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Sexta-feira, 29 de março de 2024

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No noroeste de MT

Construção de seis hidrelétricas ameaçam rio considerado o melhor do país para canoagem

Foto: Reprodução

Construção de seis hidrelétricas ameaçam rio considerado o melhor do país para canoagem
Considerado o melhor do país para a prática de canoagem, o rio Sucuruina, ou então rio Ponte de Pedra como também é conhecido, tem protagonizado um risco iminente à sua integridade: o avanço da construção de seis Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) em seu fluxo. Localizadas em uma região que também é berço de vários povos indígenas, os projetos das usinas não contaram com a participação da sociedade civil e tampouco a apresentação de detalhes do impactos das obras. 


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Situado na bacia do rio Juruena, na região noroeste de Mato Grosso, o rio Sucuruina atravessa a Terra Indigena (T.I.) Ponte de Pedra, onde vivem originários do povo Paresí, e além disso possui várias cachoeiras, curvas, águas transparentes e volumosas e velozes corredeiras. “O Sucuruina é reconhecido hoje em dia como um dos melhores rios do Brasil e do mundo, quando se fala de canoagem extrema. Um clássico”, afirma Caio Moreno, 37 anos, canoísta multicampeão e um dos principais nomes do caiaque extremo do país na atualidade.. 

No total, ao menos seis PCHs são previstas para serem instaladas no rio, que apresentaram trâmites pouco transparentes, marcados pela ausência de participação da sociedade civil ou apresentação detalhada dos impactos à região. A constatação é baseada no monitoramento independente de hidrelétricas, realizado pela Rede Juruena Vivo e pela Operação Amazônia Nativa (OPAN).

Estudos, a exemplo do realizado pelo ecólogo e conservacionista Thiago Couto, pós-doutorando na Universidade Internacional da Flórida (FIU), indicam que barragens alteram o ecossistema das águas e comprometem o fluxo natural de sedimentos, responsável por nutrir peixes e a flora ao longo do rio. Isto porque areas antes inundadas, podem vir a secar gradativamente. A médio e longo prazo, uma via fluvial rica em biodiversidade pode se tornar, ou vir a ser considerada, morta.

Canoagem

Inserido em um ambiente onde a natureza ainda conserva grande parte da sua beleza natural e selvagem, o nome do rio Sucuruina faz uma alusão à sua extensão e curvas, que remetem à cobra sucuri. Isto porque assim como o réptil, o rio, ao mesmo tempo em que fascina, intimida pelas curvas sinuosas.

Afirmação que também é feita por Caio Moreno. Ao longo de 22 anos de carreira, ele acumula oito títulos brasileiros e outros quatro pan-americanos com a seleção nacional, além de oito mundiais disputados, todos em competições de caiaque polo. Nos últimos anos, porém, Caio tem se dedicado ao caiaque extremo. A principal competição da modalidade, denominada “Rio Selvagem”, teve quatro edições. O canoísta disputou todas: venceu uma, foi vice em duas e chegou em quinto lugar em outra.

“Percebe-se que se está numa floresta maravilhosa, numa zona de transição do bioma do Cerrado para o amazônico. Aquelas árvores enormes, aquela água esverdeada, que de tão transparente é possível enxergar as pedras porosas ao fundo, que cortam igual a um coral. As cachoeiras imponentes. É um rio simplesmente impressionante e desafiador”, relata.

Há pelo menos 11 anos envolvido com a canoagem, ele percorre o Brasil à procura de rios aptos à atividade esportiva. Nessa busca, descobriu que o estado de Mato Grosso concentra alguns dos melhores lugares para o caiaque extremo, com grande potencial para movimentar a economia por meio do turismo. Em 2019, o setor teve um Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 270,8 bilhões, conforme estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Rios loteados

Das seis PCHs previstas para instalação no rio Sucuruina, pelo menos duas encontram-se em fase avançada. Uma delas, denominada, Ponte de Pedra, pertence à empresa Sollo Energia S.A., que tem como sócio Luís Antônio Taveira Mendes, filho mais velho do governador de Mato Grosso, Mauro Mendes.

Como consta do Diário Oficial da União do dia 31 de março deste ano (processo número 48500.000390/2021-46), a Sollo Energia S.A. obteve da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) o Despacho de Registro de Intenção (DRI) referente à implantação da PCH – uma das últimas etapas antes do início das obras de instalação. 

Já a empresa Zarwal, que administra a PCH Matrinchã, conseguiu junto à Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA), em 2017, a outorga para exploração do rio Sucuruína até 15 de maio de 2049. As obras da PCH ainda não se iniciaram, mas a renovação da licença para instalação do empreendimento já foi solicitada pela Zarwal à SEMA.

