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Sexta-feira, 19 de abril de 2024

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Olimpíadas sempre ficam menos populares quando a conta chega, diz escritor americano

A um dia do fim da Olimpíada do Rio, o jornalista e escritor americano Dave Zirin já prevê o desânimo que virá depois da euforia dos jogos.


Autor de vários livros sobre política e esporte, incluindo um sobre o Brasil ("A dança do Brasil com o diabo: A Copa do Mundo, as Olimpíadas, e a luta pela democracia", sem lançamento no país), Zirin diz que os Jogos Olímpicos sempre se tornam menos populares quando a população começa a se dar conta do dinheiro gasto em sua organização.

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"Agora as pessoas escutam os números, US$ 11, 12 bilhões, mas (o valor) não está afetando suas vidas ainda. Quando as contas são pagas é quando você vê os cortes, os problemas como saúde e educação, em um país que já grandes problemas nessas áreas."

Para Zirin, que esteve no Rio para cobrir as competições, as últimas duas semanas foram um sucesso midiático, mas um "fracasso terrível" para o povo brasileiro.

O evento, diz, não cumpriu as promessas feitas em 2008, de transformar a realidade do país, e devem deixar um legado militarista, com milhões de policiais nas ruas cariocas. Além de provocar remoções de famílias nas favelas cariocas.

Sobre o caso dos nadadores americanos, o jornalista diz que, ao mentirem sobre um crime, eles usaram o estereótipo da violência a seu favor e feriram a autoestima do país. Os atletas Ryan Lochte, James Felgen, Gunnar Bentz e Jack Conger disseram que foram assaltos a mão armada no domingo, mas a história foi desmentida pela polícia dias depois.

"Eles estão atacando qualquer orgulho que o Brasil tenha por estar organizando os Jogos de maneira segura. Se esse caso fosse verdade, seria a história da Olimpíada: um dos maiores atletas do mundo roubado à mão armada. O fato de que eles foram tão descuidados com a reputação do Brasil tocou em um ponto sensível da autoestima do país."

BBC Brasil - A Olimpíada está acontecendo em um momento político complicado, às vésperas do julgamento de Dilma. Como o evento interage com a política brasileira?

Dave Zirin - (O evento) fere muito (a política) em alguns aspectos, como na impossibilidade das pessoas de serem ouvidas, porque grande parte da cobertura midiática é engolida pela Olimpíada. De outro lado, você vê como muitos estão usando os holofotes internacionais para chamar atenção. Fui a vários eventos olímpicos e havia pessoas segurando cartazes de "Fora Temer". Mas usar (essas manifestações) para efetuar uma mudança é difícil, porque a Olimpíada também traz repressão policial e, como eu disse, os Jogos se tornam a história midiática. Não importa quantos protestos ocorram, as pessoas vão estar falando mais sobre os atletas olímpicos do que sobre a situação política no Brasil.

BBC Brasil - Como um evento deste tipo, neste momento político, afeta a democracia?

Dave Zirin - Acho que é pior para a democracia do país.

BBC Brasil - Por quê? Você fala de coisas como a retirada de famílias em favelas? Ou da lei que proibia manifestações políticas?

Dave Zirin - Pela repressão das favelas e também porque, em razão da Olimpíada, se está limitando o tempo que candidatos a cargos políticos terão na televisão e nos noticiários. Criou-se uma situação na qual, se você é de um partido do governo, como o PMDB, a Olimpíada inteira é um comercial para você. Mas se você é de um dos partidos que, em uma período normal da eleição, têm um certo tempo de televisão, isso foi cortado de forma dramática durante a Olimpíada. Isso fere a democracia.

Além disso, quando você tem a presença de 85 mil ou 100 mil policiais altamente armados, isso também fere a democracia.

BBC Brasil - Quais serão os efeitos desse evento para o governo Temer? Tivemos os protestos contra o interino nas arenas, mas também uma cerimônia de abertura elogiada.

Dave Zirin - Pelas estatísticas, mais de 60% das pessoas no Brasil eram contra o país sediar a Olimpíada. Vejo Temer ganhando elogios na imprensa internacional por organizar os Jogos, o que pode ajudá-lo a ficar no poder. Mas não vejo os brasileiros aceitando o (presidente interino) de uma forma que digam 'nossa, você estava certo, a Olimpíada foi boa para o Brasil', porque a opinião sobre o assunto já está estabelecida. E, pela experiência cobrindo essas Olimpíadas, elas sempre ficam menos populares quando acabam, porque é quando as pessoas sentem o impacto do custo dos jogos.

Agora as pessoas escutam os números, 11, 12 bilhões de dólares, mas (o valor) não está afetando suas vidas ainda. Quando as contas são pagas é que você vê os cortes, os problemas como saúde e educação, em um país que já tem grandes deficiências nessas áreas.

