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Quinta-feira, 28 de março de 2024

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Aumento de 100%

Conflitos no campo explodem durante a pandemia e ameaçam 64 mil pessoas em MT

Foto: Rogério Florentino Pereira/ OD

Conflitos no campo explodem durante a pandemia e ameaçam 64 mil pessoas em MT
No ano marcado pela crise sanitária e econômica causada pela pandemia, os conflitos no campo tiveram uma explosão no número de casos em Mato Grosso. O Estado registrou em 2020 alta de, respectivamente, 100% e 96% nos conflitos no campo e por terra em relação ao mesmo período de 2019, de acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT). O aumento exponecial tem sido percebido pelos especialistas desde o ano que coincide com a posse do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A contagem da CPT leva em conta ocorrências relacionadas a disputas por terra, por água e conflitos trabalhistas em áreas rurais.


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Os dados divulgados no “Relatório Conflitos no Campo Brasil” apontam que no ano passado, o estado bateu recorde, registrando 193 conflitos no campo — maior número desde 2011 — , um aumento de 103,15% em comparação com 2019, quando o valor era 95, e 257,4% em comparação com 2018, quando o valor 54.

Em relação ao número especifico de conflitos por terra, o número registrado em 2020 também foi o maior da faixa histórica: foram 169, o que resultou em uma elevação de 96,51% em relação ao período de 2019, que registrou 86 conflitos, e 259,57% em relação a 2018, que registrou 47 conflitos. Os conflitos por terra envolvem despejos e expulsões, ameaças de expulsão, bens destruídos, pistolagem e invasões. 

Ao todo, foram mais de 16 mil famílias e 64.483 pessoas afetadas em meio aos conflitos registrados pela CPT em toda a extensão do território mato-grossense.
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Discurso da política nacional incentiva conflitos

“A pandemia traz a fragilidade para os povos do campo, mas ao mesmo tempo a pandemia não trouxe a diminuição dos conflitos. Pelo contrário, quem promove os conflitos, quem quis promover conflitos em 2020, não diminuiu. Fazendeiros, o próprio Governo Federal, que se omitiu frente a violência que as famílias sofriam, os próprios empresários e grileiros”, explicou ao Olhar Direto Paulo César Moreira Santos, integrante do Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno, mantido pela da CPT (Cedoc-CPT). 

De acordo com Paulo, a realidade desenhada durante a pandemia, em parte, se deve ao discurso da política nacional, que sob influência do governo Bolsonaro, ele considera como sendo incentivador da violência do campo. Ele cita ainda o agronegócio, que, segundo ele, desde 2019, tem ocupado papel importante dentro das políticas desenvolvidas e priorizadas dentro do executivo federal e, além disso, se beneficia de conflitos agrários para se estabelecer. 

“O agronegócio tem crescido, principalmente, a partir dos conflitos e a partir da invasão de muitos territórios, o avanço dessas fronteiras agrícolas na Amazônia. O aumento dos conflitos na Amazônia, que é onde tá o Mato Grosso, é assustadora. 62,4% dos conflitos aconteceram na Amazônia, mais de 60% das famílias envolvidas em conflitos, em todo o Brasil, estão na Amazônia. As comunidades indígenas, os posseiros, as comunidades tradicionais que existem na Amazônia estão condenadas a não existirem mais, porque existe um modelo de vida, um modelo de agricultura, que não está sendo respeitado”, esclareceu.
 
Sobre isso, o especialista é enfático ao dizer que a atuação da gestão Bolsonaro reflete na violência enfrentada pelos camponeses, comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais do país. Agressões estas que, diante da ausência do Poder Público, devem culminar na destruição de um modelo de vida diferente daquele proposto pela lógica desenvolvimentista do setor agrícola do país.

“O agronegócio tem todo o poder nesse governo e Bolsonaro não só dá poder ao agronegócio, mas ele incentiva a violência a esses povos e comunidades. No momento em que o mundo vivencia catástrofes ambientais, o aumento da fome, aqui no Brasil a gente tá vivendo a destruição de modelos de vida, de produção de alimentos, de preservação do meio ambiente. A gente está na contramão da criação de um ambiente mais saudável, de diminuição de condições degradantes da vida e do meio ambiente. É algo muito sério”.

Maior parte dos conflitos ocorreram em terras indígenas

Em Mato Grosso, a maior parte dos conflitos registrados em 2020 ocorreram em Terras Indígenas. Do total de 193 violências registradas, 128 ocorreram dentro desses territórios, ou seja: 66,6%. Ocorrências de transgressão de direitos dessas comunidades originárias que vivem em áreas demarcadas do Estado de Mato Grosso e que foram vítimas dessa explosão da violência no campo. 

