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Jovem com mais de 20 passagens pela polícia morre após roubar carro

12/06/2016 07h00 - Atualizado em 12/06/2016 12h27


Jovem com mais de 20 passagens pela polícia morre após roubar carro
Polícia Militar diz ter agido em legítima defesa ao matar François Pinheiro.
Mãe alega ao G1 que policiais executaram filho; Corregedoria apura extorsão.

Kleber Tomaz e Glauco Araújo*Do G1, em São PauloFACEBOOKFrançois Roger Antonio Pinheiro vinha chamando a atenção da polícia e da imprensa desde 2007. Naquela época, o então menino de 11 anos se tornou famoso em todo o país como o menor infrator detido diversas vezes por roubar e furtar carros em São Paulo. Até 2014, já com 17 anos, possuía 20 passagens por delegacias e uma ficha policial maior que sua altura. Agora, em 2016, com 19 anos, ele volta a ser notícia. Isso porque, na sua terceira incursão criminal como adulto, em janeiro, acabou morto a tiros pela Polícia Militar (PM).

O G1 teve conhecimento da morte de François neste mês em meio à polêmica sobre a criança de 10 anos morta no último dia 2 numa suposta troca de tiros com policiais. Comparar esses dois casos é inevitável: seus personagens começaram precocemente no crime e perderam as vidas em supostos confrontos com policiais.

As investigações da Polícia Militar e da Polícia Civil concluíram que os PMs agiram em legítima defesa no caso de François. Ao menos três participaram da ação. A mãe dele, uma diarista de 47 anos, contesta. Em entrevista ao G1, ela falou que os policiais extorquiram dinheiro de seu filho e disse acreditar que ele foi executado pelos agentes por causa de uma dívida de R$ 40 mil em dinheiro que tinha com membros da Força Tática da PM (veja vídeo acima).

"Policial foi e matou ele algemado", denunciou a mãe de François, que só aceitou falar desde que seu nome e rosto não fossem mostrados. "Eu já estava esperando por essa notícia. A própria polícia já tinha jurado ele [de morte]."

Procurada pela equipe de reportagem, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou que a Corregedoria da PM apura somente a denúncia de extorsão contra os policiais militares, já que as investigações concluíram que eles não executaram François. Os PMs continuam trabalhando.

"A Ouvidoria sempre cobrou da Corregedoria da PM uma investigação desses policiais denunciados pela prática de extorsão contra esse suspeito", disse o ouvidor da Polícia, Julio Cesar Neves.

2015: denuncia de extorsão
Segundo a diarista, policiais ameaçavam matar François se ele não pagasse a quantia exigida. Ela contou que o filho fez um acordo com os agentes em 14 de julho de 2015, quando foi detido com um comparsa por porte ilegal de arma, falta de habilitação e corrupção de menor.

Para não permanecer preso no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Diadema, no ABC, os PMs teriam proposto a François pagar R$ 14 mil, segundo sua mãe. Em troca, eles iriam relatar que o filho dela teve uma participação menor nos crimes. Mas, depois, eles subiram o valor.

Enquanto o seu comparsa continuou detido (ele foi condenado a três anos e nove meses de reclusão em regime fechado, segundo os advogados dele, os irmãos Lourivaldo e Dorgival Alves da Silva), François deixou a prisão em 22 de agosto de 2015. Ele chegou a ser condenado a trabalhos voluntários, mas a Justiça extinguiu a pena neste ano ao saber de sua morte.

A mulher contou que seu filho "tinha que pagar para ficar em liberdade”. "Ele falou assim: 'mãe, eu estou devendo até o osso para a polícia'", lembrou a diarista. "O primeiro foi R$ 14 mil. Eu sei que na segunda foi R$ 40 mil. Foi por causa desses R$ 40 mil que ele morreu.”

Procurada pelo G1, a Defensoria Pública, que aparece num dos processos na defesa de François, informou que "desconhece a denúncia feita pela mãe dele".

2016: denúncia de execução
François foi atingido por quatro disparos na madrugada de 7 de janeiro de 2016, uma quinta-feira, na Zona Sul da capital paulista. Para a mãe dele, o filho foi executado.

Na ocasião, o jovem e um adolescente de 16 anos eram perseguidos pela PM na Avenida João Paulo da Silva após roubarem um carro. A dupla apontou um revólver calibre 38 para o motorista de uma caminhonete Toyota Hylux preta, que entregou o veículo para não ser morto.

