Olhar Direto

Terça-feira, 23 de abril de 2024

Notícias | Variedades

Atriz de 'Weeds' estréia peça em Nova York

Ninguém melhor do que a perversamente perceptiva Hedda Gabler para identificar o que há de errado com a nova montagem da peça homônima. No segundo ato dessa triste remontagem do clássico que Ibsen escreveu em 1890, Hedda (Mary-Louise Parker) admite que só tem talento para uma coisa: "sentir-me morta". E, àquela altura da peça, não haverá quem discuta com ela. 


"Eureca!", eu exclamei mentalmente quando Parker pronunciou a sentença na voz dura como ferro que emprega durante todo o espetáculo. "Isso explica tudo".

Christopher Shinn, o responsável pela nova adaptação da muito encenada ode de Ibsen à frustração da condição feminina moderna, foi inteligente ao alterar a fala original, que costuma ser traduzida por "sentir-me entediada até a morte". As interpretações afetadas e amadoras que eu estava contemplando no palco, as vozes monocórdicas e as pausas arrastadas, serviam para criar a impressão de que as pessoas já estavam mortas. Será que Hedda Gabbler foi montada sob a influência de Crepúsculo, o sucesso dos cinemas cujo tema é o preço de amar um jovem vampiro?

Não estou sendo absurdo. Parker, uma de nossas atrizes mais deliciosas, trocou seu habitual ar de espontaneidade bem humorada pela petulância robotizada de uma adolescente que passa o ano todo dizendo "odeio todo mundo". Os cabelos escuros, o rosto cadavericamente pálido e a magreza de seu corpo sugerem uma menina dos subúrbios de Los Angeles que desistiu de ser cheerleader (chefe de torcida) e se tornou gótica.

Nesse contexto, até a bizarra cena visual com que a peça se inicia parece fazer sentido. Hedda está deitada em um sofá, com a saia erguida e o traseiro aparentemente nu apontado para a platéia. Só na adolescência mostrar o traseiro serve como insulto - que maneira melhor existiria de mostrar desdém pela burguesia? E é claro que essa dona-de-casa vampiresca, ao contrário das frígidas Heddas do passado, é chegada a atividades sexuais.

Ela até deixa o antigo namorado Ejlert Lovborg (Paul Sparks) conseguir o que deseja sexualmente, enquanto o marido está na sala ao lado. Que Sparks interprete o brilhante e decadente Ejlert com as inflexões vocais de um surfista chapado só serve para reforçar os paralelos com Crepúsculo.

Está bem, eu desisto do meu paralelo com Crepúsculo. Adoraria encontrar qualquer argumento que me permitisse defender a remontagem de Hedda Gabler produzida pela Roundabout Theater Company. Admiro muitas das pessoas envolvidas nessa montagem mal sucedida do retrato de Ibsen sobre uma mulher sufocada pelas restrições sociais e por sua neurose. (Sim, é esse o tema da peça, mas não se trata de algo relevante para o que discutimos aqui).

Que o diretor do fiasco seja Ian Rickson, que nesta temporada produziu a mais perfeita remontagem que já assisti para As Gaivotas me deixa ainda mais perplexo. As Gaivotas era uma produção fluida, integrada, na qual todos pareciam existir no mesmo momento e no mesmo universo.

No caso da nova Hedda Gabler não é apenas que todo mundo esteja mal, mas que cada um dos participantes esteja trabalhando mal de um modo distinto e peculiar. Há momentos em que, devido a alguns dos confusos desvios pelos meandros da Broadway que a peça parece adotar, a impressão é a de que atores que na verdade estão trabalhando em - sei lá, qualquer coisa, de Grease a Equus - surgem como que por acaso no teatro errado.

Tomemos o exemplo de Michael Cerveris, um homem de forte presença teatral escalado para o papel de Jorgen Tesman, o intelectual ineficiente que, para surpresa de todos, se casa com Hedda. Bem, não há nada de seco na forma como o personagem é interpretado - a retórica é florida, a dicção é pomposa, o sorriso é sarcástico. Peter Stormare, que desempenha o juiz Brack, um hipócrita que gosta de aparentar respeitabilidade, parece estar fazendo o papel de um chefão da máfia russa.

Já mencionei o caso de Ejlert, um personagem excêntrico, impulsivo, que nesta versão da peça se transforma em uma espécie de preguiçoso aprisionado em um terno. O que nos deixa apenas com Ana Reeder, que faz da idealista e moralista Thea Elvsted uma criancinha chorona e confusa perdida em uma loja de departamentos.

O cenário, de Hildegard Bechtler, é surpreendentemente convencional, muito parecido com o de dezenas de outras montagens da peça - mas com janelas e portas mais altas. O figurino de Ann Roth é bonito, e Parker, em especial, veste bem as roupas de época (ao menos enquanto mantém o traseiro coberto). A tradução de Shinn oferece novas opções para diálogos conhecidos, e ocasionalmente isso gera a sensação de que ele está praticando uma espécie de contorcionismo verbal só para contrariar as expectativas.

Isso inclui a famosa linha final da peça. (Não leia, se você não conhece a peça.) Na maioria das traduções, o texto é "as pessoas não fazem coisas assim". Na nova versão, o texto diz "quem faria algo assim?" Se eu não conhecesse os trabalhos anteriores da equipe que criou esta versão, estaria coçando a cabeça e me fazendo a mesma pergunta.
Entre no nosso canal do WhatsApp e receba notícias em tempo real, clique aqui

Assine nossa conta no YouTube, clique aqui
 
xLuck.bet - Emoção é o nosso jogo!
Sitevip Internet