A exposição à cocaína também pode aumentar a frequência de um comportamento desafiador e má conduta, de acordo com a análise de Lester. Há também algumas evidências de que os meninos podem ser mais vulneráveis que as meninas quanto a problemas comportamentais.

Porém, especialistas afirmam que essas descobertas são bastante sutis e difíceis de generalizar. "Só porque é estatisticamente significativo, isso não implica um enorme impacto na saúde pública", diz Harolyn M. Belcher, pediatra de desenvolvimento neurológico e diretora de pesquisa no Centro Familiar do Instituto Kennedy Krieger, em Baltimore.

Michael Lewis, professor de pediatria e psiquiatria da Escola Médica Robert Wood Johnson, em New Brunswick, Nova Jersey, afirmou que, no consultório médico ou numa sala de aula, "não temos como diferenciar" quais crianças foram expostas à cocaína antes do nascimento.

Ele acrescenta ainda que fatores como má criação, pobreza e tensões, como exposição à violência, trazem uma probabilidade muito maior de prejudicar o desenvolvimento intelectual e emocional da criança. Pela mesma lógica, crescer num lar estável, com pais que não abusam de álcool ou drogas, pode ajudar muito a suavizar efeitos danosos da exposição pré-natal a drogas.

Dois pesos, uma medida
A posse de crack, droga que era amplamente vendida dentro da cidade, principalmente nos bairros negros, há muito tempo é punida com sentenças mais pesadas que a posse de cocaína em pó, embora as duas formas sejam metabolizadas identicamente pelo corpo e tenham os mesmos efeitos farmacológicos.

Frank, a pediatra de Boston, explica que crianças expostas à cocaína são muitas vezes incomodadas ou estigmatizadas, caso outras pessoas saibam dessa exposição. Quando elas desenvolvem sintomas físicos ou problemas comportamentais, médicos ou professores algumas vezes culpam rapidamente a exposição às drogas e deixam de focar na causa real, como doença ou abuso.

"As expectativas sociais das crianças", diz ela, "e a reação às mães é completamente direcionada não pelos tóxicos, mas pelo significado social" da droga.

Pesquisas sobre os efeitos sobre a saúde de drogas ilegais, especialmente em crianças não nascidas, são politicamente carregadas. Pesquisadores que estudam crianças expostas à cocaína afirmam lutar para interpretar suas descobertas para o público, sem exagerar – ou minimizar – suas implicações.

Lester, o chefe do Estudo de Estilo de Vida Materno (MLS, da sigla em inglês), apontou que as evidências de problemas de comportamento se fortaleceram à medida que as crianças em seu estudo e outros se aproximaram da adolescência. Pesquisadores do estudo estão coletando dados de adolescentes de 14 anos, disse ele, acrescentando: "Definitivamente, precisamos continuar acompanhando essas crianças. Para o MLS, o que mais nos interessa é se a exposição pré-natal à cocaína predispõe ou não a criança ao uso precoce de drogas na adolescência" ou a outros problemas de saúde mental.

Pesquisadores teorizam há muito tempo que a exposição pré-natal a uma droga pode aumentar as possibilidades de que a criança a use. Mas, até agora, essa ligação só foi reportada significativamente no caso da exposição ao tabaco.

Isolar os efeitos da exposição à cocaína é complicado pelo fato de que, como Yvette H., quase todas as mulheres nos estudos também usavam outras substâncias durante a gravidez.

Além disso, a maior parte das crianças nos estudos é pobre, e muitas apresentam outros fatores de risco que notoriamente afetam o desenvolvimento cognitivo e o comportamento – assistência de médica inadequada, escolas inferiores, instabilidade familiar. Lester diz que o estudo de seu grupo foi grande o suficiente para levar tais fatores em consideração.

Yvette H., que concordou em ser entrevistada com a condição de que seu sobrenome e os nomes de suas filhas não fossem divulgados, disse ter iniciado um programa de tratamento para drogas e álcool há cerca de seis anos, após perder a custódia das crianças.

Outra filha, nascida depois que Yvette se recuperou do abuso de álcool e drogas, está muito bem aos 3 anos. Seu mais velho, um garoto de 17 anos, é o único com problemas de desenvolvimento: ele é autista. No entanto, Yvette contou não ter usado cocaína, álcool ou qualquer outra substância durante sua gravidez.

Após 15 meses sem usar drogas ou álcool, Yvette H. recuperou a custódia dos filhos e se mudou para o Dayspring House, um programa residencial em Baltimore para mulheres em recuperação do abuso de drogas e seus filhos.

Lá, ela recebeu aconselhamento psicológico, aulas,, treinamento para trabalho e ajuda sobre como administrar suas finanças. Sua mais nova frequentou o Head Start, as crianças mais velhas foram a escolas locais e ganharam tarefas residenciais, e a família aprendeu a conversar sobre seus problemas.

Yvette H. trabalha num armazém local, pagou suas dívidas, tem sua própria casa e está envolvida na educação e na saúde de seus filhos. Ela disse que reconquistar a confiança das crianças levou um longo tempo. "É algo que precisa ser trabalhado constantemente," disse ela.

Caso trágico
Nem toda criança exposta à cocaína no útero cresce ilesa. Cornell Wright, nascido prematuro em 12 semanas de uma mulher que usou álcool e cocaína na gravidez, passou seus primeiros cinco meses num hospital, sofrendo complicações que incluíram hemorragia cerebral, infecção por hepatite B e déficit pulmonar.

Sua mãe adotiva, Sarah Wright de Glendale, Maryland, contou que, ao levá-lo para casa, os médicos lhe disseram que ele poderia ficar cego, nunca conseguir andar, e talvez pudesse morrer.

"Ele não fazia absolutamente nada, nem mesmo sorria", lembra Wright. "Ele apenas ficava lá, como um pedaço de papel em branco."

Hoje com 14 anos, Cornell é levemente retardado e sofre de Transtorno do Déficit de Atenção, assim como problemas comportamentais. Em seu caso, como ocorre com muitas crianças sob tais condições, as causas específicas são desconhecidas; "é plausível e provável que a exposição intra-uterina a cocaína e álcool tenha tido grande relação com o quadro observado", disse a Dra. Harolyn M. Belcher, que trabalha com Cornell e outras crianças em risco.

Wright recorreu a todos os serviços sociais e médicos que pôde encontrar. Ela buscou terapias ocupacional, de fala e física, inscrevendo Cornell num programa estatal para bebês e crianças e uma creche terapêutica. Ele finalmente aprendeu a andar, aos 17 meses, e comeu sua primeira comida sólida aos 2 anos.

Cornell iniciou um programa especial de educação de uma escola primária, mas não conseguiu acompanhar os trabalhos e ficava cada vez mais deprimido quando outras crianças o provocavam. Então, Wright lutou com sucesso para transferi-lo para uma escola especial no Instituto Kennedy Krieger, onde Belcher, um pediatra de desenvolvimento neurológico, é diretor de pesquisa.

Desde então, Cornell desabrochou. Atualmente na nona série, ele toca bateria, participa de um programa de Jovens Fuzileiros Navais e recentemente entrou no time de basquete principal da escola. Ele faz aulas de marcenaria, horticultura e venda no varejo, e quer ser mecânico.

"Ele é minha criança que nunca fica doente", diz Wright.

Na visão de Belcher, "ele está se sentido bem consigo mesmo."

Wright concorda. "Cornel é muito bem-sucedido", diz ela. "Alguém pode olhar para ele e pensar, 'Ele tem 14 anos e não consegue fazer isso ou aquilo' – mas você não conhece a história dele. Para mim, ele é um milagre."
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