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Sexta-feira, 29 de março de 2024

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Cego quer criar celular com tela de toque para quem não vê

O cientista T.V. Raman foi uma criança estudiosa, que desenvolveu uma paixão por matemática e quebra-cabeças ainda bem pequeno. A paixão não mudou quando um glaucoma o cegou aos 14 anos. O que mudou foi o papel que a tecnologia - e suas próprias inovações - desempenhou na busca de seus interesses. Raman, que dependia de voluntários para ler enquanto estudava numa universidade técnica de seu país de origem, Índia, passou a levar uma vida autônoma no Vale do Silício, onde é um cientista da computação e engenheiro do Google altamente respeitado. Agora, aos 43 anos, trabalha para modificar a última tecnologia que, segundo ele, pode tornar a vida dos cegos mais fácil: um telefone touch-screen.


Em seu percurso, Raman construiu uma série de mecanismos que o ajudam a tirar proveito de objetos ou tecnologias que não foram desenvolvidos para usuá rios cegos. Eles variam de um Cubo de Rubik em Braille a um software capaz de recitar complexas fórmulas matemáticas, que se tornou o objeto de sua dissertação de doutorado em Cornell. Ele também desenvolveu uma versão do serviço de buscas Google para deficientes visuais.

"O que Raman faz é impressionante," disse Paul Schroeder, vice-presidente de programas e estratégias da Fundação Americana para Cegos, que conduz pesquisas sobre tecnologias que podem ajudar deficientes visuais. "Ele é líder em questões de acessibilidade e sua capacidade de desenvolver e alterar tecnologias para responderem às suas necessidades é única."

Algumas inovações de Raman podem ajudar a tornar invenções eletrônicas e serviços da web mais amigáveis para todo mundo. Em vez de perguntar como algo funciona caso a pessoa não enxergue, ele prefere perguntar: "como isso funciona quando o usuário não está olhando para a tela?"

Tais sistemas podem ser úteis para motoristas ou qualquer um que possa se beneficiar de um acesso não-visual ao telefone. Eles também podem atrair a geração de meia-idade, cuja perda de visão enquanto envelhecem não a impede de querer continuar usando a tecnologia da qual passaram a depender.

A abordagem de Raman reflete um reconhecimento de que muitas das inovações desenvolvidas primordialmente para deficientes acabaram beneficiando um público mais amplo, disse Larry Goldberg, que supervisiona o Centro Nacional de Mídia Acessível da WGBH, estação de rádio pública de Boston.

Elas incluem calçadas rebaixadas para cadeiras de roda, legendas de transmissões televisivas e uma tecnologia de reconhecimento ótico, desenvolvida para criar um programa que possa ler em voz alta livros impressos e que hoje é usada em muitos aplicativos de computador, disse.

Sem botões para guiar os dedos em sua superfície vítrea, o celular touch-screen pode parecer um belo desafio. Mas Raman disse que, com os ajustes certos, os celulares touch-screen - muitos já equipados com tecnologia GPS e bússola - podem ajudar os cegos a navegar pelo mundo. "Não é difícil entender que seu telefone pode dizer, 'ande reto e em 60 metros você chegará à intersecção de X com Y,'" disse Raman. "Isso é completamente factível."

Os obstáculos na internet têm muitas formas. Uma comum é o Captcha, um recurso de segurança que consiste em uma seqüência de letras e números distorcidos que os usuários devem ler e digitar antes de se registrarem para um novo serviço ou enviar e-mail. Poucos sites oferecem um Captcha sonoro. Algumas páginas são apenas mal projetadas, como sites de comércio eletrônico em que o botão para checar sua compra é uma imagem sem nada escrito, o que impede dispositivos leitores de tela de encontrá-lo.

"A vasta maioria da indústria realmente não avançou para oferecer à comunidade cega acesso igualitário a seus produtos," disse Eric Bridges, diretor de mobilização e relações governamentais do Conselho Americano para Cegos. Bridges e outros grupos de interesse defendem que a acessibilidade deveria estar inserida nas novas tecnologias, não pensada depois como complemento.

Pessoas com outras deficiências enfrentam desafios similares na internet. "Para os surdos, a frustração é grande por causa dos muitos vídeos sem legenda," disse Goldberg. Raman, que antes de se juntar ao Google em 2005 trabalhou na Adobe Systems e como pesquisador na IBM, está intimamente familiarizado com problemas de acessibilidade, tanto pessoal quanto profissionalmente. Em 2006, ele desenvolveu uma versão do mecanismo de busca do Google que dá leve preferência a sites que funcionem bem com leitores de tela. O sistema precisou testar milhões de páginas da web.

"Não se achava uma única que satisfazia totalmente as necessidades da acessibilidade," disse Raman. Mesmo assim, o sistema pôde detectar quais páginas funcionavam razoavelmente bem com os leitores de tela. O serviço não está tão difundido quanto ele esperava. Mas causou impacto. Diversos operadores de web sites cujas páginas não apareciam em destaque nos resultados do Google perguntaram a Raman como poderiam consertá-las para conseguir melhor posição.