As duas PCHs são planejadas para serem instaladas muito próximas à Terra Indígena Ponte de Pedra. Pelo menos duas das principais corredeiras do rio, que atravessam as cachoeiras do Salto e da Cocada, seriam drasticamente afetadas, segundo os canoístas.

Perigo conhecido pode ocorrer de novo

Riscos parecidos já foram experimentados em outras vias fluviais de Mato Grosso. Como por exemplo nos rios da bacia do Alto Paraguai, que antes eram referência para a canoagem, como o Tenente Amaral e o Prata. Estes tiveram os volumes tão reduzidos pela presença de PCHs que atualmente apresentam trechos cada vez mais secos, além da morte de peixes.

“No Prata, os cursos de água desviados provocaram vazios enormes. Trechos que costumavam ser naturalmente remáveis, ficaram praticamente secos, de sobrar só as pedras mesmo. Já no Tenente Amaral, houve casos de, durante a remada, o nível do rio diminuir absurdamente. Isso sem contar a poluição, quando da limpeza dos reservatórios das hidrelétricas”, afirma Gino Lima, de 52 anos, que vive em Jaciara e é considerado um mestre da canoagem pelos colegas. Nos 38 anos dedicados ao esporte, ele acompanhou de perto as mudanças provocadas pelas PCHs nos respectivos rios. 

Em 2018, o rompimento de uma barragem que acumulava matéria tóxica matou milhares de peixes do Tenente Amaral. “Certamente a mesma tragédia pode vir a ocorrer no Sucuruina, caso esses empreendimentos avancem”, alerta Gino. Tendo remado em muitos lugares do mundo, o instrutor, que também é membro da Associação Americana de Canoagem — a mais antiga do mundo voltada ao esporte, fundada ainda no século XIX, em 1880 — , é categórico sobre o potencial do Surucuína.

“Já remei no México, Argentina, Chile e em muitos outros lugares. Eu diria que são poucos, muito poucos os rios do mundo que se comparam ao Sucuruína em relação ao caiaque extremo, em termos de condições para a prática esportiva. Em termos de beleza, não há outro igual”, enfatiza.

Mais usinas mapeadas para a bacia do Juruena

Levantamentos realizados pela Rede Juruena Vivo e OPAN indicam, até o momento, a existência de 154 usinas mapeadas na bacia do Juruena, em diferentes fases de implantação, conforme os números atualizados até abril. Dessa quantia, aproximadamente 70%  encontra-se no estágio de planejamento.

Os empreendimentos compreendem as Centrais Geradoras Hidrelétricas (CGHs), que têm até 5MW de potência; PCHs, com potência superior a 5 MW até 30MW e as Usinas Hidrelétricas (UHE) propriamente ditas, que são maiores do que 30MW.

A concessão de outorgas para o uso da água na bacia do Juruena tem critérios pouco conhecidos do público ou mesmo dos conselheiros de meio ambiente e recursos hídricos do estado. Não há, por exemplo, uma definição de percentuais mínimos do trecho de vazão reduzida em projetos de desvio de PCHs e CGHs, como atesta estudo da OPAN realizado em 2019.

Em todo o Brasil, encontram-se em operação 1.129 PCHs e CGHs, sendo 129 em Mato Grosso, conforme informações da Associação Brasileira de Pequenas Centrais Hidrelétricas e Centrais Geradoras Hidrelétricas (Abrapch). Os números são de 2019, os mais recentes.

Se os impactos às regiões em que são implantadas são de grandes proporções, comprometendo o uso múltiplo dos rios, não se pode dizer o mesmo a respeito do retorno social dessas usinas. Dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), indicam que PCHs e CGHs representam 85% dos empreendimentos hidrelétricos atualmente, mas contribuem com apenas 7% da potência de geração.

Políticos figuram entre donos 

Aos investidores, contudo, o comércio de megawatts por meio da energia gerada por PCHs e CGHs é uma atividade que se mostra lucrativa. Também não são raros os casos em que figuras do meio político ou do agronegócio, como o ex-governador Blairo Maggi (Maggi Energia S.A.) e o ex-deputado estadual Carlos Avalone (MCA Energia), figuram como donos ou sócios de empreendimentos. Avalone chegou a ser cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso (TRE-MT) em dezembro de 2020, por caixa-dois e compra de votos ocorridos nas eleições de 2018. Apesar disso, ele continua no cargo, até que o seu recurso seja julgado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 

Algumas mudanças na legislação, como por exemplo a aprovação do Projeto de Lei (PL) 3729/2004 pela Câmara dos Deputados, que praticamente acaba com a necessidade da apresentação de licenças ambientais para instalação de determinadas obras de grande porte – como às relacionadas a empreendimentos energéticos –, favorece o loteamento de rios por meio da proliferação de PCHs, CGHs e UHEs. O PL ainda será avaliado pelo Senado e, sendo aprovado, segue para sanção da Presidência. (Com informações da Operação Amazônia Nativa)
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