Segundo os policiais militares, François estava armado e atirou uma vez contra eles, que não se feriram e revidaram. "A polícia me ligou dizendo que um tinha sido morto e fui lá para reconhecer. E era ele mesmo", disse o proprietário da caminhonete sobre François. A vítima é um agricultor de 48 anos que mora no Nordeste e que não quis ter o nome divulgado.

"O pessoal disse que ele é conhecido. Esse moleque deu muito trabalho à polícia", afirmou o dono do carro recuperado pela PM. "Ele morreu com 19 anos, novinho. O moleque era o terror."

Infância e juventude
Na rua onde morava com a mãe e uma das duas irmãs, François era considerado introspectivo e não cometia crimes na vizinhança. "Era até um cara que impunha respeito. Por exemplo, ele determinou para não passarem mais de moto com o escapamento aberto por aqui para não incomodar idosos e crianças", disse um morador.

François parou de estudar aos 9 anos e, quando se tornou adulto, nunca quis trabalhar apesar de ter o desejo de um dia se tornar engenheiro de aeronaves. Com a morte do pai, por doença, ficava perambulando pelas ruas, cometendo delitos e levando os objetos que pegava para dentro de casa. A mãe ficava a maior parte do tempo fora por causa do trabalho como doméstica.

Atualmente François estava com quase 1,70m, 20 centímetros a mais que na época em que começou a levar os carros furtados para a frente da casa da mãe. Outro prazer dele era tatuar o corpo. François tinha o desenho de um terço no punho direito, um pica-pau, uma pirâmide e números que aludem à facção criminosa que age dentro e fora dos presídios. Policiais ouvidos peloG1 disseram que ele era membro dessa organização.



Ausência dos pais
Segundo o promotor da Infância e Juventude Tales Cezar de Oliveira, que acompanhou François numa das suas detenções na adolescência, laudos da Justiça demonstraram que a ausência dos pais e o convívio dele com criminosos contribuíram para o jovem começar a furtar e roubar. "Sem reprimir, ele cresce com a sensação de fazer de tudo", disse Tales.

François furtava e roubava carros porque gostava de dirigir, de acordo com o promotor. Questionado se o jovem teria recuperação se estivesse vivo, o promotor respondeu que não seria fácil. "Não diria irrecuperável, mas era difícil que ele tivesse um bom comportamento. A educação dele falhou no início", afirmou.

A mãe do jovem discorda. "Eu e meu marido fizemos de tudo para François não entrar para o mundo do crime, mas ele se juntou com as companhias erradas", disse. "Além disso, as escolas diziam que não tinham vaga para ele estudar porque estavam com medo de ter um delinquente por lá. Para piorar, o Conselho Tutelar não me ajudava nisso."

A equipe de reportagem não conseguiu localizar o conselheiro responsável pelo caso de François à época para comentar o assunto.

Acusações
Apesar de nunca ter matado ninguém, François respondeu a quatro atos infracionais que demonstram um comportamento violento. Ele agrediu e ameaçou vítimas e funcionários da Fundação Casa, quando estava com 14 e 17 anos.

Quando François tinha 11 anos, o promotor Tales era favorável à ida do então garoto a um abrigo pelo fato de ele ter cometido crimes graves. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), porém, proíbe a internação de menores dessa idade na Fundação Casa.

François passou pela Fundação Casa após os 12 anos, onde foi submetido a medidas socioeducativas. Ele ficou retido pouco mais de dois anos até ser posto em liberdade. Para a mãe, o filho deveria ter ficado mais tempo na instituição. "Foi pouco", disse a diarista.

Semelhanças
Na conversa com o G1, a mulher contou que assistiu na TV ao caso menino de 10 anos morto neste mês pela PM e lembrou de François. "O caso do menininho e o do meu menino são iguais. Os dois foram executados pela polícia."

O Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) é o órgão da Polícia Civil responsável por investigar "homicídio decorrente de oposição à intervenção policial", frase que aparece nos boletins de ocorrência dos dois casos mencionados acima.

As investigações sobre a criança ainda não foram concluídas. Já as de François tiveram o inquérito relatado a Justiça em abril, inocentando os PMs.
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