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Quinta-feira, 28 de março de 2024

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Epidemia do vírus zika: há razão para pânico?

RIO E BRASÍLIA — Capaz de se espalhar pelas Américas em velocidade espantosa e associado à devastadora microcefalia, o vírus zika foi considerado explosivo pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que alertou na quinta-feira para o risco da doença em todo o mundo. A diretora da OMS, Margaret Chan, declarou que “o nível de alarme é extremamente alto”, e frisou que é necessária uma mobilização internacional.


— A epidemia de zika se espalha de forma explosiva. Estou profundamente preocupada com a rapidez com que a situação tem evoluído — destacou Margaret Chan, durante a assembleia anual da organização, em Genebra.

O temor maior é a associação do zika com a microcefalia e outras malformações no Brasil e o fato de o vírus já ter sido detectado em 23 países das Américas. A OMS prevê que as duas únicas exceções serão Chile e Canadá. O fenômeno El Niño, que provoca aumento de temperatura, pode influenciar na infestação do mosquito e na propagação da zika, e já se sabe que levará pelo menos três anos até que uma vacina contra o vírus chegue a quem precisa.

UMA EPIDEMIA EXPLOSIVA

O que era emergência nacional pode se transformar, em 1º de fevereiro, em emergência de relevância internacional (Pheic, na sigla em inglês), um tipo de situação para qual a OMS dispara alarme vermelho em todo o planeta. Margaret Chan convocou para a segunda-feira uma reunião do painel de especialistas do acordo Regulação Internacional de Saúde (IHR, na sigla em inglês), do qual o Brasil e mais de 190 países são signatários.

Espera-se que o comitê decrete a emergência internacional, como a estabelecida contra a epidemia de ebola, em 2014. Na prática, isso significaria o estabelecimento de uma série de medidas que os países se comprometem a seguir. A Pheic não tem força de lei, mas costuma ser seguida. Ela pode facilitar o acesso a vacinas e a testes de diagnóstico rápido. E estabelecer diretrizes para o controle do mosquito.

No Brasil, após o pronunciamento da diretora da OMS, a presidente Dilma Rousseff fez um discurso na reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e apelou a empresários, líderes sindicais e religiosos, entre outros, para que se unam no combate ao Aedes.

— Peço aos senhores e senhoras que mobilizem seus funcionários, filiados, fiéis de Igreja, amigos de escola e vizinhos e vizinhas no combate ao mosquito. O mosquito não pode ser e não é mais forte que um país inteiro, consciente de sua ameaça — disse Dilma.

Especialistas não veem motivo para pânico no Brasil. Mas sim para mobilização. Segundo eles, a zika deve ser monitorada com atenção nas grávidas, e mais pesquisas precisam ser feitas para compreender os efeitos do vírus e saber por que a maioria das pessoas sofre apenas sintomas sem gravidade, enquanto algumas manifestam problemas neurológicos, e fetos podem ter o desenvolvimento gravemente afetado. Unanimidade entre especialistas é a necessidade de controlar o mosquito.

Mas uma das medidas de prevenção à microcefalia anunciadas pelo Ministério da Saúde, a distribuição de repelentes a grávidas, enfrenta um impasse. Os fabricantes do produto pediram ao governo a isenção de três impostos: o de importação (alíquota de 2%), o PIS (2,1%) e o Cofins (9,65%). Apenas dessa forma, diz a indústria, será possível garantir um preço razoável.

Os fabricantes dizem que os impostos recaem exatamente sobre os três compostos químicos obrigatórios nos repelentes que serão distribuídos. Todos são trazidos de fora do país com preços impactados pelo dólar, segundo Paulo Guerra, diretor geral do Laboratório Osler do Brasil, que fabrica o repelente da marca Exposis.

O governo diz que cerca de 40 mil profissionais que fazem a leitura dos medidores de energia das residências entrarão no combate ao Aedes. Eles mapearão possíveis focos do mosquito, usando coordenadas geográficas com o equipamento que já utilizam habitualmente para verificar os relógios de luz. As contas de luz e gás terão mensagens de alerta, como: “Febre, coceira, dor de cabeça e outros sintomas podem ser dengue, chicungunha ou zika. Beba muita água e vá a uma unidade do SUS”.

PEDRO VASCONCELOS

“A situação é grave e não é só no Brasil. Vemos hoje o Aedes transmitir mais uma doença no mundo. A dengue mata entre 25 mil e 50 mil pessoas por ano no planeta. E até agora ninguém se comoveu. A população precisa participar do controle dos focos, a maioria está nas casas. As pessoas precisam entender que não podem deixar o zika entrar nas casas. O zika traz o risco de causar microcefalia, problema sem chance de cura. É uma dor e um ônus que país nenhum pode suportar. O zika destrói sonho, famílias. É problema social. O vírus se espalha porque o mosquito está disseminado. Acontece o mesmo que houve com o chicungunha no Caribe e na América Central. Não sabemos se o zika se multiplica melhor no Aedes, se temos mais mosquitos ou se são as duas coisas. O mosquito precisa ser controlado. E o alerta da OMS cria um consenso global, aumenta o esforço pelo controle e ajuda países que não têm a estrutura de vigilância do Brasil”