“O povo indígena fez barreiras sanitárias pra se preservar da contaminação, os fazendeiros que, muitas vezes, grilam, entram nessas terras de forma ilegal ou ambicionam essas terras, eles fazem ataques contra esses povos”, comentou Paulo, relembrando a situação onde em agosto do ano passado, criminosos armados destruiram a barreira sanitária da Terra Indigena Capoto Jarina, fazendo diversos disparos contra as aldeias, onde vivem cerca de 327 caiapós. Um deles, o cacique Raoni Metuktire, liderança indigena do Parque Indigena do Xingu. 

“Os conflitos indígenas aumentaram muito porque os territórios indígenas são áreas mais preservadas, é uma área que tem também muita madeira, muito minério, muita água. Uma área que os grileiros de terras ou outras empresas, mineradoras principalmente, buscam muito. O número de invasões aos territórios, cresceu mais de 100% em relação a 2019, e o principal foco dessas invasões foram os territórios indígenas. No Mato Grosso há um número considerado e, principalmente, também na Amazônia, de territórios indígenas e de povos indígenas”, esclareceu o especialista. 

De acordo com Armando Wilson Tafner Junior, Doutor em desenvolvimento sustentável pela Universidade Federal do Pará e membro do Núcleo de Estudos Rurais e Urbanos da Universidade Federal de Mato Grosso, esses conflitos estão interligados com a expansão da fronteira agrícola em Mato Grosso. Ele explica que existe o interesse de apropriação de terras públicas demarcadas por esses setores que, frequentemente, exercem pressão para que haja, cada vez mais, o acúmulo de terras. 

“A gente pode ver mapas ambientais, o ponto onde ocorre o desmatamento é fora da área indígena porque a área indígenas consegue preservar a floresta em pé, mas ao redor dela tá tudo desmatado. Por exemplo, o Parque do Xingu, nenhum rio nasce dentro do Parque do Xingu, todos os rios nascem fora, todas as nascentes que estão fora elas estão completamente desmatadas. Esses avanços são uma pressão muito grande, porque os latifundiários colocam seus jagunços para ficarem ali ameaçando, se impondo pela força, diante dos índios”, explicou.

Projeto de lei que incentiva a grilagem 

Em tramitação no Senado, o projeto de lei 510/2021, apelidado como PL da Grilagem, de autoria do senador Irajá (PSD-TO) e de relatoria do senador Carlos Fávaro (PSD-MT), amplia de dezembro de 2011 para dezembro de 2014 o marco legal de regularização dessas áreas, anistiando as invasões de terras públicas ocorridas nesse período.

Apoiado pela bancada governista, o projeto foi colocado em pauta no Senado em abril e foi retirado da agenda no mesmo mês - por falta de discussão - e segue, desde então, sendo debatido em audiências públicas promovidas pela Comissão do Meio Ambiente (CMA). Para Armando, a medida se trata de outra forma que o governo encontra de contribuir ainda mais para o aumento dos conflitos no campo. 

“Essa PL permite que até 2.500 hectares possam ser ocupados sem vistoria prévia, e 2.500 já é um latifúndio, e pode ser ocupado sem vistoria. A vistoria vem depois. isso é um absurdo muito grande de poder ocupar 2.500 hectares de terra, sem vistoria prévia. Não faz sentido”

Ao relembrar os incêndios do ano passado, que dizimaram cerca de 30% do Pantanal, segundo os dados do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (LASA), o especialista alerta que o projeto deve acende a expectativa da regularização de terras invadidas de forma ilegal. 

“A gente começa a entender as queimadas de 2018 e 2019 na Amazônia, no Pantanal em 2020 e que vai acontecer esse ano de novo, porque é uma preparação da grilagem de terra. O avanço em direção da Amazônia, para que se ocupe as terras, então você ateia fogo e tira tudo e está pronto para colocar um pasto e grilar. Queima grandes extensões para atender esses 2.500 hectares e ocupar uma área sem vistoria”, alertou.

Nesse cenário, o especialista alerta para o perigo que pode ser aberto com a aprovação do PL: “Esse esse PL vem pra aumentar esses conflitos no campo. Com a desculpa colocada pelo Governo de resolver [conflito], [na verdade] ele vem para aumentar e vai aumentar”.

Alerta complementado por Paulo, que, como integrante da Cedoc da CPT, tem constatado ano após ano uma curva crescente da violência no campo não apenas em Mato Grosso, como no Brasil. “É algo que surpreende porque a gente vê um aumento que está em ascensão, não é um aumento que acena para uma queda, os conflitos estão em ascensão”.
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