O serviço inclui uma lupa de tela que aumenta os resultados de busca. Raman afirma que o recurso é voltado para usuários de visão limitada, mas também pode ser útil a muito mais gente, especialmente usando celulares e outros aparelhos de telas pequenas. Para uso pessoal, ele desenvolveu um sistema altamente customizado que lhe dá acesso eficiente à boa parte do que precisa em seu PC e na internet, descartando qualquer coisa que o desaceleraria. Por exemplo, o sistema vai direto ao artigo do site de notícia que acompanha regularmente, ignorando links e outras características típicas de páginas de internet.

Recentemente, Raman trabalhava em um artigo científico sobre o futuro da estrutura da internet. O monitor estava sobre a escrivaninha. Ele geralmente fica desligado, a não ser que Raman queira mostrar a um colega ou visitante no que está trabalhando. Ele digitava em seu teclado, a cabeça levemente inclinada escutando o leitor de tela por um par de fones de ouvido sem fio.

O leitor está calibrado para falar com quase o triplo da velocidade de uma voz normal. Para o ouvido destreinado, o resultado é incompreensível, mas é isso que permite Raman "ler" praticamente na mesma velocidade de uma pessoa com visão.

O processamento rápido de informação é uma habilidade que desenvolveu durante os anos: um vídeo no YouTube o mostra resolvendo o Cubo de Rubik em Braille em 23 segundos. Quando não está digitando, Raman, que usa grandes óculos escuros, geralmente está dobrando ou desdobrando folhas de papel em pequenas formas geométricas, um origami montado a velocidade espantosa.

Ele divide o espaço de trabalho no Google com Charles Chen, um engenheiro de 25 anos, e Hubbell, seu cão-guia. (Hubbell possui seu próprio site.) Chen, que enxerga, desenvolveu um leitor de telas gratuito para páginas da internet que funciona no navegador Firefox. Trabalhando em conjunto, os dois recentemente acrescentaram atalhos no teclado que ajudam cegos e usuários de visão limitada a navegar mais rápido pelos resultados do Google. Eles também desenvolveram ferramentas para tornar aplicativos sofisticados da web, como e-mail e leitores de blog, mais adequados ao software de leitura de tela.

Agora, a dupla se dedica aos celulares touch-screen. "As coisas nas quais tenho mais interesse são as que estão migrando para o mundo portátil, porque é uma grande mudança na vida das pessoas," disse Raman.

Para mostrar seu progresso, Raman puxou do bolso da calça jeans seu T-Mobile G1, um celular touch-screen com o software Android do Google. Ele e Chen já o equiparam com um software cuja narração é bem parecida com a de um PC. Agora trabalham em formas que permitam cegos, ou qualquer um que não esteja olhando para a tela, inserir textos, números e comandos. Esse recurso complementaria os sistemas de reconhecimento de voz, que não são sempre confiáveis e não funcionam bem em ambientes barulhentos.

Como ele não pode apertar um botão específico na tela sensível, Raman criou um teclado que funciona a partir de posições relativas. Ele interpreta o primeiro toque em qualquer lugar na tela como um 5, o centro de um teclado numérico normal de telefone. Para discar qualquer outro número, ele simplesmente desliza o dedo em sua direção - acima à esquerda para o 1, abaixo à direita para o 9 e assim por diante. Se comete um erro, pode apagar um dígito simplesmente balançando o telefone, que detecta movimento.

A dupla testa diversos outros mecanismos de entrada de dados. Nenhuma dessas tecnologias está no mercado, mas Raman, que já usa o G1 como seu principal celular, espera em breve torná-las disponíveis gratuitamente. (Hoje, há poucos leitores de telas disponíveis para smartphones e eles costumam custar tanto quanto o próprio telefone.)

Segundo Raman, a mais revolucionária tecnologia móvel - um telefone que pode reconhecer e ler sinais por meio de sua câmera - ainda está a alguns anos de distância. Certos dispositivos já conseguem ler textos dessa forma. Mas como os usuários cegos não sabem onde esses sinais estão, não podem apontar a câmera ou alinhá-la adequadamente, disse Raman. Segundo ele, quando os chips se tornarem poderosos o suficiente, serão capazes de detectar a localização do sinal e lê-lo mesmo distorcido. "Vai acontecer," disse. E quando acontecer, também vai beneficiar os usuários que enxergam.

"Se você tem uma tecnologia que reconhece um sinal de trânsito enquanto você dirige, isso ajuda a todos," disse. "Em um país estrangeiro, irá traduzi-lo."

As inovações de Raman já estão em milhões de computadores. Nos anos 1990, na Adobe, ele ajudou a adaptar o formato PDF para que pudesse ser reconhecido por leitores de tela. Isso era uma exigência para que o PDF fosse usado pelo governo americano, e a tecnologia acabou sendo adotada como um padrão mundial para documentos eletrônicos.

"Foi incrivelmente importante para nós como um negócio, e para os cegos," disse John Warnock, presidente e fundador da Adobe. Raman acredita que o maior impacto vai acontecer quando ele convencer outros engenheiros a tornar seus produtos acessíveis - ou, melhor ainda, quando convencê-los de que existem problemas interessantes a serem resolvidos na área. "Se eu conseguir outros dez engenheiros motivados a trabalhar com acessibilidade," disse, "será um ganho imenso."

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