Pedro Vasconcelos é virologista do Instituto Evandro Chagas (Pará)

AKEMI SUZUKI

“A situação é preocupante e há motivo para alarme porque o Aedes se propaga sem controle e a população precisa entender, de uma vez por todas, que tem de colaborar. Nesse sentido, o alarme é muito válido. Só chegamos nesse ponto porque não levaram a dengue a sério, e o mosquito se proliferou. A maioria dos focos está dentro das casas e os cidadãos acham que não é dever deles participar do controle. É como o fumante que sabe que causa câncer, mas não larga o cigarro. Não sabemos mais como sensibilizar as pessoas. As mortes por dengue não são suficientes. Banalizaram-se. Morreram 440 pessoas em 2015 em São Paulo de dengue, e parece que não aconteceu nada. É um desaforo alguém morrer de dengue. Inadmissível! Assim como o zika é inadmissível. A população tem de tomar juízo. A perspectiva não é das melhores. Achar que o inverno segurará o mosquito não é correto. Rio e Nordeste têm temperaturas elevadas no inverno”

Akemi Suzuki é especialista do Instituto Adolfo Lutz, de SP

AMÍLCAR TANURI

“Considero decretar um alerta internacional um exagero da OMS. Não há dúvida de que o vírus zika está disseminado. Mas não temos ainda uma relação conclusiva de que ele é o causador de microcefalia. Falta ainda muita pesquisa. O vírus da dengue já foi encontrado na placenta de gestantes, e isso não prova que dengue provoca microcefalia. Não há motivo para pânico. As grávidas devem fazer exames pré-natal e ser acompanhadas de perto. É evidente que é importante controlar o Aedes aegypti, mas não apenas pelo vírus zika. Sempre foi importante combater esse mosquito. E a microcefalia precisa mais estudada. Será que o casos da doença do Nordeste são iguais aos do restante do país? Por que o estado de Sergipe tem vários casos suspeitos de microcefalia, mas tem baixa ocorrência zika? Temos que acompanhar de perto. Mas não precisamos entrar em pânico”.

Amílcar Tanuri trabalha no Laboratório de Virologia molecular da UFRJ

CELSO RAMOS FILHO

“Em relação ao zika, está havendo um alarde exagerado dentro e fora do Brasil. Não acho que microcefalia seja algo de menor importância. Mas dengue é certamente um problema maior do que zika, que, normalmente, é uma doença leve, em que 80% das pessoas são infectadas e não sabem. Não está inteiramente comprovado que o vírus zika, sozinho, ocasiona microcefalia. Talvez também alguma outra coisa esteja ocasionando. Não sabemos a proporção de grávidas infectadas cujas crianças desenvolvem microcefalia. Sobre o alarde com relação às Olimpíadas, os Jogos vão ocorrer entre julho e agosto. Não temos aumento de doenças transmitidas pelo Aedes aegypti. Nesse período seco, o mosquito tem menos possibilidade de se desenvolver, pois demora mais para chegar à forma adulta. O problema chama-se Aedes, mas, para fazer as pessoas mudarem o hábito, combaterem o mosquito, tem que fazer uma mobilização social”

Celso Ramos Filho é infectologista e epidemiologista da UFRJ

DAVID UIP

“A situação é preocupante. Temos um vetor, o Aedes, que carrega 4 vírus: febre amarela, zika, dengue e chicungunha. Controlar vetor é muito difícil, principalmente quando se aloja em locais onde a autoridade pública não tem acesso, como as casas das pessoas. Aí a ONU começa a discutir a doença por meio de alerta global, o presidente dos EUA se posiciona, e o volume de informação aumenta. A situação que estamos vivendo é grave, mas não é inusitada. Já vivemos epidemias muito graves nos últimos anos. Passamos muito tempo sem saber direito como era a transmissão do HIV, o que ele causava. Até que houvesse avanço em políticas públicas e tecnologia, muitos pacientes morreram. A situação melhorou quando surgiram remédios. Enquanto não tivermos vacinas e remédios para zika e chikungunya, seu controle será rudimentar. A partir do momento que se trata o vírus, a disposição dele no sangue diminui e a contaminação cai”

David Uip é infectologista, secretário de Saúde do estado de São Paulo

ALBERTO CHEBABO

“Tem um exagero porque a zika, em pessoas que não estejam grávidas, não tem uma manifestação clínica importante. Na maior parte das vezes, é uma doença que não cria empecilho para as pessoas fazerem as coisas, tem baixa complexidade e não tem sequelas. Existem outras doenças mais graves, como a própria dengue. O combate do mosquito, a longo prazo, não está sendo eficaz. A curto prazo, são medidas corretas, mas falta celeridade. O próprio governo reconhece que não visitou todos os domicílios. A longo prazo, faltam medidas. Precisaria do envolvimento de vários órgãos, um plano de combate. O que se tem é um plano de mitigação de uma crise. O combate precisa de medidas de saneamento básico, de coleta de lixo, distribuição de água. Esse exagero da mídia internacional com relação ao risco de vir ao Brasil é prejudicial para imagem do país e não tem sentido”

Alberto Chebabo é presidente da Sociedade de Infectologia do Rio

 
 
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