A professora e pesquisadora Cândida Soares, que atua no Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação (Nepre) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em entrevista ao
Olhar Direto, avaliou que os avanços alcançados para a população negra no Brasil ainda são muito tímidos. Ela diz que ainda vivemos em uma sociedade racista, com menos oportunidades para negros, e que para que haja uma melhoria, políticas públicas e mais empenho na educação são necessários.
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“Em termos de sociedade brasileira, o que todos os dados apontam é que os negros tem menos oportunidade. Vivemos em uma sociedade racista e como tal, as oportunidades para as pessoas negras são muito menores. Agora, o que as nossas pesquisas apontam, é que estas problemáticas sociais também vão estar acontecendo na educação”, disse a professora.
Cândida Soares atua no Nepre. O núcleo foi fundado em 2001 e faz, principalmente, pesquisas sobre as relações raciais na educação. De acordo com a professora, os prejuízos são maiores para a população negra, na educação, em todos os níveis, até no superior.
“É o que todos os índices sobre indicadores sociais apontam. Como nós vivemos em uma sociedade racista, como eu já falei, as oportunidades são muito menores para a população negra mesmo quando esta cumpre com os requisitos de formação exigidos, como o ensino superior, porque acabam muitas vezes até ingressando, como conformação, para ocupações de menos retorno financeiro”, afirmou a pesquisadora.
Por conta disso, Soares afirma que as cotas raciais nas universidades ainda são muito necessárias.
“Basta a gente pegar os dados oficiais. Quando você compara a população jovem que tem acesso á universidade, que você compara o índice de participação da juventude negra, em questão das condições de acesso, você tem elementos mais que suficientes pra justificar a necessidade da política de ação afirmativa [cotas]. Porque o que define a prioridade de atendimento por um setor e não pelo outro são as condições de acesso e não capacidade de cursar ou não, este ou aquele curso”, disse.
De acordo com a professora, há uma lei que obriga que o número de de estudantes negros seja equivalente ao índice populacional. No entanto, como a UFMT não faz este controle, ela não sabe afirmar se isto está sendo cumprido.
“A legislação obriga que, por exemplo no Estado de Mato Grosso se tenha, do percentual reservado para estudantes negros nas universidades, que a equivalência de ingressos seja proporcional ao índice populacional da região. Então isso é o que diz a lei, agora quantos negros estão ingressando em cada curso ofertado pela universidade, estes dados a gente ainda não tem para saber se isto está sendo cumprido, conforme está previsto, porque a UFMT mantém dados gerais dos alunos”, disse.
Na UFMT já existem coletivos de estudantes negros, que lutam pela questão curricular e pelo reconhecimento dentro da universidade.
“O primeiro coletivo que eu tenho conhecimento, que tem aqui na universidade, é o Coletivo Negro Universitário. Este coletivo vem fazendo uma ação bastante empenhada desde a sua fundação e hoje já existem outros coletivos. Esta atuação dos estudantes é fundamental, porque quando a gente fala em educação, em direitos, isso passa também pelo ensino superior, e apesar de termos já uma diretriz que já define que inclusive a universidade tem que desenvolver educação das relações étnico-raciais a partir dos cursos que ministra, isto ainda vem acontecendo em apenas alguns cursos, na maioria dos cursos não ocorre. Mas estes são aspectos que tem a ver com a luta dos estudantes. Eles lutam tanto pela questão curricular quanto pelo próprio direito e reconhecimento dentro da universidade, enquanto participantes importantes da sociedade brasileira”, disse a professora.
Cândida avalia que houveram sim avanços para a população negra no Brasil, mas segundo ela, estes ainda são tímidos
“O movimento do ser humano é sempre de avançar em algum sentido, desde a constituição de 88 nós temos tido alguns avanços, mas ainda são avanços muito tímidos. No campo da educação, por exemplo, igualmente como a gente tem acesso aos conhecimentos que vem de matrizes européias, a gente necessita ter um conhecimento, e isto faz parte de nós como brasileiros, de nossas matrizes indígenas e africanas. Infelizmente isto ainda vem durante todo este tempo ainda caminhando de uma forma ainda muito tímida, e em Mato Grosso ocorre da mesma forma. Porque isto se trata de políticas públicas, e elas só se realizam quando existe um empenho do Estado para que esta política aconteça a partir da formação dos professores, inclusive da realização da organização do trabalho escolar e de suas práticas no cotidiano do ensino”.
A pesquisadora diz que várias pessoas negras na nossa história foram apagadas ou negligenciadas e que isto apaga a contribuição da população negra no país.
“Por exemplo, a gente sabe que Machado de Assis foi o fundador da Academia Brasileira de Letras. Durante muito tempo quando se lia sobre Machado de Assis, se via uma fotografia de um homem branco. Você ouve falar sobre Rebouças, que foi uma pessoa importante e você não sabe quem é Rebouças. Durante muito tempo estudavam-se os livros de Milton Santos sem saber que ele era negro. Então são muitas pessoas, muitas representações, muitos grupos, a luta dos grupos, a luta dos quilombolas por exemplo, sempre foram sinalizadas como rebeldia, como qualquer outra coisa, mas não enquanto um apontamento de um povo que construiu este país, que é importante e que tem direitos, e que estes direitos sejam garantidos”.
Ela também acredita que para que haja uma mudança em nossa sociedade, a representatividade, a presença de figuras negras, ou de outras etnias não brancas, na mídia, retratadas de uma forma positiva, é muito importante para inspirar as novas gerações.
“Representatividade é importante para qualquer pessoa ter referência. Você só estabelece projetos de futuro sabendo que tem um horizonte para o qual você vai se projetar, e isto é importante também para as pessoas negras. É Importante que nossos filhos e as crianças de uma forma geral, as crianças negras, quilombolas, indígenas, tenham referências pelas quais elas possam também se projetar em uma perspectiva de futuro. Você só sonha quando você tem elementos que te ajudam a construir os seus sonhos e as possibilidades de realização. Historicamente nós vivemos durante muito tempo com todas as referências negras ocultas pela história. Estas questões acabam fazendo parecer como se a população negra não tivesse referências, quando na verdade o que existe é um ocultamento destas referências”, afirmou a professora.