BBC Brasil - Em seus artigos, você escreve sobre esse sentimento paradoxal, que é a empolgação com os atletas após as críticas a Olimpíada. Isso é comum nesses eventos?

Dave Zirin - É paradoxal, mas também não é único do Brasil. Em qualquer país que sedia uma Copa do Mundo ou a Olimpíada você pode sentir as pessoas muito chateadas com o que está acontecendo mas, uma vez que os jogos começam, você quer que o seu país vá bem, ainda mais se for uma história de superação como a da (judoca) Rafaela Silva.

Eles são símbolos de orgulho em um momento difícil e é compreensível, porque você já está nessa situação terrível, numa crise econômica, gastando todo esse dinheiro. Poder tirar pelo menos algum orgulho ou glória disso é, às vezes, tudo o que as pessoas têm.

BBC Brasil - Estamos a um dia do término da Olimpíada. Na sua visão, o evento foi bem sucedido?

Dave Zirin - Tudo depende de qual é a métrica para o sucesso. Se a métrica são as imagens transmitidas na televisão, os heróis que são criados, as histórias olímpicas que estão sendo contadas, então, sim, é um sucesso. Se a nossa métrica para isso é o que foi prometido ao povo brasileiro em termos do que a Olimpíada traria, é um fracasso terrível.

O que conseguiram fazer no Rio, num contexto de terrível crise econômica, foi dar um jeito e sediar o evento. E, de novo, foi por isso que o caso do Ryan Lotche foi tão dolorido. Porque, apesar de tudo as críticas ─ corretas ─ sobre o evento, a única coisa que não aconteceu foi um momento muito embaraçoso que fez a cidade parecer horrível. E é isso que teria acontecido se (a história do assalto) fosse verdade.

BBC Brasil - Frente a tantos problemas, qual será o legado do evento?

Dave Zirin - As Olimpíadas tendem a ter como legado um momento para o qual as pessoas olham por anos, um período no qual o país dá uma virada em determinada direção.

No entanto, desde o 11 de setembro (de 2001), tem se tornado obrigatório que essa virada se dê em direção a um estado de segurança, mais militarismo, um discurso mais militarizado. Esse é um temor do qual os cariocas devem estar cientes: a ideia de que haverá mais câmeras, mais polícia fortemente armada, mais monitoramento de suas vidas como um dos grandes legados dos Jogos.

BBC Brasil - Em um artigo sobre o caso dos nadadores americanos, você diz que eles tocaram em um ponto crítico ao mentirem sobre o assalto. Por quê?

Dave Zirin - Uma das coisas que vi no Brasil é que a Olimpíada era muito impopular por causa dos bilhões de dólares que estavam sendo gastos enquanto há problemas sérios na saúde, infraestrutura, educação.

Ao mesmo tempo, as pessoas têm muito orgulho de estarem sediando (o evento). E não é que não sejam críticas a Olimpíada, mas não querem ouvir uma história falsa sobre crime quando já há tantos estereótipos a respeito do assunto. Os nadadores estavam explorando um estereótipo sobre o Rio para escapar de um problema.

O ponto crítico no qual pisaram é que são atletas olímpicos e estão atacando qualquer orgulho que o Brasil tenha por estar organizando os Jogos de maneira segura.

Se esse caso fosse verdade, seria a história da Olimpíada: um dos maiores atletas do mundo roubado à mão armada. O fato de que eles foram tão descuidados com a reputação do Brasil tocou em um ponto sensível da autoestima do país.

BBC Brasil - Como esse episódio está ligado à história do Brasil como país explorado e sua relação com grandes potências como os Estados Unidos?

Dave Zirin - A relação entre os Estados Unidos, Europa Ocidental e Brasil é uma que eu descreveria como extrativista, ou seja, é exploradora. A exploração se resume ao que podemos extrair da cultura brasileira, dos recursos brasileiros, da sociedade brasileira.

E em uma Olimpíada, que deveria ser sediada como uma forma levantar o Brasil, vejo (o caso os nadadores) como outro empreendimento extrativista. Os nadadores se tornam um símbolo desse extrativismo. É essa ideia de que eles podem vir ao país, festejar, quebrar a lei, mentir para a polícia e ir embora.

Ao mesmo tempo, com a história que foi contada, que (os assaltantes) eram policiais, eles estão falando sobre outro estereótipo do Rio, mas que tem raízes na realidade: a violência e corrupção policiais.

O que também é muito triste, porque, se você é Ryan Lochte, é muito mais provável que esteja seguro nas mãos da polícia brasileira do que um morador de favela.
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